03: Trinity, Ato I

ESCRITO POR DANIEL MANNING
PRODUZIDO POR MISCHA STANTON
TRADUZIDO POR JÚLIA OLIVEIRA
[EN]

[gravador de fita liga]

SALLY GRISSOM (SG): O sistema que estamos propondo… ele gera um campo que nega os efeitos do que tenho chamado de mecanismo Grissom. Simplificando, massas dentro do campo limitadas a uma região espacialmente consistente são puxadas ao longo de uma curva temporal fechada em direção a regiões do tempo-espaço com densidade supersimétrica. O Projeto Arco-Íris inadvertidamente criou tal região, catalisando uma reação parecida com o que aconteceria em uma singularidade entre as partículas presentes—  

BILL DONOVAN (BD): [interrompe a apresentação] Sally. Sall- Sally. SALLY.

SG: Algum problema?

BD: Está fazendo a mesma coisa de novo. Você tem mais sílabas que um dicionário animado. Não estou entendendo uma palavra do que está dizendo.

ESTHER ROBERTS (ER): Com todo o respeito, Diretor Donovan, é um conceito bem simples. O experimento na Filadélfia dois anos atrás criou um Coletor de Lorentzian–

JACK WYATT (JW): Um Coletor de Lorentzian que é capaz de simular uma curva temporal que quebra o Horizonte de Cauchy, efetivamente criando uma estrutura causal que…

BD: Parem. Todos vocês, parem. Ninguém está entendendo o que, em nome de Deus, nenhum de vocês está falando. É só baboseira. Isso não vai funcionar com o Comitê de Supervisão semana que vem. Estão vindo de Manhattan, e não vou perder para aquela cidade-bomba.

ER: Ouvi o chamarem de Juízo Final na sala de recreação.

BD: Não deviam. Esse é um hábito que eu gostaria que vocês quebrassem. Demonizar o Comitê de Supervisão não lhes faz nenhum favor.        

SG: Bom, tecnicamente, não estamos demonizando eles, estamos divinizando.

BD: Você não é tão esperta quanto acha que é, e subestima a capacidade dos homens para quem falará. Eles não são facilmente impressionáveis, não vão cair na sua brincadeirinha de batata quente com essa retórica de jornaleiro.

SG: Quer, o que, que a gente faça ciência pra leigos pra você??

BD: Quero que vocês façam uma apresentação que eu consiga entender sem um maldito PhD! E não o chame de mecanismo Grissom. Você soa delirante.

ER: Não é como se tivéssemos tempo para dar um curso avançado sobre a física da relatividade. O trabalho que estamos realizando aqui está quebrando os limites do conhecimento científico. Se está achando difícil entender, tenha empatia por nós, que temos que explicar tudo.

JW: Não saberíamos metade dessas coisas se não fosse a pesquisa da Dra. Grissom.    

SG: Vocês chegaram bem longe sem a minha… pesquisa.

ER: Diretor Donovan, precisamos que o Comitê renove nosso orçamento. Precisamos de redundância operacional contínua. Por exemplo, só temos um conjunto de inibidores. E se ele quebrar? E se voltar para o Eldrigde? O protótipo da Dra. Grissom é único em toda a existência. E, Doutora, a propósito, o que poderia ter feito você se livrar de todas as tentativas falhas da máquina antes de começarmos a trabalhar para você?

SG: Eu… queria começar do zero.

BD: Leio os relatórios de vocês toda semana e ainda mal entendo o que estão fazendo. Preciso que se coloquem no lugar dos outros.

JW: Estamos tentando, Bill, estamos mesmo, mas eles também têm que fazer um esforço! Temos um monte de informação que nos custou anos para compreender. E agora temos que condensar todo o nosso trabalho em pequenas doses para que esses ricaços consigam digerir?

SG: Desculpa, Donovan, pode me esclarecer uma coisa, por favor?

BD: O que é, Doutora?

SG: Você não está falando da ilha de Manhattan, está?

BD: Preciso que me conte tudo o que sabe. Tudo. Agora.

SG: Eu… eu não percebi. Vai acontecer logo?

BD: Conte-me. Quanto você sabe do… O que você sabe?

SG: Não posso falar nada. Você sabe que não posso. Já fiz esse discurso pra você vezes suficientes.

ER: Do que vocês dois estão falando?

BD/SG: É confidencial.

SG: Te conto quando você crescer.

BD: Se você sabe sobre Manhattan, então deve saber que me contar não vai impedir nada. Já está grande demais a este ponto. Pode descer do seu pedestal.

SG: Pedestal? Nós estamos falando… Trinity é exatamente o tipo de coisa de que estou falando, Donovan. O que você acha que sabe nem sequer se compara ao que eu já vi. Você não poderia nem imaginar o que sei. Talvez Trinity seja a pior coisa que já fizemos. Como espécie.

BD: Só me responda: Ela dá um fim à guerra?  

SG: Claro, sem dúvida. É. Dá um fim à guerra. Dá um fim a toda nossa noção anterior de guerra. Transforma a guerra de uma luta de boxe em um jogo de xadrez, fingindo estar em um “impasse” de agora até o fim dos tempos. Você vai se sentir em casa.

[Sally bate a porta atrás dela]

JW: … Então… devemos…

BD: Só saiam.

ER/JW: [murmurando enquanto saem]

[rádio sintonizando]

SG: Diário de Sally Grissom, 9 de julho de 1945. Estou empacada. Donovan quer que eu desenvolva uma demonstração prática da Timepiece, e não tenho ideia do que vou fazer. Estou batendo minha cabeça contra a parede há horas, mas nada me ocorre. Foi relativamente simples descobrir como funcionam os princípios que puxam os objetos pro horário certo e mesmo lugar– tudo é puxado de volta pra Filadélfia em 1943, mas se você comparar a aceleração espacial à movimentação da Terra e parar, indo de trás pra frente quando chegar no Eldrigde, dá pra chegar num horário pré-definido preciso. Mas, por hora, é só teoria. Na prática, é mais difícil de se perceber isso de fato, e infinitamente mais difícil de se explicar pra alguém. É uma questão relacionada a cones de luz e linhas do tempo. O que quer que mandasse de volta no tempo, só desapareceria, da minha perspectiva – Eu não recebo uma laranja que mandei pra mim mesma hoje, porque nunca fiz isso ontem. Claro, em alguma outra linha do tempo, recebi a laranja, mas isso não é parte da minha história. Não é como se desse pra acompanhar esse de tipo de coisas entre…

[distorção estática]

SG: … questão relacionada a cones de luz e linhas do tempo. O que quer que você mande de volta no tempo, é puro chute, não dá pra saber se vai estar por perto pra ver a coisa chegar. Por exemplo, uma laranja aparece na minha mesa, certo? O que eu faço? Só espero um dia e mando ela de volta pra mim? Isso só criaria um loopredundante, fazendo a laranja envelhecer um dia cada vez que voltasse no tempo, até virarpó. Se arranjar uma nova laranja pra enviar, tem que ser a mesma, mas um dia mais nova? Como vou saber se escolherei a mesma fruta? Como posso saber se não tem uma pobre Sally Grissom por aí entre as Eternidades Cegas que não acorda um dia se afogando num mar de laranjas? Viu, agora você entende o meu problema, né? Roberts e Wyatt já estão fazendo hora extra pra montar um novo protótipo antes do Juízo Final, e seria injusto jogar outra tarefa impossível em cima deles, então vou ter que me virar sozinha dessa vez. [suspiro] Preciso de uma pausa.    

[rádio sintonizando; sons de jantar]

ANTHONY PARTRIDGE (AP): Sally, você tem que relaxar um pouco. O Juízo Final não vai lhe matar.                    

SG: Ah, graças a Deus. Estive quebrando minha cabeça por meses por causa disso.

AP: Não, está certo. Já passei por burocracia assim antes. É terrível. Só não tão ruim quanto parece.

SG: [amarga] Ah, que alívio! Muito obrigada. Você devia dar palestras motivacionais. Partridge, não é só que eu tenho que demonstrar algo impossível, tenho que fazê-lo na frente do meu chefe, do chefe da OSS; diretor de Serviços Estratégicos; e da porra do presidente.

AP: Quem?

SG: Você sabe, o Comitê de Supervisão: Donovan, Leslie Groves, Dwight Eisenhower?

AP: Você quis dizer o General Eisenhower?

SG: … É. Isso aí. Foi isso que eu quis dizer.

AP: Ah, vamos lá, Sally, você é uma péssima mentirosa. Dá para ver que sabe de alguma coisa, só desembuche.

SG: Não, o quê? Por que eu…

AP: O General vira presidente?

SG: Você ‘tá lou- não, você ‘tá louco, cara! Isso… não–

AP: Ele vira, não é?

SG: O que, não faço nem ideia–

AP: Sabe, você podia se aproveitar dessas escorregadas. Podia fazer uma fortuna apostando em corridas de cavalo ou algo do tipo.

SG: Não pensei em trazer um almanaque de esportes comigo.

AP: Conte-me de novo o que é impossível sobre esse experimento.

SG: Simplesmente não dá pra observar ele. Ou você vive num mundo onde não recebeu o item que mandou pro passado, o que faz a máquina aparentar defeituosa, ou vive num mundo onde recebeu, o que parece só um truque barato.

AP: Por que não só mandar uma pessoa cerca de uma hora de volta no tempo e depois trazê-la para fazer um relatório? Ela pode adivinhar um número escrito em um pedaço do papel depois do momento para o qual voltará, ou algo do tipo.  

SG: Bom, é tudo uma questão de relatividade, né? A única referência pela qual dá observar a viagem é a do viajante. Do ponto de vista de um observador, ou você não mudou nada, ou a mudança sempre fez parte da história. Portanto, o único jeito de mostrar ao Comitê como a máquina funciona é fazer eles de cobaias também. E não quero ter que lidar com a esposa de Bill Donovan perguntando por que o marido dela sumiu da face da Terra. E é isso ou… parecer que estou fazendo um truque barato. Só estou… empacada.

AP: Parece-me que você está precisando de umas férias.

SG: [ri]

AP: Quantos dias até a guilhotina?

SG: Cinco até o Juízo Final. Seis até eu ser levada embora da cidade numa van preta sem identificação.

AP: Tirar uma folga é o melhor que você pode fazer agora. Tome um pouco de ar livre, clareie sua mente.

SG: Eu… uh, não acho que meu combinado com o Donovan me dê dias de férias.

AP: E quem disse que o chefe precisa saber? Será como um passeio de empresa. Levarei a Helen. Vamos levar nossas equipes também. Meu colega, Quentin Barlowe, está com a cabeça nas trincheiras há meses, e tenho certeza que Ester e Jack gostariam de um pouco de sol.

SG: Barlowe? O cara quietinho que fica te seguindo pelo laboratório como um cachorrinho estudioso?

AP: Ele pode até ser quieto, mas faz a parte dele. Provavelmente até mais do que devia.

SG: Partridge, se todos nós fugirmos no meio dessa semana do inferno, acabaríamos com todo o tempo pro projeto. O que é tão irônico como soa.

AP: Bom, você sempre pode usar a Timepiece, voltar alguns dias, retomar as coisas de onde parou…

SG: Não sei nem por que vim pedir sua ajuda!

AP: Sally, confie em mim, você quer tirar uma folga agora. Está empacada porque está pensando demais no assunto. Todos vocês estão. Quero os três na minha porta, amanhã às sete e meia da manhã. Estamos de férias. E nada de “mas”.

[rádio sintonizando; conversa indistinta]

JW: Dr, Partridge, você está consciente de que o Juízo Final é em quatro dias?

HELEN PARTRIDGE (HP): Eu tentei avisá-lo que vocês não iriam querer ir.

AP: Ela efetivamente me avisou, e eu efetivamente a ignorei. É disso que vocês precisam, e ponto final.

ER: É irresponsável abandonar a apresentação da Timepiece assim! Simplesmente não temos tempo!

SG: Escuta, Roberts, o Partridge ‘tá certo. Se continuarem trabalhando nesse ritmo, vocês já vão estar mortos quando chegar o Natal. E aí, vão trabalhar até a morte ou entrar no carro?

[portas do carro são abertas, todos entram]

JW: Para onde estamos indo, aliás?

AP: Las Vegas, Nevada. Alguns dias jogando cartas e bebendo lhes fará mais bem do que poderiam imaginar.

ER: Vegas? Para que, dados e garotas de programa? Não, obrigada.

JW: Na verdade, esse tipo de negócio não é mais legal em Vegas. Roosevelt suprimiu todo o mercado bem veementemente alguns anos atrás, quando a base foi inaugurada.

AP: Ótimo saber que o Wyatt é um especialista na lei de prostituição de Nevada.

JW: Não sou um especialista! Meu primo é mecânico lá.

AP: Ah, claro. Seu “primo” é o especialista.

JW: Você está me chamando de pervertido, colega?

HP: Anthony, chega…

AP: [ri] Certo, certo, Jack. Só estou pegando no seu pé.

QUENTIN BARLOWE (QB): Dr. Partridge, tem certeza de que essa é uma boa ideia? Acho que prefiro só passar o final de semana em casa.

AP: De jeito nenhum, meu amigo.

ER: Uh, eu sou a única que nunca ouviu a voz dele antes?

SG: Vamos lá, gente. Sei que estamos correndo contra o tempo aqui, mas não faz sentido ficarmos perdendo a cabeça por causa disso. Em vez disso, vamos pra Vegas.

JW: Está bem, mas não sou um pervertido.

SG: Anotado, Wyatt. E o resto?

ER: Bom, acho que não faz sentido ficar para trás se vou ser a única trabalhando.

SG: Ótimo!

[motor do carro liga, dirigem estrada de chão afora]

AP: Então, qual é o plano?

SG: Me passa aquele cobertor.

JW: Plano? Para que precisamos de um plano?

HP: Você não sabia? A Dra. Grissom não pode sair da cidade.

ER: O quê? Espera aí, isso é ridículo! Por quê?!

[Sally se esconde debaixo dos assentos]

JW: Dra. Grisssom, o que você está fazendo? / SG: Só relaxa! Levanta as pernas! Levanta as pernas. / JW: Ei, o quê! / ER: Dra. .— aah! / QB: … Deus do céu.

[carro freia, Anthony abre a janela]

GUARDA: Bom dia, Dr. Partridge, vai sair da cidade?

AP: Sim, senhor, vamos fazer algumas medições lá fora, na meseta. Minha esposa preparou um piquenique.

HP: Bom dia, oficial.

GUARDA: Bom dia, senhora. Podem me mostrar seus passes, por favor?

[todos entregam os passes]

AP: Aqui estão.

SG: [sussura] Ai! Não chuta!

GUARDA: Parece meio cheio aí dentro.

ER: Uh… É, todo o equipamento aqui com certeza deixa bem apertado.

GUARDA: Tudo em ordem. Tenham um bom dia, e tomem cuidado!

AP: Obrigado! Você também.

[carro sai da cidade, Sally emerge]

SG: Sutil, pessoal. Essa foi sutil.

[fita acelera]

ER: Dra. Grissom, posso lhe fazer uma pergunta?

SG: Manda.

ER: O que é Manhattan?

SG: Uma ilha em Nova York. Você não é de lá?

JW: O primeiro navio americano a fazer uma visita autorizada à Baía de Tóquio?

SG: ‘Pera aí, sério?

JW: O Centenário é este ano. Muito pode acontecer em cem anos de relações diplomáticas.

SG: E ele se chamava Manhattan? Huh.

ER: Dra. Grissom, você sabe ao que estou me referindo. Quando você e o Diretor Donovan estavam conversando. Manhattan, e Trinity.

SG: São codinomes.

AP: Codinomes que vocês não deviam conhecer, aliás. A curiosidade matou o gato.

ER: É, mas vocês sabem o que é. Não vou contar a ninguém. Só estou curiosa.

SG: Sabem como estamos trabalhando no nosso projeto científico ultrassecreto? Eles também. Manhattan é como nós. Trinity é a Timepiece deles.

ER: Eles estão construindo uma… máquina como a nossa? Algo para a guerra?

SG: Não exatamente, é… um pouco mais direta que a nossa.

AP: E ainda não estou certo do que exatamente é a Trinity. Só tenho uma hipótese bem vaga, porque mantive minha orelha em pé, e meu trabalho é descobrir o que as pessoas farão a seguir.

ER: E então, o que é? Vocês disseram algo sobre um dissuasor, certo? Sobre transformar a guerra de uma luta de boxe em um jogo de xadrez?

SG: Algo do tipo.

AP: Você não vai contar para ela, vai?

SG: Sem chace. Ela vai descobrir em breve, de qualquer forma.

[fita acelera]

ER: Como você pode acreditar nisso?

QB: Está escrito no texto, claro como o dia!

JW: Evidência irrefutável!

ER: Mas ele voa!

JW: E daí?

ER: E daí? Jay Garrick tem que correr para todo lugar! Você sabe quanto atrito isso gera?

QB: Não estamos falando de voar!

SG: Bem que podíamos estar! O Super-homem é mais rápido que uma bala.

QB: O Flash também.

SG: O Super-homem ganha os poderes dele da luz do sol amarelo! O Flash ganhou os poderes dele do que… água pesada?

JW: Água dura.

SG: Água dura! Isso é ridículo! Ele se molhou um pouco e daí consegue correr rápido? Por favor.

JW: Bom, e se eles estivessem correndo em uma pista de Kriptonita?

ER: Irrelevante! As coisas que eles inventam no rádio não contam. Não-oficial.

QB: Em uma corrida em terra entre o Flash e o Super-homem, o Flash ganharia.

SG: Sem chance!

JW: O Flash consegue parar balas!

SG: O Super-homem não precisa! Elas só quicam quando atingem ele. Presta atenção, o Super-homem consegue voar mais rápido que a velocidade da luz!

ER: … Não, não consegue.

QB: Do que você está falando?

SG: Eu, uh… deixa pra lá.

JW: O Super-homem é só um idiota de capa usando a cueca do lado de fora.

ER: Jay Garrick usa um capacete idiota.

JW: É bom você retirar isso!

[fita acelera; rádio do carro sintonizando até uma música tocar]

HP: Oh, eu adoro essa!

[Helen canta “Till The End of Time”]

Till the wells run dry
And each mountain disappears
I’ll be there for you to care for you
Through laughter and through tears

So take my heart in sweet surrender
And tenderly say that I’m
The one you love and live for
Till the end of time

Até os poços secarem
E todas as montanhas desaparecerem
Estarei lá para você, para cuidar de você
Na alegria e na tristeza                        

Então aceite meu coração, que seentrega docemente
E diga com ternura que sou
Aquele que você ama e para quem vive
Até o fim dos tempos

SG: Helen… Isso foi lindo.

HP: Você achou mesmo?

[fita acelera]

ER: Está completamente sufocante aqui. Como eles podem estar dormindo?

HP: Acho que a inconsciência é a escolha mais sã neste calor.

ER: A quanto tempo estamos dirigindo?

AP: A maior parte das nove horas de estrada. Só falta mais uma hora, por aí.

HP: Quanto tempo?!

AP: Foi por isso que saímos tão cedo hoje, querida. Eu queria me assegurar de que chegaríamos lá antes do pôr do sol.

ER: O que nós seis possivelmente poderíamos ganhar de uma cidade-resort?

AP: Esther, você já foi a um parque de diversões?

ER: Fui a Coney Island algumas vezes quando era criança…

AP: Quando estava na faculdade, uma vez tive um trabalho que estava me matando. Um relatório sobre movimento orbital. Eu simplesmente não conseguia acabá-lo. Trabalhei por quatro dias sem parar, e no fim não conseguia nem forçar meus dedos a escrever. Eu podia sentir o prazo nos meus calcanhares, estava perdendo o sono. E então, além de tudo isso, tive que sair da cidade para a Ação de Graças e visitar minha avó na Pensilvânia. Não queria ir, queria terminar o relatório, mas meu pai teria me batido até a Cochinchina se eu não aparecesse. E ela morava pertinho deste parque de diversões. Dorney Park, se não me engano. E minha avó, como a velhinha gentil que era, viu como eu estava cabisbaixo e me levou para passar o dia lá. 

ER: E lá você andou em uma montanha russa qualquer e teve o momento de genialidade que precisava para acabar o relatório?

AP: Não. Mas me diverti. Nenhuma preocupação no mundo. Todas as minhas aflições desapareceram. Fez maravilhas para a minha saúde mental.

ER: Certo, mas o que isso tem a ver com a nossa situação?

AP: Bom, a vovó Partridge era uma mulher maravilhosa, mas, nos seus últimos anos, ela ficou um pouco… esquecida.

HP: [arquejo] Ela esqueceu você?

AP: Era para ela me buscar às cinco, mas não apareceu até as oito.

HP: Oh não!

AP: Passei três horas no estacionamento, onde a ansiedade de estar perdendo tempo precioso de trabalho voltou com tudo.

ER: E foi lá que você teve sua epifania?

AP: Esther, você está perdendo o ponto. Eu não tive uma. Voltei para o meu quarto, sentei em frente à minha máquina de escrever e acabei o trabalho. Nenhuma epifania. Mas a perda de tempo me forçou a ser produtivo. Não há espaço para bloqueios criativos quando o ponteiro está contra você. Eu não tinha tempo para duvidar de mim mesmo. Só para terminar.

ER: Então, você gabaritou o relatório?

AP: Nem perto. Fiquei a um fio de ser reprovado.

ER: … Isso não está lá aumentando muito minha confiança.  

AP: Veja bem, no fim, eu só não tinha muito a dizer sobre o assunto. Teria falhado indo ou não ao Dorney Park. Meu ponto é: vocês vão terminar sua apresentação da Timepiece não importa o quê. Porque precisam fazê-lo. Sua equipe sabe o que fazer. Vão acordar no dia seguinte e ou terão sucedido, ou terão falhado, e então comerão seu café da manhã, e seguirão em frente. Antes, vocês estavam se matando de trabalhar. Com essa viagem, pelo menos poderão viver de verdade.  

[fita acelera; carro para, motor desliga]          

HP: Só estou dizendo que talvez você tivesse chances melhores em uma universidade, um lugar onde fosse apreciado—

AP: Helen, não quero falar sobre isso agora. [mais alto] Chegamos, pessoal!

[todos acordando, bocejando, etc]

JW: Que horas são?

ER: Onze e pouco.

SG: Então essa é Las Vegas, hein?

AP: Isso não é algo que as pessoas de onde você vem façam?

SG: Não, fazíamos sim. É só… diferente.

ER: Uma coisa eu digo. Parece até dia com o tanto de neon que tem aqui. É como uma Times Square no deserto.

AP: OK, peguem suas coisas, pessoal. Vou fazer o check-in e nos encontramos de manhã.

[todos saem do carro; rádio sintonizando; sons abafados de um café; uma mala é aberta, som se foca em um diálogo]

QB: Ele não estava no quarto quando acordei, assumi que estava dando uma corrida ou algo do tipo.

ER: Não o vejo desde que nos separamos ontem à noite.  

AP: Acha que devemos mandar um grupo para procurá-lo?

SG: ‘Pera aí, não, ‘tou vendo ele cambaleando na nossa direção ali na frente. Quase certeza de que ele ‘tá com as mesmas roupas de ontem.

AP: Olha só quem decidiu só aparecer nesta manhã… início da tarde.

JW: Foi uma longa noite.

SG: Testando o banimento da prostituição em Nevada, presumo.

JW: Decidi checar os caça-níqueis depois de vocês irem dormir.

QB: Quanto você perdeu?

JW: Na verdade, ganhei cinco dólares… Foi só depois de apostar que gastei $4.75 em bebida.

SG: É aí que eles pegam você.

ER: Também pegam você nos caça-níqueis, nas mesas, no hotel…

SG: Essa cidade é essencialmente um poço sem fundo para jogar dinheiro fora.

AP: Aw, relaxem, meninas. Esse é para ser um final de semana divertido! De vez em quando, o poço joga dinheiro de volta.

ER: Não acho divertido pagar alguém pela possibilidade de devolver seu dinheiro.

JW: Você pode só se divertir jogando os jogos.

ER: Eu preferiria ganhá-los.

SG: Devia jogar mais 21, então.

ER: Por quê?

SG: Você sabe, estratégia básica de 21, contar cartas e tal?

ER: Não, não sei.

SG: Cara, algum de vocês tem um baralho?

QB: Tenho um no meu quarto.

SG: Sigam-me, pessoal. Matemática vai deixar vocês sem chão.

JW: Nós não viemos aqui para fugir do trabalho?

[rádio sintonizando; um dealer em um cassino cheio vira uma carta]

DEALER: 21. De novo. Muito bem, senhora.

[aplauso fraco]

ER: É minha noite de sorte!

[rádio sintonizando; o grupo em um bar de jazz chique, bebendo]

JW: À Doutora Sally Grissom. Porque sem o algoritmo de contar cartas louco dela, estaríamos duros e sóbrios.

ER/QB/HP/AP: Saúde!

SG: Aw, só mostrei os números. Foi a Roberts que jogou.

ER: Mas sem a ajuda de vocês cinco, estaria bebendo sozinha hoje.

HP: Sozinha e rica.

ER: Hoje cedo, eu sabia o mesmo tanto que vocês todos sobre análise estatística no 21.

HP: Não todos nós. Um pouco mais que eu, eu diria. Só um tiquinho.

QB: Eram coisas bem óbvias, na verdade.

SG: Devíamos manter a coisa da contagem de cartas só entre nós —uh… em privado.

HP: Acho que nós todos somos capazes de guardar um segredo.

JW: Temos uma bendita máquina do tempo no nosso quintal, pelo amor de Deus.

[Anthony dá um tapa em Jack]

AP: Presta atenção!

JW: Ah, vamos lá, não tem ninguém nos ouvindo.

SG: Mais uma rodada, pessoal?

JW: Coom certeza.

ER: Aqui, toma uns dólares. Mantenha as bebidas vindo.

SG: Já volto.

[rádio sintonizando]

CIENTISTA: E eles é que nos perguntam se é seguro? Aposto cinco contos que o sudeste inteiro vai se explodir…

SG: [ao fundo] Ei, um sidecar, um martini seco, um French 75, dois scotch com licor e uma gin tônica, por favor?

BARMAN: Já vai.

CIENTISTA: … Aposto até mais dois na possibilidade da coisa toda nem funcionar. A este ponto, não tenho nem certeza de que—

SG: Que gravador chique você tem aí.

CIENESTA: É, é… top de linha.

SG: Dita coisas pra ele frequentemente?

CIENTISTA: Coisas do trabalho, sim. Desculpe-me, mas—

SG: O que você faz da vida?

CIENTISTA: Sou físico.

SG: ‘Tá de brincadeira?! Eu também! Pra quem você trabalha?

CIENTISTA: Pa-para o governo. No Novo México.

SG: E como está indo por lá?

CIENTISTA: Não posso falar sobre isso.

SG: OK, mas… como está indo?

CIENTISTA: Bom, estou no uísque número…

[copos batendo]

CIENTISTA: Esse tanto.

SG: Ruim assim, é?

CIENTISTA: Sentado em um banco bambo, esperando o fim dos tempos.

SG: Sei como você se sente.

CIENTISTA: Duvido muito. Vi o fim chegando. Sei o que acontece quando as forças primordiais do universo colapsam sobre si mesmas. Sei que não haverá saída.

SG: Você tem a impressão de que os bloquinhos de construção do universo são brinquedos nas suas mãos, e que isso vai partir o mundo em dois. E queria poder voltar a trabalhar com teoria pura, a escrever equações em cadernos. Queria que o mundo parasse de pegar conhecimento que devia ser usado para melhorar a humanidade e usar ele para matar uns aos outros. Acho que isso resume bem o que está sentindo?

CIENTISTA: … Quem é você?

SG: Como eu disse, com uma física também.

CIENTISTA: De onde você veio?

SG: Você trabalha em Los Alamos, certo? Eu em Polvo. Algumas horas a sul de vocês. Mesmo tipo de coisa que estão fazendo, mas estamos com a ADRA, em vez de com a ACE.

CIENTISTA: Nunca ouvi falar.

SG: E ninguém sabe o que vocês estão fazendo. Exceto eu. Acho que estamos quites, então.

CIENTISTA: Todas as pessoas… vejo os rostos delas nos meus sonhos. Milhões de vozes sendo engolidas pelas chamas descontroláveis. O sangue delas nas minhas mãos. O silêncio delas pesa sobre mim. Então estou bebendo. Bebendo até não aguentar mais, ou até o mundo acabar. O que vier primeiro.

SG: E qual vem primeiro?

CIENTISTA: Mantenha seus olhos no horizonte amanhã de manhã e verá do que estou falando. Talvez seja a última coisa que verá.

SG: Não duvido.

CIENTISTA: Eles me disseram que ajudaríamos a dar um fim à guerra.

SG: Vai dar um fim a ela. Vai mudar o foco da conversa. Homens maus sempre farão coisas más, mas isso é com eles. Não com você.

CIENTISTA: Como você sabe?

SG: Se ajuda, finja que foi um palpite de sorte.

[copos batendo]

BARMAN: Aqui estão, querida.

SG: Essa é minha parada.

CIENTISTA: Aproveite seus drinks enquanto ainda pode.

SG: Por bem mais tempo do que você pensa. Cuide-se.

[Cientista bebe um gole e olha para o nada; Sally vai embora com as bebidas]

SG: [ao fundo] Aonde eles foram? Gente? Gente?

[rádio sintonizando]

SG: Diário de Sally Grissom, 15 de julho de 1945. Parece que nosso papo pós-jantar não agradou muito o pessoal do cassino. Quem imaginaria que eles não apreciariam nós tagarelando sobre trapacear no meio do bar?

JW: Foi você que ensinou Esther a contar cartas!

SG: O que acho que foi minha culpa, em parte. E aí eles nos chutaram do hotel.

ER: Nem chutaram, está mais para literalmente jogaram na sarjeta…

SG: ‘Cês sabem que não deviam ‘tar me ouvindo gravar isso, e nem se fala dos comentários, certo?

JW: Estamos ajudando.

ER: Estamos ajudando!

QB: Não, não estão.

SG: Eu encontrei eles do lado de fora do cassino, com as nossas malas. Todos vermelho-sangue da poeira de Nevada.

AP: Bela descrição, Virginia Woolf.

SG: Viemos pra outro hotel– espero que a equipe do Last Frontier não fale com a do El Rancho. Que é onde estamos agora. Infelizmente, só tinha um quarto vago na pousada, e nós seis temos que dividir ele.

ER: [pega o microfone] A Dra. Grissom fala enquanto dorme!

SG: Chega, não quero ouvir isso. Saiam antes que eu comece a contar todos os seus terríveis segredos.

[todos saem, exceto Sally]

SG: Ah, enfim um pouco de paz. Bom, ainda não resolvi o que vou fazer pro Juízo Final. Foi uma boa pausa, mas minha cabeça não está nem um pouco mais clara do que quando saí. Tenho literalmente que superar uma bomba atômica, e a Timepiece não tem o mesmo apelo visual. Se o Comitê estiver esperando algo como a bomba da gente, vai se desapontar. Nossa máquina não derruba casas, destrói cidades inteiras, ou ilumina o céu noturno com o poder de vários sóis. Não sei o que o Donovan espera que eu faça, além de tirar um coelho da minha–

[batidas na porta]

AP: [do outro lado da porta] Sally.

SG: O quê?

AP: Você está sendo requisitada aqui fora.

SG: Não acabei minha gravação ainda!

ER: Dra. Grissom, isso é mais importante. Só venha logo.

SG: Do que você está falando?

[porta se abre]

CHET WHICKMAN (CW): Boa tarde, Dra. Grissom. Você está presa por violação do Ato de Espionagem.

AP: Seu acompanhante está aqui.

[gravador de fita desliga]  


ars PARADOXICA é criado por Daniel Manning e Mischa Stanton.
Episódio 03: Trinity, Ato I
características -

Kristen DiMercurio (Sally Grissom)
Reyn Beeler (Chet Whickman)
Rob Slotnick (Bill Donovan)
Robin Gabrielli (Anthony Partridge)
Susanna Kavee (Helen Partridge)
Katie Speed (Esther Roberts)
Zach Ehrlich (Jack Wyatt)
Lee Satterwhite (Quentin Barlowe)
Cameron Scott Nadler, Barry Stanton, John French Williamson (vozes adicionais)
Com agradecimentos especiais a Isabel Atkinson

Ajuda de produção de Jake Stanton. Este episódio apresenta as músicas "Stardust", executado pelo US Army Blues, e "Til The End of Time," interpretada por Susanna Kavee, bem como música original por Mischa Stanton.

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