01: Hipótese

escrito por Daniel Manning & Mischa Stanton
produzido por Mischa Stanton
traduzido por Júlia Oliveira
[EN]

[gravador de fita liga]

SALLY GRISSOM (SG): Alô? Testando, um, dois… OK! Este é o diário em áudio de Sally Grissom. A data de hoje é…  Merda, que diferença faz? É dia 29 de outubro de 1943, acho. Pra mim, esse é dia seguinte a 14 de Agosto de 20██ . O quer que isso signifique. 

Esse gravador é… [ri] enorme! Quando estavam preparando meu quarto aqui, perguntaram se eu queria um diário “pros meus pensamentos”. Não gosto muito de diários escritos, então falei que em vez disso queria gravar minha voz — Prefiro ouvir meus pensamentos em alto e bom som. Acho que estava imaginando uma coisa mais portátil, não essa monstruosidade na minha mesa. Mas estou grata por terem trazido ela. Preciso manter um registro do que passa pela minha cabeça. Está mais confusa do que nunca. 

Mas, bom, deixe-me começar do princípio: Eu estava no meu laboratório no SSC. Sou uma física residente lá, a líder no comando de uma pequena equipe de pesquisadores trabalhando pra construir uma matriz de geradores que cancela o mecanismo de Higgs. A coisa era o nosso bebê. Tínhamos gastado incontáveis horas, noites insones e aproximadamente nove dígitos com ela. Depois de um sólido ano de trabalho, estávamos finalmente prontos pra testá-la. E lá estamos nós, no dia do teste, minhas mãos tremendo enquanto coloco a massa experimental— um quilo de platina — no pedestal no centro da matriz.

[máquina do tempo liga] 

Quando a matriz começou a aumentar a velocidade de rotação, o interior vibrou tanto que derrubou o cilindro. Saí da sala de observação pra colocar ele de volta no pedestal. Me lembro de um dos meus assistentes perguntando se eu queria que parassem o teste; eu disse pra não perder tempo fazendo os geradores desaceleraram e acelerarem de novo. Na verdade, cheguei até a dizer que “não vai acontecer nada”. É, claro, não vai acontecer nada… 

Os geradores atingiram a potência máxima antes do que deveriam. Assim que coloquei a massa teste no interior da matriz, ouvi um zumbido alto e uma crepitação de eletricidade— 

[eletricidade crepita] 

Me lembro de um cheiro parecido com ozônio e do gosto de ferro no fundo da minha garganta. Lancei um olhar pra onde meus assistentes estavam, mas as silhuetas deles tinham ficado borradas. Uma luz ofuscante preencheu a sala inteira; por um instante, o mundo inteiro ficou preto e branco e vermelho. 

[máquina do tempo aumenta a intensidade]

E então, a luz foi ficando mais brilhante, mais quente e cada vez mais branca, até se tornar tudo o que eu via… 

[máquina do tempo ativa]

Quando dei por mim, estava deitada na proa de um barco enorme. Minha mente estava cheia de ruído branco, e eu estava tonta e tremendo de frio. O conteúdo do meu café da manhã estava espalhado na minha frente. Não foi o meu melhor momento.  

Devo ter ficado uns bons cinco, seis minutos semiconsciente no chão de metal frio antes de alguém me encontrar. Me lembro de um par de mãos checando meu pulso, se assegurando de que eu estava respirando. Aquele primeiro par de mãos chamou um segundo, e logo logo eu estava cercada por um… Como você chama um monte de caras da marinha, uma tripulação? Uma equipe? Uma… corveta? Uma porrada? É, é isso — estava cercada por uma porrada de marinheiros. A maioria estava sussurrando entre si. Um deles, autoridade soando em sua voz, veio e mandou os outros me levarem até o interior do navio. Ou pelo menos é o que acho que ele disse. Foi algo do tipo. Não me lembro das palavras exatas, meus pensamentos estavam pra lá de indistintos, mas esse era definitivamente o tom dele. O primeiro marinheiro, o que tinha checado se eu estava viva, se recusou, disse que devia ser levada à enfermaria. Um deles perguntou se eu conseguia andar. “Andar?” eu quis dizer “Eu mal consigo ficar de pé! Aliás, quem são vocês?! Exijo falar com a pessoa no comando!”. Eu quis dizer tudo isso. Mas, do jeito que ‘tava, só cambaleei um pouco, balbuciei e vomitei em cima do marinheiro mais próximo inteiro. Alguns deles me ergueram e me carregaram até os níveis inferiores do navio. 

Ah, a propósito, quando era mais nova, meus pais me levaram pra ver o USS Intrepid em Nova York. Era um cargueiro de aviões da Segunda Guerra que tinha sido aposentado e transformado num museu marítimo, aéreo e espacial. O módulo lunar estava lá, e meus pais queriam que eu visse a cápsula em que meu avô aterrissou na Lua.

[interferência estática] 

Quando minha visão clareou um pouco, finalmente pude ver onde estava. Me lembro de pensar que o navio tinha era quase idêntico ao da minha memória da visita, exceto que os controles não estavam selados atrás de barreiras de acrílico. A única coisa de que eu não me lembrava era a cela. Era só uma jaula, um armário com barras com não mais de um metro e meio de comprimento enfiado no canto de uma sala. Os marinheiros me desceram o mais gentilmente possível, trancaram a porta e saíram. 

Fiquei lá por um tempo, me movendo o mínimo que podia, segurando minha cabeça latejante, tentando fazer a sala parar de girar. Talvez até tentando acordar daquele sonho terrível. Finalmente, depois do que pareceu uma hora (mas que foi provavelmente uns dez minutos), ouvi uma voz de dentro da sala. Evidentemente, um dos tripulantes tinha ficado pra trás: aquele primeiro, o que se importava se eu estava viva ou não. Ele estava calmo e silencioso como o mar depois de uma tempestade. Ele me disse… 

[rádio sintonizando]

CHET WHICKMAN (CW): Senhora? Com licença, senhora, consegue me ouvir?

SG: Eu, uh— 

[SG vomita] 

CW: Vá com calma, pode ir com calma. Não se preocupe, senhora, vai ficar tudo bem. O Diretor está vindo pra cá agora, e ele vai conversar com você. Descanse, poupe as suas forças. 

SG: [atordoada]… Onde eu estou? 

CW: Você está na Filadélfia, senhora. Ou melhor, ao largo da costa da Filadélfia.

SG: Num… barco? 

CW: Sim, senhora. Você está a bordo de uma corveta contratorpedeira classe canhão. Na maior parte do tempo, levamos tropas e materiais às frontes aliadas. Hoje nós estamos… bom, estamos fazendo algo diferente.

SG: Dife… rente?

CW: Bom, senhora, não posso dizer muito. É tudo confidencial, bem acima do meu cargo. Mas suponho que você deva saber, alguns cientistas do exército assumiram as operações esta semana, tomaram conta do navio como formigas em um piquenique.

SG: Deva… saber?

CW: Bom, claro, não é isso que você está fazendo aqui?

SG: Não… Uh. Não tenho certeza do que estou fazendo aqui.

CW: Bom, você teve que passar por uma série de problemas para burlar nossa segurança. Como você conseguiu, aliás?

SG: Não, não, eu estava… eu estava no meu laboratório… Minha máquina… começou a brilhar e…

CW: Você devia guardar sua historinha para quando o Diretor chegar aqui.

SG: Não é historinha, é verdade! Sou uma cientista, uma física. Eu estava trabalhando no meu laboratório, e o gerador… ele deve ter—

[SG cai, bate nas barras]

CW: Shhh, shh, relaxe, por favor. Poupe suas forças. Aqui, tome um pouco de água.

SG: Obrigada.

CW: Como você se chama?

SG: Sally.

CW: Sargento-ajudante Chet Whickman. Prazer em conhecê-la.

[SG bebe a água]

CW: Agora ouça, senhora—

SG: Doutora.

CW: … Certo. OK, Doutora, escuta: qualquer que seja sua explicação, acredito em você. Vi o que aconteceu. Eu estava lá na proa quando ligamos nossa máquina. Teve aquele flash branco enorme; ela fez o trabalho dela. E aí a luz sumiu, e você estava lá deitada. Eu vi você aparecer do nada! Não tenho conhecimento o bastante sobre o projeto para saber o que estavam fazendo, só navego o barco, mas sei que era alguma coisa estranha. Por mim, você é só uma moça normal, cuidando da própria vida. Diabos, talvez esteja trabalhando conosco, em algum outro projeto científico governamental—

SG: Não estou com o exército, já te disse—

CW: Mas não importa. Porque o Diretor, ele precisa agir como se você fosse uma espiã que se infiltrou no navio para roubar o projeto dele. Você acabou se metendo em confusão em uma base ultrassecreta, senhora. E não vai sair do Eldridge até ele conversar com você e descobrir tudo que sabe. Vá com calma. Sinto muito, mas tenho a impressão de que seu dia será bastante longo.

[rádio sintonizando]

SG: Me mantiveram naquela cela por cinco horas. Eu não conseguia nem esticar meus braços, minha visão ainda estava girando e a cabeça latejando da viagem pra lá. Pedi um Dramin e tudo que consegui foi um olhar confuso do Whickman. Aparentemente não tem isso por aqui.

Me levaram até a sala de interrogatório e, bem quando minha visão parou de girar, entrou o Diretor. Ele era a imagem exata do estereótipo de agente secreto. Ombros largos, mandíbula quadrada, cabelo lambido bem rente ao couro cabeludo. Terno preto gasto, camisa branca, gravata preta. Como alguém saído de um filme. O sorriso nunca vacilava, e as rugas no rosto dele me diziam que tinha praticado aquele sorriso um milhão de vezes antes…

[rádio sintonizando. Porta se abre e fecha. Som de passos. Cadeira raspando vagarosamente contra o assoalho. Papéis sendo organizados.]

BILL DONOVAN (BD): Qual é o seu nome, garotinha?

SG: Vai se foder, esse é o meu nome.

BD: [suspira] E aqui estava eu, perfeitamente preparado para assumir sua cooperação. Eu ia me sentar aqui, sorrir educadamente, fazer algumas perguntas e estaríamos resolvidos. Você estaria livre pra seguir seu caminho. Mas decidiu ser hostil. E agora tenho que lhe tratar como uma prisioneira hostil. E prisioneiros hostis não são bem tratados no meu navio. São pendurados como carcaças em um açougue. São interrogados a ferro quente e abandonados gritando em agonia ou choramingando silenciosamente, confusos e desamparados. Agora, isso soa divertido pra você?… Não, para mim também não. Então, vamos tentar de novo? Qual é o seu nome?

SG: Sally.

BD: Prazer em conhecê-la, Sally. Meu nome é William Donovan. Meus amigos me chamam de Bill.

SG: … Belo navio o que você tem aqui, Bill.

BD: Viu? Já somos amigos. Obrigado. É uma corveta bem pequena e modesta, mas estava disponível para realizar o trabalho de que precisávamos. De onde você é, Sally?

SG: Dos Estados Unidos.

BD: Pode ser um pouco mais específica, querida?

SG: Não.

BD: Agora, eu lhe disse o que acontece se não cooperar…

SG: Não se você vai continuar me chamando de “querida” e “garotinha”. É “Dra. Grissom”. Não vou só ficar sentada aqui e te assistir me rebaixar só porque sou mulher e você me prendeu.

BD: Sinto… Sinto muito, Doutora. Você está absolutamente certa. Agora, por favor, pode me dizer de onde é?

SG: Sou do país inteiro. Cresci numa fazenda em Iowa, estudei numa escola no nordeste. Estive trabalhando no Texas nos últimos anos.

BD: Onde no Texas?

SG: Waxahachie.

BD: Uoqui-a-o quê? [ri]

SG: [devagar] Uoqui-sa-ra-chie. Perto de Dallas.

BD: E o que você faz lá em Waxahachie, Texas?

SG: Sou física. Estou trabalhando no SSC.

BD: E o que é isso?

SG: O… O Supercondutor Super Colisor? O grande acelerador de partículas? O maior do mundo, pertinho de Dallas? Essa não é uma divisão científica do exército?   

BD: Quem lhe disse isso?

SG: Aquele marinheiro, o que me trouxe pra cá. Whickman.

BD: Bom garoto. Esperto. Bem falante, sem dúvida. Onde você estudou, Dra. Grissom?

SG: MIT.

BD: MIT, como em “Instituto de Tecnologia de Massachusetts”?

SG: Não tenho certeza de quantos MITs além desse existem, mas, é, o MIT. Por quê?

BD: Só estou impressionado. Nunca conheci uma mulher com um doutorado do MIT antes. Muito impressionante.

SG: Hm… Obrigada.

BD: Então, Doutora, na sua opinião de especialista, como acha que veio parar no meu navio?

SG: Não tenho certeza. Eu estava testando uma máquina no meu laboratório… Era pra ela cancelar o campo de Higgs localizado em u—

BD: Em inglês, por favor, Doutora. Nem todos temos diplomas do MIT.

SG: Ela cancelava uma das forças fundamentais do universo. E eu meio que… entrei no meio. Então entendo por que alguma coisa aconteceu comigo. Mas por que vim parar no seu navio… Não faço ideia. Pode me dizer mais sobre o que vocês estão desenvolvendo aqui? Talvez algo entre as duas —

BD: Boa tentativa.

SG: Bill, eu—

BD: Escuta, Dra. Sally Grissom, do Iowa. Ou quem quer que você seja. Cansei dos seus joguinhos. Pra quem você está trabalhando?

SG: Eu te disse, trabalho no SSC—

BD: O SS… C. Entendo. E quanto teriam lhe pagado, se tivesse levado nossos planos de volta para a Alemanha?

SG: Alemanha? Do que você ‘tá falando?

BD: Doutora, tenho certeza absoluta de que o que estamos fazendo aqui está ultrapassando os próprios limites do desenvolvimento humano. As coisas que estamos fazendo soam como algo saído direto das AstonishingTales. É incrível, é poderoso… é perigoso. E vou queimar no inferno antes de deixar o Adolf e seus Krauts colocaram as mãos nessa tecnologia.

SG: [ri] Adolf? Krauts? O que é isso, a Segunda Guerra?

BD: A Revolução é que não é, querida. E nós avançamos muito desde então. Temos várias novas formas de manter alguém preso… manter alguém em agonia… até descobrirmos cada segredo nazista que você tem dentro dessa sua linda cabecinha—

SG: Que dia é hoje?

BD: O quê?

SG: A data. A data de hoje. Por favor. Antes que você me prenda e jogue fora a chave, antes que me torture até que tudo que restar de mim for um toco ensanguentado apodrecendo numa cela pro resto da minha vida. Só me diz. Que dia é hoje?

BD: Que último desejo estranho.

SG: Por favor, Bill… Por favor.

BD: Dia 28 de outubro de 1943.

SG: … Oh não.

[rádio sintonizando]

SG: O nome oficial é “Projeto Arco-Íris”, mas só ouvir falar dele como “Experimento Filadélfia”. Uma lenda urbana, ou pelo menos eu achava que era. Segundo a história, o exército estava testando algum tipo de mecanismo de invisibilidade pra defender os navios de radares inimigos. Dizem que usaram algumas das fórmulas de Einstein. Mas, quando ligaram a máquina, teve um brilho ofuscante… e o navio desapareceu. Alguns dizem que ficou invisível, outros que desapareceu completamente. De qualquer forma, claramente estava rolando alguma ciência estranha. Então, a ciência estranha deles e a minha ciência estranha, juntas, dão em viagem no tempo? Não sei. Ainda estou trabalhando nisso.

Depois de convencer o Diretor de que eu não era uma espiã, me levaram de volta pra terra firme e me colocaram no próximo voo pro oeste. O avião era tão barulhento que eu mal conseguia ouvir meus pensamentos, quem diga fazer quaisquer perguntas sobre aonde estávamos indo. Quando saí dele, foi como se tivesse sido estapeada na cara por uma parede de ar quente. O sol brilhava sobre as nossas cabeças de um céu sem nuvens, e o reflexo dele no deserto quase me cegou. Comecei a cozinhar.

Fui enfiada num Jeep, e dirigimos por cerca de duas horas. Não importou o quanto eu perguntasse, não consegui arrancar uma palavra do Diretor ou do motorista no caminho inteiro. Só dirigimos. Em silêncio. Por duas horas. Quilômetros e quilômetros deserto adentro, cada vez mais longe da civilização. Por talvez um ou dois minutos, me perguntei se não tinham decidido me arrastar até o meio do nada e me matar, afinal de contas. Finalmente, uns dez minutos antes de chegar—

[rádio sintonizando; SG roncando]

BD: Aqui, leia isto.

SG: [acorda de sobressalto] Ohshi— você quase me matou de susto.

BD: Caiu no sono?

SG: S-sim…

BD: Nada de muito interessante para ver, eu sei. Só vazio, por quilômetros e quilômetros, dá sono. Não é nenhuma vergonha. Não falta muito agora. Aqui, leia isso.

SG: O que é isso? [passando as páginas]

BD: É um perfil militar altamente confidencial da sua nova casa.

SG: Minha nova… Como assim?

BD: Estamos quase chegando à cidade de Polvo, Novo México. População de aproximadamente ██ , ██ quilômetros quadrados. Não é uma cidade que você encontraria em um mapa. E isso porque o governo estadunidense a construiu dois anos atrás. O propósito dessa cidadezinha é criar uma base para cientistas de destaque. Tudo gerido pela Agência de Desenvolvimento de Recursos Anômalos, a ADRA. Aqui, removidos do convívio com o resto da população americana, eles ficam livres para desenvolver novas ideias para o esforço de guerra. Ideias como a máquina que testamos hoje.

SG: Então você quer que eu me junte ao seu grupo de cientistas?

BD: Bom, não é tão simples. Veja bem, esta cidade, o trabalho aqui realizado, as pessoas que vivem aqui, até os bebês que nascem aqui… é tudo confidencial em um nível tão profundo que o grupo de homens no país que sabem de sua existência mal dá uma mão-cheia.

SG: E isso me inclui.

BD: Bingo.

SG: … Então sou uma refém.

BD: Uma casa para si, três fartas refeições por dia. Uma cidade cheia de gente tão inteligente quanto você, e toda a nova aparelhagem que o exército dos Estados Unidos pode oferecer. Se isso é uma prisão, até eu gostaria de estar preso.

SG: Mas não posso recusar.

BD: Não. Não pode.

SG: E por quanto tempo vou ser mantida lá?

BD: Ganhe a guerra pra nós, e aí conversamos.

[rádio sintonizando]

SG: E foi isso. Agora estou presa aqui, enjaulada como um animal de zoológico. Ou um daqueles miquinhos de rua, sabe? “Dance, macaquinho, dance…”

Tem uma cidade inteira aqui no meio do deserto. Parece um pouco com que li sobre o Projeto Manhattan, só que pra outras descobertas além da Bomba. Não sei no que o resto das pessoas está trabalhando, mas o Donovan disse que está particularmente esperançoso com o meu trabalho. O que é ótimo, mas super medonho do jeito que ele fala. Ele diz que vai me colocar no comando do meu próprio projeto, e até designar um pessoal de outros projetos pra ele. Não vou negar, isso me deixa nervosa. Tipo, já li livros sobre voltar pro passado, fazer pequenas mudanças… Só não quero tirar ninguém de um caminho que teria impacto na minha vida.

[rádio sintonizando]

ANTHONY PARTRIDGE (AP): É um prazer vê-lo de novo, Diretor Donovan. Não sabia que estava na cidade. Como foi o teste do Projeto Arco-Íris?

BD: Perdoe-me se for breve, estou bastante ocupado hoje.

AP: Hm, certo. O que posso fazer por você, senhor?

BD: Você está fazendo um ótimo trabalho aqui, mas—

AP: Obrigado, estamos ficando mais precisos a cada dia.

BD: E eu não quero atrapalhar seu progresso—

AP: Bom, foi por isso que nos trouxeram para cá, porque somos os melhores no que fazemos.

BD: Exatamente, mas—

AP: E eu realmente aprecio as liberdades que vocês nos concederam aqui. Sei que algumas coisas precisam permanecer confidenciais e compartimentalizadas, mas aprecio a chance de colaborar com especialistas em áreas que mal compreendo; praticamente a cidade inteira tem um dedo no projeto—

BD: Anthony, posso acabar?

AP: Sim, senhor. Sinto muito, é só que… sei que não vou gostar do que você tem a me dizer. Não teria me chamado aqui assim se não fossem más notícias. 

BD: Estamos cortando fundos do projeto de Algoritmos de Previsão.

AP: Em quanto?

BD: Está sendo redefinido como um projeto Nível 3.

AP: Nível 3?! Diretor Donovan, senhor, sei que estamos levando um pouco mais de tempo do que nossas estimativas iniciais, mas… somos um projeto Nível 1. Maldição, somos um projeto Nível 1! Somos a fronte das operações da ADRA!

BD: Sinto muito. Estamos transferindo a prioridade para algo novo.

AP: Algo novo? Algo novo desde a semana passada?

BD: Temo que sim.  Precisarei de uma lista do pessoal não essencial na minha mesa até quarta-feira.

AP: “Não essencial”? Vocês não vão só cortar nossos fundos, vão despedir pessoas também.

BD: Na verdade, você vai despedi-los.

AP: Você não pode fazer isso! Essas pessoas assinaram um contrato com o governo dos Estados Unidos garantindo que estariam empregados aqui até o fim da guerra. Já tem um ano inteiro que estamos trabalhando nisso!

BD: Os termos do acordo mudaram. Contratos podem ser cancelados. Pense nisso como mandar as tropas para casa mais cedo.

AP: Eles terão que se mudar de novo, encontrar novos empregos… O que você espera que coloquem em seus currículos? “Trabalhei de 1941 a 1943 na Organização Secreta Demais para Você Conhecer, não conte a ninguém”?

BD: Asseguraremos que eles consigam quaisquer empregos que desejarem. Para ser sincero, Anthony, provavelmente nem precisam de ajuda. Seus garotos são os melhores dos melhores. E eles aguentarão o tranco. Mas nós os acusaremos de traição, espionagem e conspiração para matar águias carecas se contarem qualquer coisa a alguém. Exatamente como faríamos agora, se acontecesse.

AP: O que, em nome de Deus, você encontrou na Filadélfia que justifique tudo isso?

BD: Um novo nome nos apresentou um projeto.

AP: Oh, e ele vai me substituir?

BD: Ela vai.

AP: Estou sendo trocado por uma mulher? Você está de brincadeira comigo?!

BD: Ela nos deu a resposta.

AP: Do que você está falando?

BD: O que ela fez… vai dar um fim a guerra. E vai acabar com todas as outras guerras antes mesmo de acontecerem.

AP: Você disse exatamente isso sobre os Algoritmos de Previsão!

BD: Eu estava errado! Anthony, o que você tem é uma ideia. O que eu tenho agora é um fato. É real. Algo que posso segurar em minhas mãos, algo para que posso apontar e dizer: “esta é resposta para todos os problemas, todas as ameaças que nosso país jamais sofrerá.”  Tudo que você pode me oferecer são possibilidades.

AP: … Mas você não está fechando o projeto completamente.

BD: Nunca planeje algo sem ter um plano B. Prepare-se para todas as possibilidades. Não é isso que você está tentando nos ajudar a fazer?

[rádio sintonizando]

SG: —seja de todo mal. E eu realmente quero descobrir como vim parar aqui, mais que qualquer coisa. Talvez descobrir um jeito de voltar pra casa. Só queria ter algum tipo de escolha. Enquanto este projeto for secreto, ele vai me manter em segredo a qualquer custo. O que quer dizer que preciso manter minha identidade em segredo também.

O que acho que tudo bem? No fim, sou eu quem sempre vou fazer o trabalho, e os recursos do Donovan parecem ser a melhor forma de fazer ele. Tem só tanto no universo que nunca entendi antes. E mal posso esperar pra compreender tudo. Então, enquanto este experimento está em execução, vamos tratar ele como um. 

[limpa a garganta] Sujeito um, Sally Virginia Grissom, 27 anos, nascida em 19 de fevereiro de 19██ em Adams. Doutora em Física Teórica pelo MIT, em 20██. Física residente no SSC por dois anos.

█ anos depois da realização desta gravação, uma irregularidade desconhecida no espaço tempo ocorre, envolvendo uma matriz de geradores inibidora do campo de Higgs e um dispositivo de invisibilidade conhecido como “Projeto Arco-Íris”. Consequentemente, o sujeito aparece na proa do USS Eldridge, na tarde de 28 de outubro de 1943 com nada além da própria máquina, uma carteira, um celular (frito na viagem), e um tubo de um quilo de platina.

… Não, isso soa melodramático demais. Além disso, não tenho certeza de que posso chamar mais nada de “primeiro” de novo.  

Deixe-me recomeçar, então.

Meu nome é Sally Grissom, e acho que acidentalmente inventei a viagem no tempo.

… Isso é estúpido. Uou. ‘Pera aí. Isso é ridículo. Aah, que ódio. Não quero estar aqui, não quero viver em uma cidade supersecreta no meio do deserto. Não quero viver nos anos quarenta. Só quero ir pra casa. Quero ter me preocupar se deixei o forno ligado. Quero ficar presa no trânsito. Quero ficar parada num corredor de supermercado sem saber dizer a diferença entre Cheerios e uma marca genérica. Quero minha vida de volta. E QUERO CARREGAR MEU MALDITO CELULAR.

… Mas a questão é… não estou certa nem de que dá pra voltar pra casa. A não ser que pelo caminho mais longo.

Caso alguém no meu tempo ache isso, se você está se perguntando aonde fui parar… Foi aqui. Se está me procurando, não estou dizendo pra não tentar me encontrar, mas posso afirmar que as circunstâncias estão contra você. E espero que não se importe que eu faça minha própria tentativa de voltar.

Sou uma garota esperta, vou dar meu jeito.

[gravador de fita desliga]


ars PARADOXICA é criado por Daniel Manning e Mischa Stanton.
Episódio 01: Hipótese
características -

Kristen DiMercurio (Sally Grissom)
Reyn Beeler (Chet Whickman)
Rob Slotnick (Bill Donovan)
Robin Gabrielli (Anthony Partridge)
com agradecimentos especiais a Isabel Atkinson

Música original de Mischa Stanton.

10 16 20 06 18 | 04 20 26 01 | 14 11 03 | 08 06 08 15 21 03
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