03: Trinity, Ato II

ESCRITO POR DANIEL MANNING
PRODUZIDO POR MISCHA STANTON
TRADUZIDO POR JÚLIA OLIVEIRA
[EN]

[gravador de fita liga; carro dirigindo]

CHET WHICKMAN (CW): Então… Você está com raiva de mim. Eu entendo.

SALLY GRISSOM (SG): O que te deu a impressão de que ‘tou com raiva de você?

CW: Bom, primeiro, você está com uma careta igual a de uma criancinha birrenta e, segundo, não falou comigo nenhuma vez desde que entramos na estrada. Tentei lhe dar um espaço, mas poderia dizer alguma coisa antes de chegarmos lá?

[rádio sintonizando; hotel]

CW: Meus homens e eu estamos aqui para levar vocês de volta a Polvo, sob ordens do Diretor Donovan.

SG: E você é…?

CW: Não se lembra de mim?

[rádio sintonizando; carro]

SG: Tenho o direito de ficar brava quando estou sendo presa e acusada de traição por tirar um dia de folga.

CW: Só tecnicamente. Estou apenas lhe levando de volta para casa.

SG: Bom, agora que o silêncio está quebrado, do que você quer falar?

CW: Não sei. Da última vez que nos falamos, você estava um pouco amarrada– literalmente, se me lembro bem. Como está?

[rádio sintonizando; hotel]

SG: Você estava no Eldridge!

CW: Isso mesmo. Chet Whickman. É um prazer lhe ver de novo.

[rádio sintonizando; carro]

SG: Desde então, parece que fui de amarrada à presa.

CW: Você sabe que não pode só sair. Tudo que você diz, tudo o que faz, pode ter consequências catastróficas. Você foi classificada como segredo nacional.

SG: Eu sei disso, eu sei… É só…

CW: Está chateada porque dei um pronto das suas férias?

SG: Mais chateada com o fato de que estou confinada a trabalhar pra um cara que pode enviar seus capangas a mil quilômetros de distância em um estalar de dedos.

[rádio sintonizando; hotel]

CW: Teve sua noite de farra no cassino, agora é hora de voltar para casa.

SG: Vocês sabiam que tínhamos saído?

CW: É claro que sabíamos. Sabíamos que estavam saindo antes mesmo de saírem da base. O Diretor Donovan me enviou para ficar na cola de vocês uma hora depois de fugirem.

SG: Então só nos deixaram vagar por Vegas até se entediarem? Não têm nada melhor pra fazer?

CW: Senhora, por favor, não questione a cadeia de comando. O Diretor não tinha que lhes deixar sair, mas ele gosta de dar um pouco de liberdade aos seus subordinados. Imaginei que, depois do seu pequeno encontro com a segurança do cassino, provavelmente era uma boa ideia extrair vocês do local.

[rádio sintonizando; carro]

CW: Poxa, Dra. Grissom, não sou um capanga qualquer! Temos uma ligação. Eu estava lá quando você apareceu do nada. Bom, não do nada, mas 20█ é o mais próximo do nada que se dá para conseguir. E estou aqui para levar você de volta para casa em segurança.

SG: Se me lembro bem, quando nos conhecemos, você era só um humilde marinheiro do outro lado do país.

CW: [ri] Bom, depois da Filadélfia, fui promovido e transferido. Normalmente, aumentam seu acesso a informações quando você vê demais, e acabou que o que sei, o que vi, significava que eu precisava fazer algo diferente. Não estou dizendo que me encapuzaram e me mandaram para o outro lado do país, mas sem dúvida foi como me senti.

SG: Nada disso me é estranho. Essa não é primeira história de como meu aparecimento em 1943 virou a vida de alguém de cabeça pra baixo.

[rádio sintonizando; hotel]

SG: Não acredito.

CW: Se vier comigo agora, prometo que não se meterão em nenhum problema.

SG: DEFINITIVAMENTE não dá pra acreditar nisso.

CW: Certo, certo, em nenhum problema em que já não estejam metidos. Vocês têm o Juízo Final na terça, não achavam mesmo que podiam sair aos 45 do segundo tempo para apostar com prostitutas pelo final de semana, achavam?

ANTHONY PARTRIDGE (AP): Na verdade, a lei de prostituição de Nevada–

HELEN PARTRIDGE (HP): Anthony!

[rádio sintonizando; carro]

CW: Troquei mar infinito por areia infinita, e meus pés nunca se sentiram tão firmes. O Diretor Donovan não costuma adotar uma estratégia administrativa tranquila. Sempre sacode as coisas no momento em que você fica confortável. Nunca é entendiante. E pelo menos o risco de afogamento é bem menor aqui.

SG: Bom, não estou confortável ainda, então acho que ‘tou segura, por hora.

CW: Você me pareceu bem confortável lá. Tem amigos, uma casa, um emprego, e ouvi que sua pesquisa com a Timepiece é revolucionária. Eu mesmo não entendo nada dela, mas sei que está anos à frente de qualquer coisa que o mundo já tenha visto.

SG: Tenho um amigo. E dois assistentes de laboratório. Tenho uma… masmorra de quarto, e um trabalho que trata uma folga como uma fuga. Sou uma prisioneira, nós dois sabemos disso.

CW: Nada nesse mundo é de graça. Sally. Você devia saber disso. Levando tudo em consideração, está muito bem aqui. Você gosta de fazer essas coisas engenhosas de ciência, certo? Acha que algum outro lugar no país vai contratar alguém com um diploma do futuro? Estaria internada em um hospício agora se não estivesse conosco. Só uma moça sem-teto louca na Filadélfia, insistindo que é do futuro.

SG: ‘Tá me dizendo que seria pior pra mim se o Donovan não me mantivesse presa?

CW: Estou dizendo que Polvo lhe dá um salário, uma casa, e um bom objetivo.

SG: Não um que eu tenha escolhido.

CW: Talvez não, mas aposto um níquel que é o mais realizador que poderia achar em 1945.

SG: Então talvez 1945 é que seja o problema.

CW: Bom, você é a cientista, não é? Não consegue descobrir como voltar para casa?

SG: Segundo os maiores especialistas no assunto, o melhor jeito de voltar pro séc.XXI é esperando cinco décadas e meia.

CW: Por quê?

SG: A Timepiece, nosso inibidor do mecanismo de Higgs, foi feita pra fazer coisas levitarem, não pra mandar elas de volta no tempo. E, por causa do Projeto Arco-íris, só posso viajar pra trás no tempo. Só funciona pra viagens de ida.

CW: É sempre assim com vocês gênios. Tentam fazer um aerodeslizador e acabam com uma máquina do tempo. E se construíssem outra máquina para avançar no tempo?

SG: É alavancar uma série de acidentes científicos pra alcançar um resultado bem específico. Os princípios que governam esses fenômenos são no mínimo nebulosos. Pode acreditar, o único caminho pra casa é esperar.

CW: Isso é pura injustiça, Sally. Sinto muito mesmo.

SG: Valeu, Whickman.

[pneu estoura; carro derrapa, desacelera, para, desliga]

CW: Uou, uou, uou!

SG: Que houve?

[rádio sintonizando]

SG: Diário de Sally Grissom, 15 de julho de 1945. O Oficial Whickman foi ao hotel pra nos prender e levar de volta pra Polvo. Tínhamos passado da metade do caminho quando dois dos caminhões que ‘távamos dirigindo passaram por cima da mesma rocha pontuda. Estamos presos no meio do deserto. É isso… Eu… Fim desse registro. Sei lá.

[rádio sintonizando]

HP: Como assim, ficar aqui?

CW: Sinto muito, senhora, é o protocolo oficial. Ninguém além de nós pode sequer saber que estamos aqui. Tenho que mandar os outros homens primeiro, e estarão de volta para nos buscar amanhã de manhã. Não cabemos todos com eles, então acamparemos nos outros caminhões hoje à noite.

HP: Isso é absurdo.

AP: Não vai ser tão ruim, querida. Oras, pode ser até bom passar a noite sob as estrelas. Não fazemos isso há, o que, quatro anos? Desde que estávamos namorando.

HP: É, acho que sim…

SG: Eu gostaria de voltar com os soldados, por favor.

CW: Sinto muito. Dra. Grissom, mas tenho ordens estritas para não tirar os olhos de você. Doutores Wyatt, Roberts e Barlowe, estão livres para voltar para Polvo.

ESTHER/JACK/QUENTIN: Bom, se você vai ficar, Dra. Grissom/ Não tenho nada urgente para fazer lá/ Até que não está nada mal aqui/ Eu devia ficar.

SG: Pessoal, tudo bem. Só porque tenho que ficar aqui não significa que vocês também têm. Voltem pra casa.

ESTHER/JACK/QUENTIN: OK, ótimo/ Maravilha/ Preciso mesmo voltar para lá.

[os três saem]

AP: Então… alguém tem marshmallows?

CW: Esse é o espírito!

[rádio sintonizando; Chet acende uma fogueira]

CW: Isso deve servir.

AP: Está uma bela noite, não é?

HP: Está bem nublado. Estava esperando ver mais estrelas.

SG: Parece que vai chover antes de amanhecer.

HP: Oh, que pena.

AP: Olha só o que encontrei na minha mala!

[vinho balançando dentro da garrafa]

SG: Isso é uma garrafa de vinho?

AP: Não uma garrafa qualquer. É um Bordeaux ’28.

HP: Oh, Anthony, não acredito!

SG: Não acredita em quê?

HP: É a garrafa do nosso primeiro encontro!

CW: Oh, fantástico!

[Anthony abre a garrafa, serve o vinho em xícaras]

AP: Ela era a cantora de uma banda de jazz em um barzinho no centro da cidade, o Soft Note. Eu costumava ir até lá para trabalhar. Nunca gostei de trabalhar em casa, ou em bibliotecas. Então levava meus livros para o Soft Note e fazia meu serviço lá. Mas, claro, nunca conseguia ser produtivo quando Helen estava cantando.  

HP: Ele costumava se sentar em uma cabine nos fundos, escondido atrás de uma pilha de cadernos e livros, e me encarar enquanto eu cantava. Eu o notava e tentava conversar com ele, mas era tão tímido…

AP: Então, quando comecei a trabalhar para o governo, convidei-a para sair.

HP: Ele tinha acabado de receber o primeiro pagamento, e me levou para um restaurante incrível, uma gracinha. Os pratos, as mesas, a decoração, tudo sobre ele gritava “luxo”.

AP: Devo ter gastado meu salário inteiro naquele jantar.

HP: Durante todo o jantar, ele ficou contando empolgado sobre novo emprego. Prometeu que mudaria o mundo para melhor.

AP: Então comprei essa garrafa de vinho ridiculamente cara, e jurei que usaria meus conhecimentos para melhorar o mundo.

HP: Estava juntando poeira no armário desde então. Não acredito que a trouxe com você!

AP: Eu ia fazer uma surpresa para você, mas a chance nunca veio.

SG: Então por que beber ela agora?

AP: Agora me pareceu um momento tão bom quanto qualquer outro. Estamos fazendo o trabalho que eu pretendia fazer quando a comprei, e estou cercado pelas pessoas envolvidas. Oficial Whickman pelo governo, Sally pela ciência, Helen pela minha paixão.

SG/CW: Saúde!

[fita acelera]

HP: Acho que vou me recolher. Já passou bastante da minha hora de dormir. Não fiquem acordados até muito tarde.

AP: Não ficaremos.

SG: Não se preocupe, agora mesmo eu vou também.

[Helen sai]

AP: Pela sua cara, parece que você está precisando de uns vinte anos de sono.

SG: Os últimos dias foram difíceis, só isso.

AP: Estou para lhe perguntar sobre isso há um tempo. Quando abandonei meu projeto, estava modelando sistemas de previsão, e agora… não faço a menor ideia do que você está fazendo. Do que sua máquina realmente faz.

SG: Bom, já tem um tempo que estamos tentando descobrir justamente isso.

AP: Você não sabe como funciona?

SG: Ei, Fleming não sabia que estava inventando a penicilina, sabia? O protótipo da Timepiece no hangar, ele foi construído de partes da minha máquina. A que trouxe de volta pro passado— Quer dizer… pro agora.

AP: Certo. O que ela fazia antes, então?

SG: Eu estava trabalhando numa máquina que, em teoria, desprenderia corpos do campo de Higgs—

AP: Do-do campo de quem? Higgs?

SG: Oh, um… É… vamos só chamá-lo de um campo-âncora. E é esse campo-âncora que dá massa às partículas. Eu queria criar uma matriz de portas de que o negasse.

AP: Anti… matéria? Negar a gravidade?

SG: Essa era a ideia.

AP: Como você foi de antigravidade à viagem no tempo?

SG: Você trabalhou no Projeto Arco-íris?

AP: Só nos estágios iniciais. Nunca subi a bordo do Eldridge.

SG: Bom, acabou que vocês inventaram a coisa errada acidentalmente também.

AP: Um aparelho que camuflaria um navio de guerra distorcendo a luz em volta dele.

SG: Bom, funcionou bem até demais. Distorcia a luz em torno do navio– junto com todo o resto. Nunca se sustentou por tempo o bastante para causar danos a longo prazo, mas nos poucos instantes que o aparelho Arco-íris funcionou, ele criou um poço que distorceu enormemente as regiões do espaço-tempo próximas. E aquele momento provou atrair qualquer coisa que por acaso estivesse solta por perto, em termos de relatividade.

AP: E isso inclui você, █ anos depois.

SG: Exatamente. O Eldridge é como um imã pra os objetos afetados pelo campo inibidor.

AP: Então quando um objeto é afetado pela sua máquina, volta para a Filadélfia em 1943?

SG: Esse é o princípio que estamos explorar com a Timepiece.

AP: E se houver um jeito de modular a–

SG: Modular a aceleração para tornar viagens de volta no tempo para um momento específico possíveis? Bem-vindo à nossa empreitada.

AP: E eu pensando que Manhattan era o mais avançado que tínhamos. Dane-se a bomba, vocês estão construindo uma máquina do tempo de HG Wells na vida real. Como você leva o movimento planetário em conta? Você sabe, a Terra gira em torno do sol a trinta quilômetros por segundo, como vocês se asseguram de não irem parar no meio do espaço?

SG: Essa é a nossa maior questão grande parte do tempo. Wyatt e Robets passaram o Quatro de Julho deles sincronizando a aceleração da Timepiece com a da Terra.

AP: Não é de se admirar que estejam cansados. Deus os abençoe.

SG: Mas dar à máquina um modo de processar essas instruções tem sido difícil.

AP: Complicadas demais?

SG: Bom, não é querendo me gabar, mas de onde eu venho, nossos computadores são bem melhores nesse tipo de coisa. Não me importo de passar umas horas a mais esperando nossas respostas serem computadas, mas ter que enviar os dados à Harvard pra conseguir uma leitura de cartão perfurado?

AP: Suspeito que você não seja lá um grande artesão. Artesã.

SG: Você não tem noção. Provavelmente acha que 20█ tem quilômetros de prédios cheios de tubos a vácuo.

AP: Sei que alguém já vai ter inventado uma máquina de Turing eletrônica a esse ponto. Vão caber na sua casa. Já entendi.

SG: [ri]

AP: Então, como você vai apresentar isso para o Comitê?

SG: Não faço a menor ideia. Estou empacada. Ou coloco eles mesmos pra viajar no tempo, ou… Faço algum tipo de truque elaborado que pareça legal, mas que na verdade não mostre nada da máquina? Não sei. Acho que vou dormir e pensar mais um pouco.

AP: Você vai conseguir, Sally. É boa no que faz.

SG: Fala isso pro Comitê.

[rádio sintonizando]

SG: Diário de Sally Grissom, 16 de julho de 1945. Em casa de novo. A noite no deserto foi divertida. Produtiva, acho. Resolvi o que apresentar pro Comitê. Mas, mais importante do que o que fizemos ontem à noite, foi o que fizemos o hoje de manhã. Hoje de manhã, vimos o mundo mudar.

[de manhã no deserto]

CW: Sally! Sally, acorda!

SG: [sonolenta] Mrrm, o que foi? Já chegamos?

SG (diário): Whickman nos acordou pouco depois das cinco. Me disse pra sair do carro. Disse que ficou culpado por…

CW: … Fiquei culpado por dar um fim prematuro às suas férias, então pensei que deixaria que vissem algo especial. Venham comigo.

AP: [boceja] O que houve? Aonde estamos indo?

CW: Para o meio do deserto. Já vai começar, corram!

SG: O que já vai começar?

SG (diário): Paramos em um desfiladeiro a uns cem metros dos caminhões. O mundo ainda não tinha acordado. Tinha acabado de chover, e o ar estava carregado de petricor.

CW: OK, pessoal, mantenham os olhos no horizonte.

HP: É para olharmos para quê?

CW: Só espere um pouquinho.

SG (diário): Chet checou seu relógio. Deu algumas batidinhas no visor, contando os segundos para a detonação. E então…

SG: Uou!

SG (diário): Em um instante, o céu se acendeu. Conforme o núcleo de plutônio da Trinity alcançava massa crítica, a emissão resultante de calor e luz transformou noite em dia. Houve um brilho ao longe na direção de Alamogordo, refletido pelas montanhas à nossa volta. Foi tão brilhante que tentei desviar meus olhos, mas algo profundo e primitivo dentro de mim não me deixava. Eu tinha visto filmagens da explosão, mas não podiam ter me preparado para vê-la de fato. Elas nunca conseguiam capturar as cores. Vermelhos e amarelos mais brilhantes do que eu jamais havia visto. Traços de violeta e verde escalavam a coluna ardente até o topo do cogumelo, aquela maldita nuvem que estará sempre associada à capacidade de auto-destruição da civilização. Agora somos todos filhos da puta. Levou um minuto para o som nos alcançar.  

[explosão nuclear de vinte quilotoneladas]

SG (diário): O chão tremeu. Cobri meus ouvidos para atenuar o rugido da fissão nuclear convertida em arma. Então, a coluna se dissipou, dissolvendo-se no pôr do sol roxo-hematoma. Tinha acabado. As reações gêmeas de terror e admiração no rosto de Whickman, a alegria desenfreada no de Partridge, o choque e o terror no da esposa dele… Depois da explosão, acho que nenhum de nós disse nada. Cerca de uma hora depois, os soldados nos buscaram e levaram de volta. O jornal daquela noite falou algo sobre um detonamento de explosivos, mas todo mundo em Polvo sabia o que estava acontecendo. Era o começo de uma nova era. Os membros da equipe de Oppenheimer eram heróis, ou pelo menos era para serem. Engenheiros impressionantes, sem dúvida. Eram eles heróis porque acabarão com a guerra? Talvez. Stalin, Truman e Chruchill estão dividindo a Alemanha neste instante, conforme falo. E claro, Manhattan pôs os Estados Unidos em primeiro na corrida nuclear, mas a única razão porque a Rússia– ou, suponho, a União Soviética– construiu sua bomba foi porque tínhamos a nossa. A destruição mutuamente assegurada é só uma disputa para manter o mesmo padrão termonuclear do que os outros. Mas estou colocando a carroça na frente dos bois. Acho que sou a única pessoa no universo que sabe o que acontece nas próximas décadas, e não há muitos lugares em que eu possa apreciar esse fato sem ser jogada em uma prisão militar ou um hospício.

Mas o Comitê de Supervisão quer um espetáculo.

[telefone tocando]

Armas nucleares não são poderosas apenas por causa da explosão ou da chuva radioativa, mas por causa do efeito intimidante. Então, dei a eles um espetáculo.

[Anthony atende o telefone]

SG: [no telefone] Partridge, preciso de um favor.

AP: [no telefone] Pode falar.

SG (diário): Três envelopes, pra Eisenhower, Donovan e Groves. Dentro de cada um deles estavam os resultados dos jogos do jornal de terça que vem e uma declaração da perspicácia técnica da Timepiece, assinada pelos três daqui uma semana. E, claro, uma versão não assinada da mesma carta. Falei pra esperarem uma semana, checarem os resultados e assinarem a nova declaração. Era prova que a Timepiece podia mandar coisas de volta no tempo. Pelo menos pro Comitê.  

SG: [no telefone] Como seus modelos de previsão funcionam com esportes?

AP: [no telefone] O que você está querendo fazer?

SG (diário): Partridge e eu passamos as últimas horas antes do Juízo Final descobrindo que os Cubs tinham 99.8% de chance de ganhar dos Phillies de 7 a 3 na próxima terça. Pouca gente demais aprecia o poder da análise estatística super-profunda. Daí, escrevi uma carta enfatizando os usos potencias do projeto e forjei as assinaturas dos três pra que parecesse legítimo. A apresentação decorreu sem nenhum problema. Me assegurei de que Roberts e Wyatt não estivessem comigo. Nunca contei a eles o que fiz. Não precisam disso pesando em suas consciências.

Espero que tenhamos acertado o resultado do jogo. É uma aposta. Se os Cubs perderam, ou eu sou incompetente, ou uma fraude, e provavelmente vou ser despedida. Se ganharem, então sou um gênio. Dá um trabalhão tramar algo arriscado assim, na verdade. Provavelmente teria sido mais impressionante contar pra eles. As coisas que não fazemos por dinheiro. Tenho uma máquina do tempo e ainda assim não consigo convencer as pessoas a pagar por ela a menos que minta um bocado. Mas as pequenas mentiras tornam o que precisamos fazer bem mais fácil.

[rádio sintonizando]

AP: Helen, o que houve? Você estava tão quieta no caminho para casa. Tudo bem?

HP: Você mentiu para mim. Quebrou a promessa.

AP: O quê? Querida, do que você está falando? Quando?

HP: Nosso primeiro encontro. Você prometeu que seu trabalho mudaria o mundo para melhor.

AP: Eu não estava mentindo, Helen. Ainda estou fazendo aquele mesmo trabalho benéfico—

HP: Eu vi o que aqueles homens estavam fazendo, Anthony. Vi com meus próprios olhos. Aquilo NÃO era trabalho benéfico. Aquilo NÃO estava mudando o mundo para melhor.

AP: Não fizemos aquilo, querida. Não fomos nós.

HP: Não faz diferença! Homens como Donovan levam homens como você a construir máquinas como aquela. Estão usando seus dons e seu esforço para construir… aquilo! Aquela coisa terrível! Meu Deus, Anthony, nós bebemos a promessa ontem à noite… meu estômago está revirando.

AP: Querida, acalme-se.

HP: Vamos embora. Vou fazer minhas malas agora, e vamos embora.

AP: Você sabe que não podemos simplesmente ir—

HP: Eu não ligo! Não ligo que influência esses homens têm sobre você!

AP: Não vou embora, Helen.

HP: O quê?

AP: Eles têm meu trabalho agora. Não posso simplesmente abandoná-lo. Tenho que ficar.

HP: Anthony, você não pode estar OK com isso. Com o que acabou de ver.

AP: É claro que não. É terrível. Mas meu trabalho não acabará assim. Eles só estavam construindo uma bomba. Eu posso fazer muito mais. E vou ficar de olho em tudo, assegurar-me de que não usem o que inventei para machucar ninguém.  

HP: Você é mesmo tão inocente assim? O exército vai fazer o que quiser com seu trabalho, e mandar você embora com uma nota de cinco dólares e um tapinha na cabeça.

AP: Não posso abandonar isso, Helen. É tudo pelo que já trabalhei.

HP: Não sou eu tudo pelo que você já trabalhou?

AP: Você sabe que isso não é verdade. Trabalhei pelo melhoramento da humanidade. Trabalhei pela ciência.

HP: Resposta errada, Anthony.

[Helen sobe as escadas]

AP: Rrrrgh!

[rádio sintonizando]

BILL DONOVAN (BD): –O que estavam pensando? Deus do céu, eu devia manter Sally Grissom em uma cela por tempo o bastante para ela encontrar consigo mesma no futuro. E qual foi o papel de Anthony Partigde nisso?

CW: Planejou a coisa inteira, senhor. Orquestrou a viagem toda.

BD: O que, para uma cidade-resort a 10 horas de distância logo antes da reunião que podia muito bem acabar ou salvar esta cidade? Que motivo ele poderia ter para isso?

CW: Parece sim particularmente descuidado. Como foi a apresentação da Timepiece, senhor?

BD: Foi… simplesmente terrível. Usaram a pesquisa de Anthony para adivinhar com segurança o resultado do jogo dos Cubs.

CW: Como o Comitê reagiu?

BD: Groves ficou curioso, mas entediado, no fim das contas. Ike se animou como um garotinho no Natal, mas tenho a impressão de que não durará. Foi um truque barato, e eles podem não saber ainda, mas descobrirão em breve.

CW: … Posso dar minha opinião, senhor?

BD: Claro, por que não?

CW: Acho que Anthony pode estar tentando afundar a equipe de Grissom.

BD: Por que acha isso?

CW: Bom, como você disse, senhor, nenhuma parte desse plano parece uma boa ideia. E eu conheço o Anthony, ele não é descuidado.  

BD: O que você está tentando dizer… que ele está tentando nos destruir de dentro?

CW: Não acho que todos nós. Acho que ele está tentando destruir Sally.

[gravador de fita desliga]


ars PARADOXICA é criado por Daniel Manning e Mischa Stanton.
Episódio 03: Trinity, Act II
características -

Kristen DiMercurio (Sally Grissom)
Reyn Beeler (Chet Whickman)
Rob Slotnick (Bill Donovan)
Robin Gabrielli (Anthony Partridge)
Susanna Kavee (Helen Partridge)
Katie Speed (Esther Roberts)
Zach Ehrlich (Jack Wyatt)
Lee Satterwhite (Quentin Barlowe)
Com agradecimentos especiais a Isabel Atkinson

Música original de Mischa Stanton.

08 11 09 10 | 04 16 24 | 17 19 02 15 04 26 15 03 26 | 03 06 25 10 22 16 21
WEATHER: windy