02: Apagão
ESCRITO POR DANIEL MANNING
PRODUZIDO POR MISCHA STANTON
TRADUZIDO POR JÚLIA OLIVEIRA
[EN]
[gravador de fita começa]
SG: Hm, oi. Este é o… diário, meu diário em áudio. 17 de janeiro de 1944. É segunda-feira, e ‘tá frio pra caramba. Não tem nenhum tipo de aquecimento na minha casa. Pedi pra fazerem uma ordem de serviço, mas pelo jeito todos os soldados estão ocupados com outras tarefas. Sempre parece ter um enxame deles zumbindo por aí, mas nunca quando você realmente precisa. Surrupiei alguns cobertores da enfermaria, mas tem um limite do quanto posso me embrulhar e ainda trabalhar.
Meus primeiros meses aqui têm sido… decididamente miseráveis. Claro, quando cheguei, fui recebida de braços abertos. Mas desde a segunda semana, por aí, todos começaram a me dar um gelo– sem trocadilhos. Tipo, nunca vi um grupo de pessoas mais hostil na minha vida! Ninguém fala comigo a menos que esteja sob ordens diretas. Meus assistentes de laboratório passam um único dia comigo, falam o mínimo possível e daí se recusam a voltar no dia seguinte. A sala cheia de homens e mulheres sem a menor noção de qualquer conceito que eu tenha de “computador”, até o ponto que mal os entendo, me encara. Só me encaram até que eu dê um jeito de escapar de lá.
Até civis param de conversar quando entro em algum lugar. E não é como se não tivesse vida social aqui, tem! As outras pessoas dão festas, bebem, dançam, e eu… não. Sou deixada do lado de fora, no frio. Ainda sem trocadilhos. Juro pra vocês, é como se eu estivesse no ensino médio de novo.
A princípio, achei que tinham recebido ordens pra não falar comigo. Teria sido um pouco cruel, ficar presa aqui, vivendo como uma pária em uma cidade secreta de gênios no meio do deserto, mas tipo, eu sou do futuro, seria compreensível. Sabe, pra evitar a criação de paradoxos, claro. Me mantenham isolada. Pela integridade do universo e tal. Mas, algumas semanas atrás, só estourei. Não conseguia mais aguentar. Então invadi o escritório do Diretor… bom, invadi o prédio da administração e exigi ser acompanhada até o escritório do Diretor pela recepcionista. Ela me disse que ele estava fora e que voltaria em três dias. Então saí, e depois voltei, e ela me mostrou o caminho, daí exigi que os caras grandões guardando a porta me deixassem entrar e AÍ SIM invadi o escritório do Diretor. Eu estava decidida a xingar ele todo por me manter na solitária, mas… ele não tinha dado nenhuma ordem. Pelo jeito todo mundo só me odeia. É, igualzinho ao ensino médio.
Todas essas pessoas que vivem aqui… Sinto que não confiam em mim. Elas não sabem de onde eu vim, mas perceberam que tem algo de estranho comigo. É uma reação totalmente subconsciente, acho. Sou inquietante pra elas. E isso mina qualquer tentativa minha de tornar a convivência aqui mais suportável.
E, como estou completamente sozinha, não tem absolutamente nada pra fazer aqui. Sei que não estou em 20█ mais. Mas é só tão total e completamente entediante nas horas em que não estou trabalhando. Dia vai, dia vem, tudo a mesma coisa: ir pro trabalho, processar números, mexer com a máquina, não falar com quase ninguém, voltar pra casa, comer, me sentar no meu quarto no fim do dia e tentar fingir que o rádio no canto do meu quarto compensa a falta da panóplia de entretenimento tão vasta que deixaria esses Neandertais tontos. Agora tudo que eu tenho são as mesmas quatro ou cinco estações AM cheias de estática que pegam aqui, e nenhuma delas é clara o bastante pra ouvir muito. Tem interferência eletromagnética demais vindo dos experimentos na cidade. Sério, pra quem dos anos quarenta que estiver ouvindo isso, você não acreditaria no que temos no futuro. Parece até mágica. Deus do céu, como sinto falta da internet…
Pelo menos o trabalho ‘tá me mantendo sã, mas por pouco. A tecnologia em 1944 é bem rudimentar, levando tudo em conta. E o Modelo Padrão que estou usando não vai estar nem sequer teorizado ainda pelos próximos 20 anos. Mas as leis governando o universo não mudaram, então acho que dá no mesmo… Bom, tenho quase certeza de que não mudaram… Pra falar a verdade, toda a coisa de “leis governando o universo” ‘tá bem incerta no momento.
Vamos descobrir hoje, suponho. O teste da nova máquina, que estivemos chamando de Timepiece, é em pouco menos de cinco horas. Depois de três longos e solitários meses, finalmente me sinto preparada. A primeira fase vai mapear medidas de táquions, procurar por mais perturbações no espaço-tempo, como a que me trouxe pra cá. A ideia por trás da coisa toda é…
[distorção estática, leve retumbar]
O que foi isso? O qu– AI MEU DEUS–
[pulso eletromagnético, distorção estática]
–né? OK? OK, ótimo. Então, alguma coisa acabou de desligar a energia no meu quarto… e parece que no resto da cidade também. Pelo jeito, o que o que quer que tenha sido gerou um pulso eletromagnético estranho que fritou a bobina do gravador que eu estava usando. Tentei ouvir a fita e tudo que ouvi foi…
[Sally mexe na fita; distorção estática]
Mas protegemos todos os nossos depósitos de equipamentos com malhas de cobre, e tinha uma ou duas bobinas de sobra lá. É estranho que a primeira coisa que troquei foi a bobina do meu gravador pessoal…? Nah, provavelmente é normal. Só tem um tempo que não falo com outra pessoa, acho.
Mas ainda tem um zumbido estranho nessa fita… me pergunto que projeto causou isso.
[batidas na porta]
GUARDA: Dra. Grissom?
SG: Pois não?
GUARDA: Sua presença está sendo requisitada no pavilhão de computação.
SG: A minha presença? Tem certeza?
GUARDA: Absoluta, senhora. O Diretor requisitou você pessoalmente. Receberá as instruções quando chegar lá. Ele está convocando um time para resolver o problema.
SG: Um time, hein? Aposto que encontraram um monte de voluntários pra ele, não?
GUARDA: Não tenho certeza, senhora. Fui enviado pra levar você.
SG: Sim, sim… P-posso levar meu gravador?
GUARDA: Desculpe-me, o que você disse?
SG: Essa coisa. Posso levar ela comigo? Tive uma ideia.
GUARDA: Acho que sim, se você quer arrastá-la o caminho todo até lá–
SG: Então ‘pera aí. Deixa eu pegar mais umas outras coisas.
[rádio sintonizando]
SG: … e acho que estamos prontos pra ir! Olha só, isso vai mandar o sinal de áudio através do microfone até a fita, roteado por este aparelho aqui, e de volta até os meus fones de ouvido. Assim, a distorção EM deve ir se amplificando conforme chegarmos perto da fonte. Tipo um detector de metal.
ANTHONY PARTRIDGE (AP): Certo, OK, ótimo. Melhor irmos logo, se queremos nos manter à frente do incidente.
SG: Bom… Pelo menos diz oi primeiro.
AP: Como assim “diz oi?
SG: Pro microfone! Diz oi. É tipo um podca… tipo rádio. Vamos, diz oi!
AP: … Oi.
SG: E com quem estamos falando?
AP: Temos mesmo que fazer isso?
SG: Vamos lá, é pra gravação.
AP: Está bem, melhor acabar logo com isso. Aqui é Anthony Partridge, matemático da Agência de Desenvolvimento de Recursos Anômalos. Estamos procurando por uma anomalia na cidade de Polvo, Novo México. E estamos fazendo isso com um gravador de fita recauchutado e um par de fones de ouvido que fazem você parecer um alienígena de Flash Gordon. Está bom assim? Podemos ir agora, por favor?
SG: Sim, ‘tá bom, ‘tá bom! Vamos lá!
AP: Obrigado.
SG: Foi mal. Eu só ‘tava de brincadeira.
AP: Não acredito que me ofereci para ser seu babá.
SG: Ei, cara, vai com calma. Posso muito bem cuidar de mim mesma. É o que venho fazendo até agora. Só estou tentando ser legal.
AP: Oh, claro, você é a garota mimada. Mudou o foco de todas as nossas operações no minuto em que chegou aqui. Aposto que você causou isso, o quer que seja.
SG: Ei, colega, você trabalha aqui?
AP: O quê? Que pergunta mais idiota, é claro que eu trabalho aqui!
SG: Porque pelos últimos três meses, eu tenho trabalhado sozinha na máquina mais complexa que já existiu e, em nenhum momento, você levantou um dedo pra me ajudar. Nem você nem ninguém. Vocês todos me excluíram como se fosse um leproso. Então, mesmo se tiver sido minha culpa, por favor, me perdoe por cometer um erro enquanto estou atolada com as forças primordiais do universo.
AP: [suspira] Vamos logo. O último pulso foi registrado um pouco mais à frente.
SG: O que diabos eu fiz, aliás? Estou sempre dando meu máximo pra ser amigável. O que eu poderia ter feito pra merecer a cidade inteira me ignorando?
AP: Vamos.
SG: Não, ‘to falando sério! Você deve saber, se se ofereceu pra essa pequena caça ao tesouro. Sabia que é a primeira pessoa a se oferecer pra ficar perto de mim desde a semana em que cheguei aqui? E até você me trata como se eu tivesse atropelado seu cachorro enquanto dava ré da garagem! Por quê?!
AP: Porque no minuto em que você chegou aqui, o Diretor fechou metade dos nossos projetos! Tivemos que recomeçar tudo do início! Um ano e meio de trabalho, jogado pela janela.
SG: Oh… É, agora faz sentido.
AP: Algumas pessoas não eram necessárias à nova estrutura de projetos, então perderam seus empregos. E, se você não está trabalhando, precisa sair da cidade. Muita gente boa teve que abandonar tudo e ir embora com a família. Quem permaneceu na cidade perdeu muitos bons amigos. Eles não poderão falar conosco pelo menos até a guerra acabar.
SG: Eu…
AP: Então nos perdoe por ficarmos um pouco ressentidos. E você “tentando ser amigável”? Ficando “de brincadeira” por aí? É rude. É só rude para caramba.
SG: Eu não sabia.
AP: Como assim não sabia?! Você veio sob ordens diretas do Diretor. Tinha que saber o que trazer seu trabalho para cá causaria.
SG: O jeito que entrei no projeto, é… complicado.
AP: “Complicado”? Como assim “complicado”?
SG: Bom, eu–
[distorção EM se aproxima]
SG: Aí está! Estou ouvindo!
AP: Onde? Não estou enxergando nada. As luzes ainda estão acesas nesses prédios, devemos estar–
SG: É por aqui! Está fraco, mas é igualzinho ao pulso que atravessou a minha casa. Eu vou seguir ele. Você vem?
AP: Acho que não tenho muita escolha.
[distorção diminui]
SG: Mas e você, no que está trabalhando?
AP: Eu estava no comando de um time desenvolvendo um algoritmo que cria sistemas de previsão com a aplicação de mecânica quântica.
SG: Então estava tentando prever o futuro baseado em diferentes possibilidades e matemática?
AP: Só tentando dar um palpite educado. Não é como se desse para tirar a fórmula do que você comerá no café da manhã, ou a cor dos sapatos que estará usando quando conhecer seu marido. É mais como… quais países têm mais chance de estar em guerra daqui a 100 anos.
SG: E quão perto você chegou?
AP: Isso é confidencial.
SG: Certo, mas… diz aí. Qual é coisa menos confidencial que conseguiu prever?
AP: Bom, previmos que, no fim desta década, teremos a vacina para pólio.
SG: Uou, sério? Isso é ótimo! Mas uma pena pro Roosevelt.
AP: Como assim?
SG: Porque ele teve… Quer dizer… Deixa pra lá.
AP: Bom, quando você chegou, o Diretor fechou o projeto. Assumimos que você tinha desenvolvido um algoritmo melhor.
SG: Bom, definitivamente vejo como a minha máquina pode suplantar o que vocês estavam fazendo, mas eu não sabia.
AP: Escuta, eu estou aqui faz alguns anos. Conheço as regras. O que o Diretor diz, é, e pronto. Mas isso não significa preciso ficar contente com as decisões dele.
SG: É, mas não precisa descarregar em mim.
AP: Tenho o direito de ficar ressentido com a garota que está me substituindo.
SG: Eu não quis te substituir. Não estou tentando substituir ninguém! Só aceitei um emprego, cara!
AP: O quê? Você só “aceitou um emprego”? Não dá para só se “aceitar um emprego” neste lugar; entrar no escritório de Bill Donovan e perguntar se estão contratando. Ninguém entra em Polvo por acidente. De onde você é? Onde você fez faculdade?
SG: MIT.
AP: Estive de olho em cada garoto com um brilho os olhos naquela escola pelos últimos cinco anos. Quando você se formou?
SG: Em vinte qua-quatro…
AP: 1924?
SG: Hm… A-hã.
AP: Você recebeu seu PhD dezenove anos atrás?
[timbre da distorção aumenta]
SG: Hm, isso pode esperar até mais tarde? Acho que encontrei algo.
AP: Por “algo” você quis dizer uma aguçada capacidade de mentir? Porque se for o caso, tenho novidades para você.
SG: Não, eu acho… acho que a distorção está se movendo!
AP: Do que você está falando? Dê-me os fones.
[Anthony coloca os fones de ouvido]
AP: Certo, o que é para eu estar ouvindo?
SG: É bem lento, mas dá pra ouvir mesmo se você não estiver se mexendo; tem um efeito Doppler quase imperceptível no sinal. Vou aumentar o volume aqui pra amplificar a interferência.
[distorção se intensifica]
AP: Uou! Isso foi você? Abaixa isso!
SG: Não fui eu, não fiz nada!
AP: Está aumentando!
[distorção se intensifica e então diminui]
AP: Diabos, você está certa. Está se movendo. Na verdade, acho que… você tem um folha em branco aí? Um mapa? E preciso que aumente a clareza do sinal.
SG: Você tem algo que faça isso?
AP: Na verdade, tenho sim. Maio passado, todo mundo aqui estava fissurado com formas esotéricas de detecção de radar, e eu estava trabalhando nesse identificador de transmissão que posso reprogramar para localizar um sinal similar se substituir…
[distorção se intensifica e então diminui]
SG: Então, sobrepondo esse vetor com o campo, tudo indica que a distorção está movendo em direção sul-sudeste, e indo… direto pro Ponto 2.
AP: Terrível, como previsto.
SG: Perfeito. O teste da minha máquina vai ser lá, daqui a apenas algumas horas. Merda. O que eu faço?
AP: Bom, o sinal está se movendo devagar o bastante para corrermos até o local do teste, o analisarmos rapidamente, e ainda acabarmos algumas horas antes do horário. Se for algum tipo de arma, acho que podemos encontrar um jeito de desarmá-la… Será que alguém viu alguma coisa?
SG: Acho que todo mundo ‘tá tentando reconectar a cidade, e os poucos que não ‘tão coletando dados estão o mais longe possível. Mas já estamos chegando. O sinal aponta pra área perto do parquinho Grant Park. Se importa de ser meu babá por mais um tempinho?
AP: Vamos ver até onde isso vai, pelo menos.
SG: Vamos lá!
[Sally assovia “Hi-Ho”, distorção se intensifica e para abruptamente]
AP: Ugh… Ver o parquinho sem crianças é só… inquietante. Está detectando alguma coisa?
SG: Huh.
AP: Que houve?
SG: Taí a parte estranha. Sumiu.
AP: Como assim, sumiu?
SG: Assim que pisamos no asfalto. Só sumiu.
AP: O que aconteceu? Você viu alguma coisa?
SG: Acho que não… ‘Pera aí. Deixa eu tentar uma coisa.
[distorção começa, para; começa, para]
SG: É, é isso mesmo. Esse deve ser o olho do furacão.
AP: Então estamos lidando com o invisível. Você acredita em fantasmas, Sally?
SG: Pra falar a verdade, não. Não tenho muita fé em nada que eu mesma não possa provar.
AP: Eu tinha uma avó que dizia ser especialista em ocultismo. Costumava ler nossas mãos todo Natal e prever o que aconteceria conosco no ano seguinte. Tenho certeza que ela estaria acendendo velas e nos pedindo para darmos as mãos agora.
SG: E você? Acredita?
AP: Acho que os espíritos dos mortos têm mais a fazer do que ficar arrastando cadeiras por aí.
SG: Então acho que podemos descartar fantasmas.
AP: [ri] Fico feliz que essa opção esteja fora da lista.
SG: Então, as coisas chegam a ficar tranquilas por aqui em algum momento?
AP: Teve um mês em 41 em que praticamente nada aconteceu. Morri de tédio. Pelo menos essa coisa está nos mantendo bem informados. Está se movendo a 0,88 milhas por hora, então ainda temos algumas horas até chegar ao local do teste.
SG: ‘Pera aí… Quando é que o sinal vai chegar lá?
AP: Por volta das três horas da tarde, se continuar se movendo a mesma velocidade.
SG: É. Não. Não mesmo. Isso não faz sentido, isso é- não. Pra mim chega.
AP: Por que você está resmungando aí?
SG: O teste hoje. Vamos rodar alguns geradores de campo. O início ‘tá marcado pras quinze horas em ponto.
AP: O que você está sugerindo, então? Que quem mandou essa distorção quer sabotar o teste?
SG: Partridge, não acho que a distorção foi uma sabotagem… Acho que a causalidade ‘tá fodendo comigo de novo.
AP: Você faz sentido em algum momento?
SG: Acho que é um efeito colateral.
AP: Do quê?
SG: Do protótipo da Timepiece… acho que o sinal é resíduo do teste.
AP: O que você quer dizer com isso?
SG: O protótipo libera uma grande quantidade de radiação eletromagnética quando é ativado. Se algo der errado hoje à tarde, é imaginável que a distorção não esteja se movendo em direção ao local do teste, mas se afastando dele… só que pra trás.
AP: Isso não faz o menor sentido. O teste ainda nem sequer aconteceu. Como poderíamos… Sally, o que exatamente sua máquina fa-
SG: Pode me mostrar o mapa que você traçou da distorção se espalhando?
AP: Este aqui?
SG: Você pode extrapolar ele? Desenhe uma linha em torno do mapa inteiro, o mais longe que conseguir.
[Anthony mexe no mapa]
AP: Bom, pelo jeito, ele traça uma linha… bem aqui. E vai… vai indo até atravessar a Filadélfia, perto de Cincinnati. Eu me pergunto se já houve um fenômeno estranho como esse…
SG: Merda.
AP: Tem algo que você não está me contando, e estou ficando cansado disso.
SG: Nós… nós estamos desenvolvendo tecnologia de ponta agora. Algo novo.
AP: Que ótimo para vocês, mas isso não explica como algo que dará errado daqui algumas horas está atrapalhando nossas vidas agora. Você pode até ter máquinas chiques, mas não consegue fazer mágica! Qual é o seu segredo? O que tem na Filadélfia? No que diabos você está trabalhando?! Fala logo para mim!
SG: É confidencial. E você não acreditaria se eu te contasse.
AP: Vá em frente!
SG: É uma máquina do tempo que eu trouxe comigo do futuro.
[pausa]
AP: Sério?
SG: Se fosse pra mentir, acha que eu inventaria algo ridículo assim?
AP: Bom… O Diretor não precisaria de um algoritmo de previsão se ele pudesse simplesmente ver a história em primeira mão, suponho.
SG: Como eu disse, não sabia.
AP: E você acha que o quê? Seu teste explodiu para trás através do tempo?
SG: Bom, a máquina quebrou quando cheguei aqui, e não foi feita pra viagem no tempo pra começar. Tive que remontar ela com peças atuais. E talvez algo dê errado no teste. Os capacitores podem sobrecarregar e mandar uma onda de energia radiando pelo evento no espaço tempo. A onda de táquions viajaria pelo tempo nas duas direções, metade deles indo pra trás, de encontro ao Projeto Arco-íris em outubro.
AP: Ótimo, então. Maravilha. Pelo jeito agora causa e consequência funcionam ao contrário.
SG: Ainda estou tentando entender isso.
AP: Então nosso problema está resolvido, certo? Se nós só não ligarmos a máquina hoje, a distorção nunca nem sequer terá existido!
SG: É, mas e aí, o que acontece com a gente? Agora. Se não ligarmos a máquina hoje, não teremos nenhum motivo pra estar aqui decidindo não ligar ela.
AP: Um paradoxo.
SG: Não posso mudar as coisas. Se fizer alguma mudança no passado, por menor que seja, quem sabe o que acontecerá com meu futuro? Então… estamos perdidos? Isso ‘tá tipo… destinado a acontecer agora? O que fazemos?
AP: Bom, há duas possibilidades, pelo que estou vendo: ou você pode mudar o que está para acontecer, ou não pode.
SG: Grande ajuda.
AP: Se não puder, então estamos em apuros de qualquer jeito. Mas o que acontece se você não ligar a máquina hoje à tarde?
SG: Sabe, não faço a menor ideia. Ou eu despareço, ou todo mundo morre, ou o universo inteiro deixa de existir.
AP: Parece que você está presa entre a cruz e a espada.
SG: É, nem me fale.
AP: Bom, tem alguma chance de nada acontecer?
SG: Como assim, “nada acontecer”? Tudo tem que acontecer.
AP: E se paradoxos, causas e consequências, só não importarem? Água tônica é um nojo, gin é para bêbados, mas, misturando os dois, você consegue algo incrível.
SG: Mas então como isso aconteceria?
AP: Então como tudo que houve aconteceria? Você veio do futuro, boneca. Começou a mudar coisas no momento em que chegou aqui. Suas moléculas deslocaram o ar a sua volta, você comeu comida que não teria sido comida. Diabos, você me fez perder meu emprego.
SG: Sinto muito sobre isso, aliás.
AP: Tudo bem, mas se você está procurando um bom motivo para mudar o futuro, está sem sorte. Já aconteceu.
SG: Então aqui, neste momento, esta sou eu decidindo: Vou cancelar o teste. A máquina não vai ser ligada.
[distorção se intensifica]
SG: Ouviu, universo! Não ligo pras leis da causalidade! Faça o seu pior!
[distorção se intensifica, e então diminui]
AP: Não acho que o universo consiga ouvir você.
SG: Então acho que não vou morrer. Não hoje, pelo menos.
AP: Não se preocupe. Todo mundo morre eventualmente.
SG: Quando você pode viajar no tempo, a morte só parece bem mais próxima. Acho melhor ligarmos pro Diretor. Ele vai ter que inventar uma boa desculpa pra cancelar o teste.
AP: Não vai precisar. Seria perigoso demais realizar um teste com toda esta radiação pela base. Acontece mais vezes do que você imaginaria. Ele vai remarcar para semana que vem… O que lhe dá um tempo para consertar sua máquina.
SG: A propósito, hm, não conte a ninguém. Sobre eu ser do futuro.
AP: Poxa, eu estava prestes a ligar para a Gazeta de Polvo…
SG: ‘Tou falando sério. Não posso deixar um segredo como esse escapar. Ordens do Diretor.
AP: Então por que você me contou?
SG: Eu precisava contar pra alguém. Má escolha, em suma. Mas me sinto bem melhor melhor. E aí, podemos manter isso entre nós?
AP: Claro. E vou falar com o pessoal da cidade para pegar mais leve com você. Vai precisar de ajuda para analisar todos esses novos dados, semana que vem.
SG: Você não tem ideia do quão grata eu fico por isso.
AP: Então, o Diretor sabe? Que você é do futuro, quer dizer?
SG: Ha. Como acha que cheguei aqui?
[radio sintonizando]
SG: Três horas em ponto. A qualquer minuto agora.
AP: Aceita uma cerveja?
SG: Sim, por favor.
[Anthony abre duas latas de cerveja, entrega uma para Sally]
AP: Então, o que é isto que estamos observando?
SG: A máquina, suponho.
AP: Essa é sua Timepiece?
SG: Essa é ela, sim. A distorção devia estar chegando da parede a leste mais ou menos agora.
AP: E você desligou toda a energia?
SG: Logo antes de desligar a máquina de absolutamente todo o resto. Se algo acontecer, não tem a menor chance de sermos a causa. Eu devia ter pegado os óculos de proteção, mas… tenho certeza de que ficaremos bem.
AP: Tenho uma câmera rodando e peguei um contador Geiger também. Estava com medo de ele fritar, mas não pude resistir à chance de recolher dados de qualidade assim.
SG: Digamos que o que acontecer destrua o laboratório. Não vamos entrar em apuros? Por destruir o equipamento, ou todo o resto?
AP: Sally, é para isso que estamos aqui. Se estivermos fazendo um bom trabalho, vão substituir qualquer coisa que for destruída.
SG: Então o quê? Temos dinheiro infinito?
AP: Não é bem assim. É tudo dinheiro de impostos. Mas o Diretor sempre substitui o que quebra e nos consegue o que precisamos.
SG: Fora a eventual catástrofe eletromagnética, soa como o paraíso dos cientistas.
AP: Não é bem assim.
SG: Quer dizer, vocês podiam acelerar um pouco as coisas substituindo as garotas calculadoras por um par de transistores, mas, levando tudo em conta, não é nada mal.
AP: Sabe, é só… Você vê muitos caminhões militares, mas não muitos civis.
SG: O Diretor me tem nas mãos dele. Provavelmente estou mais presa aqui que vocês… o que quer dizer que, seguindo essa lógica, vocês estão todos presos aqui comigo. Bem-vindo ao meu inferno.
[distorção chega]
AP: As coisas acabaram de ficar… mais vermelhas?
SG: Lá vem, OK, presta atenção!
[distorção atinge um crescendo, e então há um estalo insatisfatoriamente pequeno]
AP: Foi isso?
SG: Foi isso. 15:02, no meu relógio.
AP: Você sabia que aquilo ia acontecer?
SG: O flash azul? Não fazia ideia.
AP: Vamos lá, o que você estava esperando?
SG: Eu apostaria dinheiro igualmente em falha mecânica e ataque espontâneo de ursos.
AP: Pena que ninguém estava aqui para ver.
SG: Nós estávamos aqui pra ver. Nós vimos, então aconteceu. Acho que isso é o bastante.
[radio sintonizando]
SG: Diário de Sally Grissom, 17 de janeiro de 1944… já passou da meia-noite, então acho que já é dia 18. Minha gravação original pro dia de hoje foi destruída, então estou refazendo ela. Não consegui recuperar nada da primeira fita, mas vou manter ela mesmo assim. Quem sabe algum dia alguém não arranja um jeito de consertar.
Tive um longo dia e ‘tou exausta, então vou ser breve dessa vez. Estou sentindo o que acredito ser a dor de cabeça mais maligna da história da humanidade.
[distorção estática]
Então vou dizer apenas o seguinte: Tomei uma decisão de não fazer algo. Agi por inércia. E acho que mudei a história?
[distorção estática]
Sinto que estou quebrando algum tipo de conjunto de regras do universo, mas nada aconteceu ainda. Eu não desapareci, não me desfiz. Isso significa que tomei a decisão certa? Não tenho nem ideia do que “a decisão certa” significa mais. Quem sabe? Talvez a história não se importe que eu esteja nela agora. Não sei direito ainda. Então preciso fazer isso por mim mesma. Tomar decisões como se desse pra saber o que estou fazendo. O que não dá. Não posso ficar me preocupando com o que o universo quer que aconteça. E, se ainda estivermos aqui de manhã, então talvez eu estivesse certa.
[gravador de fita para]
ars PARADOXICA é criado por Daniel Manning e Mischa Stanton.
Episódio 02: Apagão características -
Kristen DiMercurio (Sally Grissom)
Robin Gabrielli (Anthony Partridge)
com agradecimentos especiais a Isabel Atkinson
Música original de Mischa Stanton.
08 12 02 20 16 23 13 06 | 05 03 09 15 22 05 03 11 | 13 14 16 16 01 26 22 16 03 | 19 08 07 21 13 06 19
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