07: Distração

escrito por Daniel Manning
produzido por mischa stanton
traduzido por júlia oliveira
[EN]

[gravador de fita liga]

PESSOA AO TELEFONE 1: Pode me dar um nome, pelo menos? Ou como o paciente ficou tão mal tão rápido.

ANTHONY PARTRIDGE (AP): Não, não posso lhe dizer quem é. Nem por quê.

PT1: Mas o período em que se deu a degradação tem que estar exagerado–

AP: Nossas melhores estimativas indicam que a maior parte do dano foi infringido em dez a catorze meses... Eu sei.

PT1: Está difícil para mim assim. Simmons mandou você aqui?

[rádio sintonizando]

SALLY GRISSOM (SG): Diário de Sally Grissom, 18 de agosto de 1946. Sabe, tenho que admitir, acho que morar em Ponto de Exílio tem sido realmente bom pra minha saúde mental, a longo prazo. Não estou cercada por política militar, posso andar por mais de um quilômetro sem chegar a deserto sem fim, e posso ter um hobby que não é imediatamente roubado pelo Departamento de Guerra. Nos últimos meses, meio que virei a latoeira residente de Ponto de Exílio. Consertando utensílios, coisas do tipo. As notícias sobre meu “Repostatron” se espalharam rápido— não se fica sem saber das coisas por muito tempo, em uma cidade pequena como essa. Comecei a receber ligações de gente que nem conheço, só porque queriam ouvir a mensagem. Muitos ficaram decepcionados quando eu atendi, e pelo menos uma não acreditou que era eu mesmo do outro lado da linha.

[rádio sintonizando]

SG: Alô?

MULHER AO TELEFONE: Oooh, então, como isso funciona?

SG: Eeh… como uma ligação telefônica? Você fala comigo, e eu respondo? Nós, hm... conversamos?

MULHER AO TELEFONE: Uoooou. Isso é incrível! Absolutamente incrível. Você deve ter várias respostas, certo?

SG: Respostas pra quê? Ah, não, não, você ‘tá falando comigo. Com uma pessoa.

MULHER AO TELEFONE: É, está bom. É, isso tudo soa bem, superconvincente. Mas consigo distinguir. É sua voz, está fina demais. Parece uma vitrola.

SG: Oh, uou. Ops, você me pegou. Isso mesmo, sou só uma gravação.

MULHER AO TELEFONE: Ha, eu sabia. Que farsa barata.

[rádio sintonizando]

SG: Não sei o que ela achou, que eu era algum tipo de fantasma-robô telefônico perfeito dentro da máquina? Eu precisaria de tipo, sei lá, integrar síntese e reconhecimento de voz, processamento natural de linguagem, e só ter dúzias de teraflops aqui. Fala sério. Posso ser um gênio do futuro, mas não sou mágica. Dito isso, percebi que os cálculos que a Timepiece precisa definitivamente vão precisar de um computador. Bom, talvez não toda a compatibilidade de von Neumann, mas vai precisar de uma unidade lógica de algum tipo, e não pode ser do tamanho de uma pick-up, então estive tentando... “pré-inventar” o transistor. Pedi um pouco de germânio e de ouro, mas esse tipo de coisa é bem mais difícil de encontrar quando não se tem toda a funcionalidade dos Bell Labs atrás de você. Metade do serviço é arranjar materiais puros o bastante pra dar pra trabalhar. Não é como se tivesse uma refinaria de metais raros na cidade. Quer dizer, tenho sim uma pequena forja, mas não é como se eu pudesse só pegar... Hmm. Tive uma ideia. Vou voltar a isso depois.

Bom, continuando, estive tentando manter esse tipo de coisa fora do trabalho de Wyatt e Roberts, porque acredito que ainda há espaço pra surpresas no mundo, mas acho que posso precisar falar com Partridge sobre o assunto. A formação dele vai ajudar com as portas lógicas, e ele tem sido um bom ouvinte, se nada mais. E, quando construir os transistores, é capaz de eu tentar construir um rádio portátil, apesar de que isso pode ser à frente demais pro século XX, então não vou forçar muito minha sorte.

Depois de desbancarmos a teoria de movimento positivo no tempo de Roberts há uns meses, dei outro serviço pra equipe: usar a Timepiece pra gerar uma região de movimento em tempo nulo. Basicamente, intensificamos os emissores até a parede de glúons começar a condensar levemente, e daí puxamos... é uma– é uma bolha temporal. O tempo passa na bolha, o tempo fica parado fora dela... Uma bolha temporal. Não preciso ficar usando esse jargão impressionante o tempo todo. O que é isso, minha tese de graduação? Então, [aceleração começa] essencialmente, estávamos tentando oscilar a direção temporal de um volume espacial no campo âncora em uma frequência que neutralize a aceleração negativa no tempo, pra atingir um produto interno de Minkowski com uma assinatura nula— ‘tou fazendo a mesma coisa de novo. Basicamente, [derrotada, roubada de seu crescendo de tagarelice tecnológica] você usa a Timepiece pra voltar, digamos, um segundo, e deixa um segundo em tempo real passar, daí volta um segundo, e espera um segundo. Et cetera. Do lado de fora, o tempo permanece congelado por um segundo. Bolha temporal. É claro, rodar uma vez por segundo é lento e pesado demais pra ser prático, então é necessário aumentar bastante a frequência desses micropulos, e isso é uma coisa perigosa com a Timepiece. E é por isso que preciso de computação melhor: pra impedir a física meter uma em si mesma. De novo.

E, enquanto Roberts e Wyatt trabalham nisso— bom... enquanto Roberts trabalha nisso, Partridge está mergulhando fundo em como utilizar a onda de táquions criada pelas viagens da Timepiece. Fótons se movendo mais rápido que a luz são desprendidos da posição do evento, e viajam de volta no tempo dali. Anos atrás, em Polvo, quando conheci Partridge, tivemos um problema com uma emissão similar acabando com a energia da cidade por causa de um teste em nosso futuro próximo. Mas, desde estão, descobrimos como impedir elas de causarem interferência elétrica. Me lembro de perceber algumas horas antes da revisão da Timepiece que, se não medíssemos nenhuma interferência, nossa hipótese estaria correta. Ter os resultados antes mesmo de começar— oh, se todo meu trabalho pudesse ser tão tranquilo.

Fico pensando na Sally Grissom que era três anos atrás. Tipo, se ela fosse confrontada com um paradoxo como esse. Ela se intimidaria, ou taparia os ouvidos pra não escutar nada, ou talvez só fugiria, gritando de terror. Mas... crescerei desde então. Cresci desde então? Agora, só quis ter fugido, na maior parte do tempo... Quer dizer, só quero fugir, na maior parte do tempo.

[distorção estática]

SG: … Nossa, que confusão que eu arrumei, hein? Ugh. Você nunca vai responder, vai? Pelo jeito ‘tou querendo até que minhas gravações respondam.

[rádio sintonizando]

PESSOA AO TELEFONE 2: Estou na minha casa, Anthony. Acabei de sair de um turno de dezoito horas no trabalho e não tenho tempo para os seus joguinhos de pacientes de mentira.

AP: Entendo que acabou de chegar em casa, Gordon. Se pudesse só me dizer... Gor— [desliga]

[rádio sintonizando]

ESTHER ROBERTS (ER): Certo, estou saindo. Vocês dois cuidam de tudo por aqui?

AP: Sim, sim. Só preciso finalizar uma papelada.

SG: Hm. Roberts, acho que é a primeira vez em um mês que você sai daqui antes de nós.

ER: Queria me arrumar direito pelo menos uma vez, antes do show. Estou empolgada, você não?

SG: Mal posso esperar.

ER: Vejo você em algumas horas.

[Esther sai]

AP: Ela saiu. Então, o que queria me mostrar?

SG: OK, dá uma olhada nessas plantas.

AP: Claro, deixe-me ver...

SG: Estive trabalhando num novo modelo de circuito. Deve diminuir a carga de trabalho da navegação.

AP: O que é isso? Quer dizer, parece um.. não, não pode... mas... você só pode estar brincando. É brincadeira, certo?

SG: Não, verdade pura. Teoricamente comprovado. Eu acho ‘né, se você acredita na validação ontológica de uma teoria de eletricidade que só existe na sua mente–

AP: Você mesma desenvolveu isso, ou é trapaça? Quer saber, nem sei se importa. Estou impressionado de qualquer forma.

SG: Bom, tem um pouco da minha própria ingenuidade de acreditar eu conseguiria construir ele... mas sim, tive ajuda.

AP: Isso faz o que acho que faz?

SG: A-hã.

AP: Tudo que você tem é uma semicondução meia-boca. Isso não tem os mesmos problemas de confiabilidade de fios de contato?

SG: Só espere. No meu presente, vai ter bilhões desses em uma superfície de 5 centímetros. Vão enviar essas coisas em Hallmark Cards. E daí você vai jogar eles fora porque são, na melhor das hipóteses, triviais e, na pior, irritantes. 

AP: Você está balançando um lindo futuro bem na frente dos meus olhos, mas nunca poderei vê-lo.

SG: E quem disse que não vai?

AP: Eu fiz as contas, Sally. Estarei com quase cem quando seu presente chegar.

SG: Não vai ter que esperar tanto. Com certeza vai ver pelo menos os cartões. Bom, provavelmente vai ter que esperar algumas décadas até os computares legais de verdade começarem a aparecer, mas–

AP: O que vai fazer com isso?

SG: Bom, só tenho algumas plantas e um pouco de fé de que provavelmente vai funcionar. Mas, no futuro, quero usar uma versão disso pra começar a construir portas lógicas discretas.

AP: Para a Timepiece?

SG: Essa é a ideia, sim. Se conseguimos tirar alguns cálculos do fardo dos interruptores mecânicos, podemos diminuir o tamanho e conseguir um vetor de navegação bem mais rápido.  

AP: Bom, o que me vem à cabeça é que podíamos diminuir para apenas os três primeiros compartimentos e então pegar o... [suspira] Por que você tinha que me mostrar isso?

SG: Como assim?

AP: Quando há um problema assim, é tudo em que consigo pensar. Sou um cão de caça. Balance algo brilhante na minha frente e nada no mundo me impedirá de sonhar acordado sobre as possibilidades do seu... como está chamando-o?

SG: É um circuito transcondutivo.

AP: E qual é o nome disso no seu tempo?

SG: … Se chama transistor.

AP: E eu ia dizer para descontinuar seus experimentos telefônicos...

SG: Você, hm… você sabe sobre aquilo?

AP: É claro que sei. Estava no Lou’s Diner e ouvi alguém falando sobre uma mulher com um dispositivo estranho no telefone dela. Dispositivos estranhos levam direto a você. 

SG: Só estava brincando com algumas peças…

AP: Estava brincando ou testando o quanto de 20█ poderia trazer para cá?

SG: Foi você que me disse que não importava se eu alterasse o passado–

AP: Claro, mas isso foi antes de todo o drama com a Timepiece… antes de perdermos Quentin.

SG: Aquilo… não foi minha culpa.

AP: Sei que não foi, havia uma viúva furiosa e algum tipo de lógica de paradoxo autorrealizável, eu entendo. Mas tem que admitir que você– que todos nós estamos brincando com forças fora do nosso controle.

SG: E agora está me dando lições de moral sobre os limites do progresso científico.

AP: Não estou falando só da ciência... Talvez seja mais sensato manter a discrição. Lembra, lá em Polvo, do agente do governo que nos disse que estávamos despedidos?

SG: Mais ou menos. Collins? Cornwall?

AP: Cornish. Hank Cornish.

SG: Que que tem ele?

AP: Eu o vi outro dia.

SG: Você viu ele?

AP: Na loja de 1,99. Estava só andando pelos corredores.

SG: O qu– aqui? Tipo, aqui em Ponto de Exílio? E era ele, o mesmo cara?

AP: Tenho certeza de que era o Cornish. Ele até disse que estava trabalhando com o Grupo Central de Inteligência quando apareceu em dezembro...

SG: O que significa que ele pode só ser parte da mudança do CI dos próximos meses, ou só ‘tá aqui de férias, ou...

AP: Ou…

SG: … Tem alguma coisa estranha acontecendo.

AP: Tem que ser muita coincidência, Sally. O cara que cuidou da nossa papelada de demissão de repente aparece bem no nosso quintal?

SG: O quintal que Donovan diz ser tão remoto que é quase como se fôssemos fantasmas?

AP: Tem algo acontecendo, tenho certeza.

SG: Eu diria que você está sendo paranoico se já não soubesse que temos boas razões pra sermos.

AP: O que estou tentando dizer, Sally, é para tomar cuidado. Há monstros debaixo da cama, independentemente de você poder vê-los ou não.

SG: Vou dormir com um olho aberto.

AP: Isso.

[rádio sintonizando; carrinho do PAT andando]

SG: [sem fôlego] Diário de Grissom. Umas 7:45, 18 de agosto. Estamos investigando algumas das coisas que Partridge disse sobre a aparição de um tal de Agente Hank Cornish, então peguei o PAT emprestado depois do serviço. Pra ser sincera, não temos a melhor segurança do mundo no prédio do trabalho.

AP: Ou qualquer segurança, para falar a verdade.

SG: Bom, temos Whickman.

AP: Ele é mesmo um segurança? Pensei que fosse só o mordomo de Bill.

SG: Segundo ele, já fez de tudo. Não é como se tivéssemos uma hierarquia mais. Pensei que não quisesse sua voz gravada, pra não terem provas contra você.

AP: Ah, diabos, tenho certeza de que eles têm coisa o bastante para me enforcar por traição em algum lugar. Como sequer me convenceu a vir até aqui?

[rádio sintonizando]

SG: Vou dormir com um olho aberto.

AP: Isso.

[Anthony volta ao trabalho]

SG: Partridge?

AP: Sim?

SG: Quer pegar o PAT emprestado e investigar o que viu–

AP: –Com certeza.

[rádio sintonizando]

SG: Se me lembro bem, não foi difícil.

AP: E você?

SG: Bom, meus diários em áudio provavelmente já têm minha condenação inteira montada.

AP: Já lhe contei minha teoria sobre Polvo?

SG: Qual delas?

AP: Microfones nas paredes.

SG: Hã?

AP: Ocasionalmente, enquanto estava trabalhando ou jantando, ouvia uns zumbidos baixinhos. Helen insistiu para eu ir a um médico, examinar meus ouvidos, mas nunca encontraram nada. Eu costumava brincar que Bill colocava microfones nas paredes e gravava tudo o que dizíamos.

SG: Muito engraçado.

AP: E ele amava essas coisas, também. Uma vez disse algo sobre o rádio ser o futuro da espionagem.

SG: Está dizendo que tudo que dissemos no Novo México foi grampeado?

AP: Provavelmente não. É mais provável que seja paranoia produzida pela minha mente exausta. Quer dizer, provavelmente havia um gravador no escritório dele, mas no lugar todo? Fala sério, isso seria exagero.

SG: É.

[corrupção de sinal]

SG: Exagero.

AP: É claro, nossos apetrechos são o futuro da espionagem agora. Sem trocadilhos.

SG: Sim, trocadilhos.

AP: Tudo bem, foi intencional. Então, vamos fazer isso? Eu me sinto estranho neste estacionamento, sozinho.

SG: Estou ligando ele.

[PAT ligando]

AP: Tenho que admitir, temos uns brinquedos bem incríveis. Está menor do que da última vez em que o vi.

SG: Fiz algumas modificações no PAT logo antes de Polvo ser fechada. Aqui dentro tem uma versão em miniatura altamente modificada da Timepiece. É sem fio. E, além disso, agora é inerte.

AP: Que alívio não ter que me preocupar com June Barlowe me assassinando.

SG: Bom, não por causa de confusões temporais, pelo menos. Nós... O que aconteceu com ela?

AP: Chet, hm… hmm. Sabe, não tenho certeza. Ela atirou em um empregado em uma base militar... Assumo que foi para a corte marcial, ou algo do tipo.

SG: Hm. Pesado. Então, quando você viu Cornish?

AP: Depois do trabalho na… quarta.

SG: Deixa eu ver…

[PAT é rapidamente ajustado para trás]

SG: Quarta à noite, você disse? Um horário mais exato ajudaria.

AP: Tente entre seis e meia e sete.

 [PAT é ajustado para horas, e então para minutos]

SG: Bom, ali está você. Ele estava usando algum acessório distintivo? Um chapéu, ou algo do tipo?

AP: Olha esta cena, Sally. Vê alguém que não esteja usando chapéu? Diabos, eu estou um usando chapéu ali.

SG: Desculpa a pergunta.

[ajustando o PAT]

AP: Ooh, espera, para! É ele, é ele bem ali.

SG: Aquele cara? Vamos dar uma olhada mais de perto.

[SG começa a aproximar o PAT, não percebendo um pedestre]

PEDESTRE: Oh, com licença!

SG: Ah, desculpa!

AP: Desculpe-nos, por favor, Departamento do Interior.

SG: Não, fala sério, isso não pode ‘tar certo.

AP: Temos que segui-lo.

SG: O quê?

AP: Temos que segui-lo! Descobrir aonde ele vai, o que está fazendo.

SG: Partidge, ‘tá ficando bem tarde. Já, já o show vai começar.

AP: Eu sei, eu sei. Só faça o que estou pedindo. Nós o seguimos, vemos se há algo de interessante e então irei para lá. Você não perderá o show.

SG: Pensei que você é que estaria preocupado de perdê-lo.

AP: … Essa ideia foi sua. Vai me ajudar ou não?

[rádio sintonizando; PAT em um carro em movimento]

SG: Essa é perseguição de carro mais lenta que já vi.

AP: Bom, se você prestasse mais atenção no carro que estamos perseguindo, eu não ficaria errando as curvas.

SG: Estou olhando através de uma câmera viajante no tempo de 35 quilos. Não foi exatamente feita pra ser portátil.

AP: Todas estas casas parecem iguais à noite.

SG: Olha, ele está desacelerando! ‘Tá estacionando naquela casa ali! Não esqueça o endereço: Avenida ███,175

AP: Ele está fazendo algo além disso?

SG: Não sei, provavelmente tirando o… outra pessoa está estacionando na garagem.

AP: Oh, ótimo, mais espiões.

SG: Oh não.

AP: O quê?

SG: Dirige. Agora.

AP: O que foi?

SG: Só dirige!

[carro acelera; PAT desliga]

SG: Whickman ‘tava lá. Apareceu no esconderijo de Cornish como se ‘tivesse sendo esperado, como se ‘tivesse visitando prum cafezinho de domingo. Devem estar trabalhando juntos.

AP: Está deduzindo muito do que viu.

SG: Sei o que vi, OK? Você ‘tava certo. Há mais ali do que as aparências sugerem. Satisfeito?

AP: Por que diabos eu estaria satisfeito com isso?

SG: Só vamos pro show, ok? Não quero pensar nisso até amanhã.

AP: Eu… Eu não posso ir.

SG: Por que não?

AP: Não posso.

SG: Não vai ir ver sua própria esposa?

AP: Não é isso!

SG: Na verdade, é exatamente isso. Poucas frases são tão claras quanto “Não posso ir”, quando não se vai a algo.

AP: Olha, eu levo você lá. Mas não conte a Helen que o fiz. Não conte aos outros que estava aqui também. Vou levar o PAT de volta para o laboratório, e ninguém vai saber que foi tirado do lugar.

SG: Meu Deus, o que você tem? Não vou mentir pra sua esposa pra você—

AP: Então só vai chegar e falar para ela “Oh, eu e seu marido roubados um equipamento do trabalho para que pudéssemos espiar uns espiões”?

SG: … Não.

AP: Ótimo. Obrigado.

SG: O que vou dizer pra ela quando perguntar?

AP: Diga a ela… não sei. Diga a ela qualquer coisa que pareça crível.

SG: Fora a verdade.

AP: Sei que estou pedindo muito de você.

SG: É bom você não estar se encontrando com outra pessoa.

AP: Prometo que não.

SG: Acredito em você. Mas não tenho certeza de que isso melhora a situação.

[Anthony estaciona; Sally sai; rádio sintonizando]

PESSOA AO TELEFONE 3: Não creio que não haja possibilidade de isto ser contaminação por radiação. Se eu pudesse examinar o paciente...

AP: NÃO é radiação. Estou lhe afirmando, não é... na verdade… O que você diria se fosse radiação?

[rádio sintonizando; dentro de um clube de jazz]

SG: Ei, Oficial Whickman!

CHET WHICKMAN (CW): Doutora! Veio a ver cantar?

SG: Sim! Quis vir mostrar meu apoio.

CW: Você viu o Dr. Partridge em algum lugar?

SG: Ele não pôde vir. ‘Tava murmurando algo sobre um vazamento nos capacitadores quando saí. Mandou os cumprimentos pra estrela da noite, obviamente. Roberts, Wyatt e a garota dele estão numa mesa ali na frente, quer se juntar a nós?

CW: Sim, darei uma passada lá, claro.

[fita acelera]

ER/JACK WYATT (JW): [cumprimentam Chet]

PENNY WISE (PW): E quem seria esse?

SG: Penny Wise, esse é o Oficial da Mais Elevada Primeira Classe, Chet Whickman. Whickman, Wise.

CW: Prazer em conhecê-la.

PW: Imagino.

JW: Chet é o cara que nos protege quando estamos em campo.

PW: Quais são as ameaças pruma estação de pesquisa? Lebres? Radialistas procurando previsões do tempo? Nuvens carregadas?

CW: [ri] Tem sempre alguma coisa acontecendo. Você devia ficar agradecida por meu trabalho ser geralmente tranquilo.

ER: Pessoal, shiu, ela vai cantar.

[aplauso]

HELEN PARTRIDGE: [no palco] Espero que não tenham sentido minha falta. Já faz algum tempo.

[banda começa a tocar, e Helen canta “A Nightingale Sang in Barkley Square”]

That certain night, the night we met
There was magic abroad in the air
There were angels dining at the Ritz
And a nightingale sang in Barkley Square

Naquela certa noite, a noite em que nos conhecemos
Havia mágica pelo ar
Havia anjos jantando no Ritz
|... E o rouxinol cantou no Barkly Square

ER: Ela é fantástica!

PW: Sua amiga faz isso direto?

JW: É a primeira vez em um bom tempo, acho. Sabe quanto tempo faz, Dra. Grissom?

SG: Eu, hm… eeh… E-hm-não?

CW: Acho que Helen não canta em público desde que os Partidges se mudaram para o Novo México. É uma pena. Não esconda seus talentos– sabe, como a Parábola dos Talentos?

PW: Pensei que aquela fosse uma história avisando pra num enterrar dinheiro no chão.

JW: Pensei que fosse para ser o aval de Jesus para o capitalismo moderno.  

CW: O que estou dizendo é que ela devia continuar. Acho que tem futuro.

JW: É, se apenas o Dr. Partidge estivesse aqui pra vê-la.

ER: Onde ele está, aliás?

SG: Ainda no trabalho. Ele não queria perder o show. Sabe o quão ocupados estamos ultimamente.  

JW: Pode me culpar por isso.

ER: É o que normalmente fazemos, Jack.

SG: Pelo menos saímos hoje.

JW: A propósito, por que não fazemos isso com mais frequência? Parece que nem vejo vocês mais.

ER: É, Jack, por que nunca vejo você mais?

JW: Desde que fiquei na sua frente nos nossos jogos de Dilema, você tem me evitado no almoço.

PW: Dilema?

SG: É um jogo de cartas que a mãe de Esther inventou. Jack é o único de nós que sabe jogar.

CW: Ela tentou me ensinar uma vez e meu nariz começou a sangrar.

SG: Nunca sei direito o que ‘tá acontecendo, mas tenho quase certeza de que os dois são superbons.

ER: É, é você quem tem evitado nosso jogo. O que foi, Jack? Tenho que encontrar outro oponente que não vá desistir no instante em que houver um estágio 51 na mesa?

JW: Oh, então, como você sente falta de ganhar, tenho que colocar minha sequência decadente à disposição para que possa tentar fazer outra rodada lenta?

ER: Eu não precisaria de um novo oponente se um digno só deixasse de bobagem. Estou aqui, como sempre estive.

JW: Com os riscos altos como estão, pode ser prudente jogar outra coisa.

ER: Não sei nem por que estou brigando por isso. Você mal consegue segurar um Conjunto de Rio. É como assistir uma criancinha fazendo a declaração de impostos.

JW: Pensei que você queria um jogo fácil. Assim você pode colocar seu nome no quadro de classificação inteiro, sem ter que dividir com ninguém.

ER: Quadro de classificação? Que quadro de classificação? Não tem mais ninguém que joga. Tem um espaço vazio gigante no lugar do seu nome, e foi você quem desistiu dele. Você. Jack Wyatt, amigo do Povo e Desistente de Jogos!

JW: Desisti tanto quanto você desistiu quando jogou fora seu par de cincos na Disputa da Black Friday. Sei que estava roubando.

PW: Eles num ‘tão brigando sobre cartas, ‘tão?

SG: Não.

ER: Isso é ridículo e você sabe. Vamos lá, ponha toda a culpa em mim. Sei que você quer. Porque está assustado demais para admitir que perdeu.

JW: Você sabe o que fez. Uma consciência pesada não precisa de acusadores.

ER: E, ainda assim, você acusa! Aqueles dois cincos estavam totalmente dentro das regras. Para que fico aguentando oponentes meia-boca quando posso ter quatro vezes mais competição com a Doutora Grissom?

SG: Não me inclua nisso.

ER: Oh, bom, desculpe-me por querer explorar um conjunto de regras profundo e cativante com um amigo.

JW: Você devia tentar jogar contra si mesma, sabe? É exaustivo. “Agite isso” e “Divida o monte’ aquilo. Não é Paciência, Esther.

ER: Por que jogar quando seu oponente é um peixinho fora d’água?

JW: Quer saber, você é uma—

PW: Jack?

[Penny levanta da mesa]

PW: Jack, acho melhor nós irmos.

JW: É, acho… acho que é uma boa ideia.

PW: Sinto muito. Jack também sente.

[os dois saem]

ER: É melhor sentir mesmo, ou—

SG: Esther, agora não.

[música acaba, aplauso; rádio sintonizando; fora do clube]

JW: É, bom, estou me sentindo… Não sei como dizê-lo. Tem alguma palavra que soe greco-romana que signifique uma mistura de medo, mal-estar e raiva?

PW: Ennui?

JW: … Eu devia conhecer essa.

PW: Foi ‘ocê que disse, não eu... O que foi?

JW: Quase morri tentando não arruinar uma festa de Natal. Não é um ambiente de trabalho saudável.

PW: É, ‘cê pode dizer isso.

JW: E o projeto? Nem sei mais o que estamos fazendo! O objetivo final é… Não sei nem se cheguei a saber um dia.

PW: Isso num ‘tá certo. Ele num pode te tratar igual notícia velha e ainda te fazer trabalhar feito cachorro!

JW: Penny...

PW: Jack, olha à sua volta. A guerra ‘cabou, é hora de parar de lutar.

JW: Mas eu não quero sair! Sally pode até agir como uma louca, mas salvou minha pele mais vezes que posso contar. E trabalho com Esther desde a faculdade. [suspiro] Ela estava certa sobre eu estar a deixando na mão. Não é justo com ela. Ou com os outros. 

PW: Eu sei que ‘ocê se importa com seus amigos, mas tem ‘cê que fazer o que é melhor procê. E num acho que trabalhar feito um escravo numa agência, ou sei lá o que que é, de ciência secreta até num restar nada docê ‘tá incluído nisso. ‘Cê bebeu demais hoje e ficou um pouco exaltado. Tem nada de errado nisso.

JW: É, mas em quantas noites eu não bebo um pouco demais e então, quando as coisas esquentam... me sinto fora de controle. Desde que a morfina que me deram acabou, sinto uma dor na minha cabeça. Onde fui atingido.

PW: Sinto muito.

JW: Nada a faz passar… nada além da bebida.

PW: Oh, Jack, eu não fazia ideia–

JW: Às vezes não consigo sair da cama sem beber. Uma vez até calculei quanto tempo demoraria para eu ficar sóbrio e poder ir ao trabalho. Não queria dizer nada porque as coisas estão indo tão bem e... estou com medo. Dói tanto pensar com a dor. E de que sirvo se não consigo pensar?

PW: ‘Cê é bom pra mim. Melhor que ‘cê pensa. Não quero te ver se machucando.

JW: Não se consigo escolher entre a dor, de um lado, e o veneno, de outro.

PW: Essas num podem ser suas únicas opções. Nós vamos achar outro jeito.

JW: Nós? Pensei que se lhe contasse, você me deixaria mais rápido que—

PW: Num vou a lugar nenhum. Fico muito feliz que ‘cê tenha me contado. Agora posso ajudar também.

JW: Penny, eu… Obrigado.

[rádio sintonizando; diferentes ligações telefônicas]

AP: Os sintomas do paciente incluem sangramentos nasais, contusões, riscos de hemorragia, aneurismas, hipotálamo inflamado, afasia–

[muda]

AP: Ele tem sangramentos nasais constantes–

[muda]

AP: –hipotálamo está inflamando–

[muda]

AP: Tem uma gigante–

[muda]

AP: Contusão… extensiva–

[muda]

AP: –risco de hemorragia–

[muda]

AP: –no cérebro–

[muda; no escritório, Anthony no telefone; Chet entra]

AP: Se lhe é de algum consolo, nunca ouvi falar de “afasia específica para tempos verbais” também. Sim, sei que você é o médico, eu não quis— Certo, obrigado, de qualquer forma. Obrigado. Sim. Tchau.

[Anthony desliga]

CW: Parece que não teve sorte.

AP: Liguei para todas as pessoas que eu conhecia. Algumas que não conhecia. Não vai ficar feliz com os resultados. Disse que estava trabalhando em algo?

CW: Estão testando terapia experimental em ratos. Os resultados são... inconclusivos.

AP: Quão inconclusivos?

CW: Podem ajudá-lo, mas podem não o ajudar. Independentemente de qualquer coisa, você realmente não gostaria de ser um daqueles ratos.

AP: Não parece ser nosso plano mais sólido...

CW: O que quer que façamos, estaríamos em cima da hora se começássemos ontem.

AP: Estamos sem opções… Merda.

[gravador de fita para]


ars PARADOXICA é criado por Daniel Manning e Mischa Stanton.
Episódio 07: Distraçao características -

Kristen DiMercurio (Sally Grissom)
Reyn Beeler (Chet Whickman)
Robin Gabrielli (Anthony Partridge)
Susanna Kavee (Helen Partridge)
Katie Speed (Esther Roberts)
Zach Ehrlich (Jack Wyatt)
Charlotte Mary Wen (Penny Wise)
Zak Stevens, Erin Bark (
vozes adicionais)
com agradecimentos especiais a Isabel Atkinson

Este episódio apresenta as música "A Nightingale Sang in Barkley Square," interpretada por Susanna Kavee, bem como música original por Mischa Stanton.

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