09: Decaimento

ESCRITO POR julian mundy
PRODUZIDO POR MISCHA STANTON
TRADUZIDO POR JÚLIA OLIVEIRA
[EN]

[gravador de fita liga]

SALLY GRISSOM (SG): Diário de Sally Grissom, 23 de dezembro de 1946. Esse ano, nosso milagre de Natal veio em forma de uma... “parada bem estranha” é pouco científico demais? Porque é uma parada bem estranha. Partridge e eu estamos trabalhando em um processador que utiliza as propriedades de congelamento temporal da CELA pra solucionar alguns problemas de otimização. Basicamente, um computador funcionando dentro da CELA te dá resultados imediatos. Por si só isso já é bem legal, mas fica ainda melhor. Usando o modelo de previsão de Partridge paralelamente ao processador, ele prevê os resultados mais prováveis e manda eles de volta pro processo inicial. Faça isso algumas centenas de vezes e você consegue um resultado ordens de magnitude mais exato que poderia encontrar até... na verdade,  acho que nem 20█ tinha algo tão preciso. Anthony tem chamado a coisa toda de “Processador Assíncrono” – o APU. Ele demanda um nível infernal de programação, mas já mencionei que é praticamente instantâneo? Ainda não tem nenhum sistema operacional funcionando pra ele, mas, quando tiver, tenho o nome perfeito: NoStradamOs. Cara, eu sou boa nisso.

Mas, continuando. A coisa trabalha bem o bastante quando depende de um Sistema mecânico, mas um sistema digital funcionaria bem melhor... e não precisaria de um depósito inteiro cheio de tubos à vácuo. Naturalmente, a primeira coisa que me veio à mente foi adaptar o APU pra usar transistores. Devia ser  bem simples de se fazer, em termos de mecânica. Com a nova configuração, começamos a receber resultados praticamente no momento em que inseríamos os cálculos. Mas saem uma confusão. Os resultados vem ou bagunçados, ou faltando pedaços. Bits demais, ou de menos. Todos checamos e checamos de novo o funcionamento da máquina, e ninguém consegue descobrir o que há de errado. Roberts acha que é totalmente aleatório, mas Wyatt ‘tá apostando num fantasma lá dentro. Tipo o Fantasma dos Dados Passados, ou algo do tipo. Assustadoor! De qualquer forma, é bem frustrante não saber nem sequer como começar a responder uma pergunta. Mas, ai, ai, assim é a ciência.

Falando de coisas assustadoras, tenho visto novas caras pela cidade. Todas se encaixam direitinho no estereótipo de espião. O corte de cabelo curtinho, os colarinhos das camisas ligeiramente engomados demais. Balconistas, seguranças, funcionários de escritórios. Todo tipo de profissão. Tenho a sensação de que cada um deles tem um grande “CONFIDENCIAL POR ORDENS DE” carimbado em algum lugar de seus arquivos. Nosso ano acabou, a CIA ‘tá aqui. Eles me dão um terrível senso de déjà vu, como se estivesse de volta no Novo México. Todos ficam me encarando quando passo... ou talvez seja só minha paranoia. Não seria a primeira vez.

 [rádio sintonizando; Sally soldando, Anthony trabalhando em um conjunto de problemas; Sally se queima e deixa o ferro cair]

SG: Ai! Merda.

ANTHONY PARTRIDGE (AP): Pelo jeito doeu. Você está bem? Posso checar a geladeira–

SG: Não, não, tudo bem. Só me passa aquela peça ali. Ali–

AP: Esta?

SG: É, essa. Valeu.

[Sally procura as peças, Anthony para de trabalhar]

AP: Você e Helen se falam, certo? São amistosas? Amigas?

SG: Hm, amistosas. Acho. Por quê?

AP: Ela fala muito sobre si mesma, ou… sobre nós?

SG: Já não ‘tou gostando de pra onde essa conversa ‘tá caminhando.

AP: Helen e eu, nós estamos lidando com uma… discordância. Lembra quando todos fomos para Las Vegas ano passado, e assistimos o teste da Trinity? Ela cismou que o estamos fazendo aqui vai nos levar ao Fim dos Tempos. Desde estão, as coisas não são as mesmas entre nós... Ela se recusa a entender o quão importante esta pesquisa é.

SG: Que rude da parte dela.

AP: Estamos tão perto agora, à beira de realmente mudar o mundo. É incrível, mas também uma pressão gigantesca. Ela não consegue enxergar isso?

SG: Acho que ela sabe exatamente sob que tipo de pressão você ‘tá. Acho que esse é o problema.

AP: Como assim?

SG: Vi seu ponto. Você ‘tá trabalhando 25 horas por dia. Dormindo numa cabana que montou debaixo da sua mesa.

AP: Você tem uma igual debaixo da sua—

SG: Partridge, você já tem uma cama! Uma de verdade. E uma mulher em casa que te quer nela, ao lado dela!

AP: Quando estou lá nós… Não sei. Flutuamos um em volta do outro. Dois planetas em órbita. Quero passar meu tempo onde sou útil.

SG: Quanto tempo faz que você tirou um dia só pra ficar com ela?

AP: Bom, vejamos… Não desde… Eu… Tem um bom tempo, acho.

SG: Eu me lembro daquela noite no deserto. Teve mais que só a bomba. Você lembra? A fogueira? A história sobre seu primeiro encontro, aquela garrafa de vinho?

AP: Sim…

SG: Aí. Essa expressão. Essa é a expressão que você tinha aquela coisa. Você ama ela, cara. Pura e simplesmente. Mas sabe quando mais ‘cê fez essa cara? Depois da bomba explodir.

AP: Não é tão simples, Sally. Eu devotei cinco anos da minha vida a este projeto porque o potencial dele é medido em vidas reais! Estamos à beira de mudar o mundo!

SG: Você não desiste fácil, Partridge, qualquer um consegue ver isso. Mas acho que, depois de superar o fascínio pelo seu mais novo brinquedo, fica com medo do que vem a seguir.

AP: Acha que estou com medo? Essa é sua brilhante teoria?

SG: Qual é o problema? Fala sério, você foi comissionado por dois anos pra criar um modelo pra prever o futuro. Sabe mais sobre prognósticos que qualquer um. Não consegue prever o que vai acontecer contigo se continuar assim?

AP: Pare com isso, Sally. Agora.

[Esther e Jack entram no laboratório]     

SG: Então sim! Acho que você ‘tá com medo! Com tanto medo, na verdade, que não consegue nem ouvir o conselho que me pediu!

JACK WYATT (JW): Briga de família? Ei, posso participar? Já que não podemos voltar para casa no Natal, fiquei com um pouco de saudade este ano.

SG: Partridge e eu estávamos tendo um debate agitado sobre o... problema de entropia dos dados do APU. Mas ele se recusou a ouvir meu sábio conselho.

AP: [escarnece]

SG: Talvez vocês tenham mais sorte.

ESTHER ROBERTS (ER):  … Então?

AP: O quê?

ER: Qual é a pergunta? Deve ser bem complicada, se deixou Sally fumegando assim.

SG: Ei! Eu não fumego!

JW: Às vezes sim. Só um pouquinho.

AP: O que eu ia dizer era que o processador assíncrono ainda está mostrando erros fatais em 3% de seus cálculos. Tem a ver com o novo sistema de interruptores eletrônicos. A memória não parece estar analisando os bits corretamente, pelos caminhos previstos, e esses 3% são o bastante para estregar qualquer outra coisa que ele tente.

JW: Do que você o chamou, Sally? Um fantasma na máquina? Pergunto-me se é amigável como o Gasparzinho...

ER: Cale a boca, Jack.

AP: Há duas respostas possíveis, aparentemente. Um: há uma falha em como a energia está sendo distribuída e isso confunde o processador e interrompe o sequenciamento. Dois: o processador assíncrono simplesmente não—

SG: Partridge, você ‘tá me matando. Se não gosta de “APU”, pelo menos invente um nome melhor.

AP: O quê? Tudo bem. Que tal o ... Extra-temporal... ou.... o Antitelefone recursi- ... não... Oh! O SuperLaminal Ratificador de Processos! SLURP!

SG/ER/JW: [ri]

ER: Sério, Dr. Partridge? SLURP?

AP: O qu— Ok! Não tenho o talento de Sally para dar nomes. Tudo bem. Mas, sem um jeito de consertar isso, estamos empacados.

SG: Vai ser difícil ajustar a CELA pra um computador maior quando esse não funcionar.

JW: Essa coisa já toma metade do laboratório com todo o hardware dela. Se passar disso, a Dra. Grissom vai ser que trabalhar na Timepiece entre os bancos de dados C7 e C8.

SG: Não lá muito economicamente viável. Nem prático.

AP: Vamos lá, pessoal! Preciso de um resposta! Estou deixando algo crucial passar.

ER: Nós cuspimos na cara da praticidade o tempo todo, Dr. Partridge, e normalmente funciona. Um dos estranhos benefícios de conhecer a Dra. Grissom.

AP: Bom, normalmente ela tem algum tipo de insight mais ou menos agora…

SG: … Oh, então agora você quer minha ajuda?

[rádio sintonizando; música de Natal na copa]

JW: Então, Esther… você e Chet vão fazer algo no feriado? Hein? Você e Chet? Estão namorando, não é?

ER: O quê? Do que você está falando?

JW: Fala sério. Vocês têm se encontrado, não é? Desde uns meses atrás, o fiasco da CELA?

ER: Não! Por que isso sequer passaria pela sua cabeça?

JW: Bom, você têm sido tão reservada sobre o que aconteceu lá... Em um lugar escuro e fechado... Nada com que se ocuparem senão alguns quadrinhos desgastados...

ER: Hmph. “Desgastados”. É a isso que todo meu trabalho duro levou? Você é um ogro.

JW: Não, Esther, vamos lá, estou feliz por você! Não é bom estar com alguém? É exatamente o que você precisa. Quer dizer, há quanto tempo você não tem um pobre coitado na palma da sua mão? Desde o que, a faculdade?

ER: Desculpa, vai ter que repetir o que disse. Não consegui ouvir com todos os grunhidos e rugidos.

JW: Uh, se me lembro bem, você estava toda envolvida com a história de “empurrar Jack de qualquer jeito para uma linda e encantadora garçonete”.

ER: É, de nada, aliás. Como vai a Penny?

JW: Ótima. A lanchonete está fechada esta semana, então passamos a maior parte do final de semana juntos na ca— nós... hm... o passamos juntos.

ER: Ora, ora, Sr. Wyatt, nunca pensei que um cavalheiro como você seria indiscreto assim!

JW: Não mude de assunto. Quantas vezes Chet Whickman sussurrou baboseiras confidenciais no seu ouvido?

[Esther fica em silêncio]

JW: … Ele… oh, ele contou, não é? Ele lhe contou algo lá dentro—

[Jack desliga o rádio]

ER: Não aconteceu nada, OK? Eu tentei!

JW: Ah, vamos lá, o que você está escondendo? Desembuche.

ER: Não… não posso contar.

JW: … Sério?

ER: Não é porque eu não quero! Quer dizer, fala sério, Jack. Eu contaria. Mas Whickman, ele... Você me entende! Material super ultrassecreto, arma em mãos, portas trancadas! As pessoas que o incomodam não acabam bem.

JW: … Não sei se percebeu, mas o comando mudou bastante sua equipe, e você sabe tão bem quanto eu que não são daqui. São de Washington, ou de onde quer que a fábrica que os produz à tonelada é. Esses tipos da inteligência.

ER: Não vi nada.

JW: Viu sim! Não faça isso. Você também os viu, sei disso.

ER: Jack, já ouvi falar de paranoia, mas isso é só—

JW: Não é paranoia, merda! Eu sei que Whickman é assustador, mas não jogue os joguinhos dele, Esther! Você é melhor que isso. Olhe bem à sua volta, e me diga se não tem um clima no ar igual a depois... depois do que aconteceu... A festa de Natal. Ano passado.

ER: E se tiver?

JW: Olha, Penny e eu temos conversado. E ela...vamos pegar o próximo trem para fora daqui, Esther. Próxima parada: qualquer outro lugar.

ER: Então… vai nos deixar.

JW: Nosso ano acabou, os agentes do governo estão aqui, e eles são como tubarões, Esther. Tubarões que farejaram um rastro de sangue na água. E eu não vou ficar pro jantar.

ER: Então é assim? O governo chega aqui e você se manda?

JW: Sim! Agorinha, o mais rápido possível! Riki-tik, como dizem os marinheiros! Antes que Donovan ou Whickman ou nós possamos causar mais danos, Esther! Já se esqueceu de Victor Lambert, Natal passado? Ou Quentin Barlowe, antes disso? Esses homens foram destruídos. Eram bons homens, e o governo dos EUA os usou até não sobrar mais nada.  

ER: Eu me lembro, mas você não pode atribuir isso a... Ainda estamos no escuro sobre o que aconteceu com ele.

JW: “No escuro”? Engraçado você mencionar isso, porque é exatamente como me sinto agora! Você passou um dia “no escuto” com Chet Whickman, e agora está jogando o jogo deles. Verdade ou mentira?

ER: … O que nós fazemos é complicado. Saber de todos os detalhes não torna o que precisamos fazer mais fácil.

JW: Você soa como eles, Esther. Soa como Whickman e Donovan e todos os outros homens sem rosto e de terno cinza que dirão qualquer coisa para que mantenhamos nossas cabeças baixas e o progresso na pesquisa. Você... Pensei que quiséssemos ajudar as pessoas. Quem foi a última pessoa que a Timepiece ajudou? Não consegue dizer, porque não tem nenhuma! Ela arruinou vidas, Esther, dos modos mais terríveis! E a Dra. Grissom...

[Esther levanta, vai até a pia]                     

ER: Ela nunca fala da família. Já percebeu? Não parece certo que ninguém pensou em perguntar.

JW: Ela só evitaria a pergunta. Onde você quer chegar?

ER: Você quer mesmo ir embora?

JW: Quero ir embora. Quero que todos nós vamos! Por que é tão importante naufragar junto com este navio?

ER: Porque talvez ainda haja uma chance de eu– de nós fazermos bem com a Timepiece. Se nos convencermos de que não vale a pena, ninguém nunca mais vai ter essa chance.

JW: Então, se o navio está afundando, você prefere ser a pessoa ao leme. Esse é certamente um tipo de loucura bem específico.

ER: As pessoas costumavam pensar isso sobre visionários. Agora sabemos que eram corajosos. Você poderia ser isso para Penny, Jack. Poderia ser isso para nós também.

JW: … Devo convidar Sally para o Natal, certo?

[rádio sintonizando; Timepiece acelera; Sally digita em um teclado]

AP: Desta vez vai. Desta vez vai. Desta vez. Vai.

SG: CELA iniciando em 3, 2, 1.

[CELA energizando, desacelerando; imprimindo]

SG: Iniciada. Como estão meus bebês?

AP: Estão aqui, mas… Ah, merda!

SG: Mesmo resultado?

AP: Olha isso. Cada resultado está fragmentado de um jeito completamente único. Um lindo e incompreensível floco de neve. Nenhum desses dados corresponde a nada que inserimos. Mais uma vez, então?

SG: Partridge, não sei quem está mais frito: a rede elétrica ou meu cérebro. São só 5:30, o que ainda te dá bastante tempo pra jantar– com a sua esposa.

AP: De novo isso? Sally, não posso ir para casa ainda!

SG: É Natal, colega, o que é meio que uma grande coisa por aqui.

AP: O sistema precisa estar funcionando no Ano Novo.

SG: Precisa?

AP: Sim. E prefiro não entrar em detalhes–

SG: Porra, Partridge, isso não é saudável! Não sei como deixar mais claro! Você vai definhar ou enlouquecer aqui, se continuar assim! Volte pra casa, pro que restou da sua família!

AP: Isso é quase engraçado, vindo de você.

SG: O quê?  

AP: Por que não deixa isso para lá? De início, apreciei sua preocupação, mas agora estou começando a perder a paciência com essa– essa obsessão que você tem! Estou ocupando espaço demais? Deixando você desconfortável? É a última pessoa que devia me repreender sobre folgas do trabalho!

SG: Foda-se. Tenha um feliz Natal, Partridge.

[Sally sai, rádio sintonizando]

SG: Diário de Sally Grissom, 24 de dezembro de 1946. Sabe, nunca entendi o Natal. Como coisa em si. Não entendo. Só me lembra de ser uma adolescente rabugenta, desajeitadamente espremida num canto de uma sala cheia de adultos que não fazem a menor ideia do que dizer pra você, ou até se devem dizer algo pra você. Uma ocasião feita pra aproximar as pessoas, mas que só te faz se sentir ainda mais sozinho. Eu costumava revirar meus olhos pro Natal assim que as pessoas começavam a trocar os enfeites fantasmagóricos por pisca-piscas. É só mais uma desculpa pros americanos encherem cada loja no país– pra espalhar um pouco do espírito natalino com seu dinheirinho suado! A mais incrível época do ano– fiscalmente falando!

Mas ando por essa cidadezinha montanhesca e… é como se toda a minha aversão se esvaísse. Porque, quer saber? Eles acreditam nisso. Não tem nenhuma árvore de plástico, ou lojas de departamento. O espírito natalino deles não é comprado. É real. Essas pessoas se reúnem em volta da lareira, e realmente se importam umas com as outras. Sabe? Tipo, que tipo de pessoa eu seria se não visse algo tão... [funga] É só... é difícil, sabe? Olha só o Partridge, ele está mais que feliz em estragar tudo quando nem sequer... nem sequer faz sentido.

Ele tem que saber, né? Tem que saber o que ela ‘tá prestes a fazer.

[batida na porta]       

ER: [do outro lado da porta] Olá?

JW: [do outro lado da porta] Ei, Dra. Grissom! Sally, está aí?

SG: Ah, merda. [funga]

[rádio sintonizando]

AP: Começando fase de teste de 20 variáveis, com o Processador Assíncrono alimentado pela CELA e transistores Grissom modificados. As variáveis de entrada se referem aos resultados do evento da morte de William Donovan.

[Timepiece acelera; Anthony digita variáveis; CELA ativa; resultados são impressos]

AP: Resultados do teste 44-C determinado com velocidade até então característica, com... os dados incompreensíveis característicos.

[Anthony amassa os resultados]

AP: … Natal. Natal agora, máquina do mal amanhã. Estou chegando, Helen.

[Anthony se levanta, derrubando seu gravador]

AGENT MARSH (AM): Oh, boa tarde, Doutor.

AP: Uh, boa tarde. Posso ajudar com alguma coisa?

AM: Não, senhor, só fechando pela noite, e me assegurando que todos voltem para casa para aproveitar um pouco o Natal.

AP: Bom, hm, eu estava justamente me arrumando para isso, se me der um momento.

AM: Temo que terei que lhe pedir para sair agora, Doutor, se puder deixar tudo como está.

AP: Por que, Sr…?

AM: Marsh, senhor. Agente Nicolas Marsh.

AP: Agente… Entendo.

AM: Preciso fechar tudo, se não se importa.

AP: Não, certamente. É claro. Feliz Natal, Agente Marsh.

AM: Para você também, Doutor Partridge. Deus lhe abençoe.

[rádio sintonizando]        

JW: [do outro lado da porta] Sally, abra a porta! Temos uma pergunta!

ER: [do outro lado da porta] Tem uma campainha, Jack, talvez ela não consiga nos ouvir–

SG: Um segundo!

[porta abre]

JW: Sally! Ainda está aqui, ótimo!

SG: Que foi, pessoal?  

ER: Estávamos com medo de o Dr. Partridge já ter perguntado– espera aí, você estava–

SG: Entrem logo, ‘tá congelando aqui!

[Esther e Jack entram; porta fecha]

SG: O que foi?  

ER: Você estava chorando?  

SG: O quê? Não! O que estão fazendo aqui, aliás? Tenho um telefone.

JW: Tentamos ligar. Várias vezes, até. Caiu direto na sua Secretária-mática, tive que deixar mensagens.

SG: Secretáriatron. De novo: você, aqui, por quê?

JW: Sozinha em casa na véspera de Natal, chorando sobre seu gravador de fita, [fareja] sóbria, pelo jeito, e com o telefone desconectado? Meu deus, se tiver comida congelada no seu balcão da cozinha, Sally, acho que vou perder minha vontade de viver.

ER: Jack, por favor. Sally, odeio concordar com… qualquer uma dessas coisas, mas vamos lá. Viemos aqui por você, sabe.

JW: Não tem uma reunião da família Grissom para qual você devia estar indo?

SG: [respira fundo] OK. Ok, ótimo. Sabe... posso estar cometendo traição ou algo do tipo, mas tudo bem. Não sou só uma cientista genial que inventou uma máquina do tempo. Sou do século XXI. Construí o protótipo da Timepiece por acidente. Apareci na proa de um navio de Guerra e vomitei na camisa toda de um marinheiro, quando ele me ajudou a levantar. E aí, Donovan me abduziu e levou pra Polvo. E aí... e aí, Donovan me abduziu e levou pra Polvo– Nada? Sério?

ER: Não acho que este trabalho nos surpreenda mais, Sally.

JW: E já cuspimos fogo por causa de viagem do tempo Natal passado. 

ER: Espera aí, nós fizemos o quê?

JW: … Conto para você depois.

SG: Estão falando sério.

ER: Estamos. Encare os fatos, você é diferente, sempre foi. As pessoas percebem, mas não são nós. Não saberiam o que estão procurando.

JW: E ninguém que já conheci fala como você. Ou come como você. Ou encara a xícara de café com uma expressão vazia quando está pensando em um problema como você.

ER: Ele está certo sobre sua dieta. É assustadora.

SG: Eu… Valeu? Obrigada? Acho? Por que estão sendo legais comigo?

ER: [fazendo sua melhor imitação de Whickman] Essa informação é confidencial, Dra. Grissom.

JW: Espera, você botou mesmo tudo para fora em cima de um marinheiro, quando chegou aqui?

SG: Na verdade… era o Whickman.

[Sally, Esther e Jack desatam a rir, estilo fim de episódio de série de comédia dos anos 70; Esther e Jack param antes de Sally, que começa a soar levemente maníaca]

SG: [ainda tomando fôlego] OK, OK, o que era tão importante que vocês se arrastaram até aqui, nesse inferno gelado, pra me dizer?

JW: Bom, estamos em cima da hora, mas já convidei a Roberts, que já fez a.. a vela estranha dela–

ER: É um menorah!

JW: –E Penny já disse que eu devia levar meus amigos, então... Quer passar o Natal conosco?

[Sally começa a chorar]

ER: Jack!

JW: Ai meus Deus, o que foi que eu disse, Sally… Ai meu Deus, por favor, Esther, conserte isso, conserte isso agora–

ER: O que foi, querida?

SG: [chorando] Não é culpa dele. Só estou um desastre agora. Valeu, Wyatt, eu adoraria ir. Definitivamente.

JW: OK, mas isso significa que podemos ligar seu telefone de novo? Para podermos rir das mensagens terríveis e ligar para você de fato, se precisarmos?

SG: Qual é a sua com meu telefone? Quantas mensagens vocês– deixaram?

[Sally conecta a Secretáriatron de volta e dá play; a fita está distorcida]

SG: ‘Pera aí…

[mensagem corrompida de Jack]

SG: Essa bobina inteira ‘tá corrompida?

JW: Queda de energia?

ER: É totalmente plausível, dado o consumo de energia do APU. Mas nunca ouvi sobre uma queda de energia causando um decaimento livre de indução assim.

SG: Mas ouve só, parece... um padrão. Um pulso. Decaimento de indução… Preciso ir pro laboratório!

ER: Mas acabamos de vir de lá!

JW: Aah, você está arruinando o Natal! Isso está igual àquela vez que meu pai caiu do telhado vestido de Papai Noel.  

SG: É um pulso de táquions! Vindo da Timepiece. Como o rastreador de sinal que desenvolvemos em março! Ou o apagão em Polvo? É o pulso! É claro que é o pulso! Preciso ir pro laboratório!

JW: Vamos mesmo voltar para o trabalho agora?

SG: Pense nisso como um presente de Natal pro Partridge.

[telefone toca]

JW: Viu? Alguém quer falar com você. Um milagre de Natal.

ER: Pode ser um milagre de Hanukkah.

JW: O Hanukkah é inventado, Esther–

SG: Vão esquentar o carro, já, já eu vou.

JW: OK.

[Jack e Esther saem; Sally atende o telefone]

SG: Alô?

[rádio sintonizando; vozes ao fundo no telefone]

SG: Alô?

HELEN PARTRIDGE (HP): Alô, Sally.

SG: Helen? Hm, olá, feliz Natal—

HP: Espero que esteja satisfeita. Sabe, com seu progresso. Sua colmeiazinha feliz.

SG: Não ‘tou entendendo. Helen, ‘tá tudo bem?

HP: Acho que você tem uma boa ideia de como “tudo” está. Não é surda ou cega como alguns de nós!

SG: Helen, se isso é sobre Anthony, eu—

HP: Cala a boca! Só. Cala. A. Boca. Uma vez na sua vida, não vai escapar de uma situação falando sobre ela até confundir todo mundo!

SG: Helen, por favor, só me diz o que aconteceu—!

HP: NÃO! Não! Anthony e eu– nós tínhamos uma vida! E aí ele aceitou uma oferta de trabalho do governo e as coisas ficaram difíceis. Mas éramos fortes! Ele me amava! Eu me arrastei até o meio do deserto, e nenhuma vez duvidei que ficaríamos juntos para sempre. Ele ia salvar a humanidade, e me fez acreditar que poderia fazê-lo. E quem um belo dia apareceu, senão o grande enigma que é Sally Grissom? A cereja no topo do sundae de segredos que todos levaremos para o túmulo, querendo ou não! Sabe, a última vez que subi no palco, tudo que queria era substituir as letras de uma música por todo segredo que já tive que guardar para você, ou Anthony, ou Bill Donovan. Cantá-los a plenos pulmões para esta cidadezinha ignorante inteira ouvir, com direto a bis!

SG: Me sinto do mesmo jeito.

HP: Não fale comigo como se você fosse igual às pessoas normais, Sally Grissom! Não sei o que acham que é comportamento aceitável onde você vem. O que você era antes de cair no nosso mundo como uma bota em cima de uma formiga.

[buzina de caminhote ao fundo]

SG: Helen, de onde você está ligando?

HP: Estou fora, Sally. Estou indo embora! Encontrei um empresário para o canto. Vão me ajudar a me mudar, a me estabelecer em um novo lugar.

SG: Onde vai ser isso?

HP: Não importa. Tenho algumas coisas para organizar antes de ir, então vou manter isso breve. Mas quero que me prometa uma coisa. Se algum dia me considerou uma amiga, faça isso por mim.

SG: Helen, o que quer que eu faça?

HP: Só… não diga nada. Não conte a ele.

SG: Então por que me contar?

HP: Porque agora você terá que olhar nos olhos dele e mentir. Mentir sobre algo que ele ama. Exatamente como você o obrigou a fazer comigo.

SG: … Isso é pesado, Helen. É… cruel.

HP: Sally Grissom, você é a pior coisa que já aconteceu comigo.

[Helen desliga; rádio sintonizando; tique-taque de um relógio de pêndulo; passos se aproximando do lado de fora pela neve; porta abre e Anthony entra, tira o casaco]

AP: Querida! Feliz Natal! Por que as luzes estão apagadas? Queimou o fusível? Helen?

[Anthony anda pela casa vazia; liga uma lâmpada]

AP: Helen? Sinto muito. Sei que voltei tarde, eu... tenho voltado tarde há tempo demais. Helen! Amor, você está aqui?

[Antony sobe as escadas, e então as desce]

AP: Não, não, não, não, ela não pode ter feito algo tão...

[Anthony joga o telefone no chão; o relógio badala; Anthony joga uma cadeira nele; rádio sintonizando]

SG: Diário de Sally Grissom, 24 de dezembro de 1946. Parte dois, acho. Acabei de chegar no laboratório pra checar o progresso que Partridge fez com o APU, e ele não ‘tá aqui. A ligação não completou quando liguei pra casa dele, então... acho que só vou deixar um recado? Posso estar exagerando. Quero estar. Mas, falando sério, só quero parar de pensar sobre eles. Sobre todo o Show da Família Partridge. Vou deixar um recado com minha teoria sobre pulsos radioativos na mesa dele, e passar a Véspera de Natal com meus amigos. Acho que, dessa vez, eu mereço.

[rádio sintonizando; Bill à beira da morte]     

BILL DONOVAN (BD): … E- e nós fizemos- nós faremos- nós fizemos- Whickman vai- é você? É você?

HANK CORNISH (HC):  Jesus, Maria, José. Quando ele ficou tão mal?

CHET WHICKMAN (CW): Vocês certamente não tiveram pressa para fazer isso.

HC: Não estou gostando do seu tom, filho. Eu disse a Bill que demoraria cerca de um ano, um ano atrás, quase no mesmo dia. Já pensou que talvez só esteja perto demais detudo isso?

CW: Não posso dizer que a pergunta já me manteve acordado à noite, senhor. Coisas demais para fazer além disso. Posso ser sincero, senhor?

HC: Vá em frente.

CW: Eu duvidaria da objetividade de qualquer um com esta função, mas tem sido a minha por anos, agora. Quer desmanchar esta missão? É direito seu. Mas não acho que vá acontecer.

HC: O que lhe dá tanta certeza?

CW: Você é um homem prático, que trabalha para homens práticos. Conheço essa operação da cabeça aos pés e, mais importante...

[Chet coloca uma caixa da mesa]

CW: –Sei onde todos os corpos estão enterrados.

HC: O que é isso?

[Hank mexe na caixa]

CW: Posso fazer uma de duas coisas, Agente Cornish: Posso destruir essa caixa inteira com uma bola de demolição, ou posso guardá-la. Uma dessas coisas lhe dará o mundo em que gostaria de viver. O mundo que ele sonhou.

HC: Olha só você estendendo as duas, que bonito! Só isso, ou tem mais?

[tosse de Bill piora; distorção estática; Bill desmaia]

HC: Bill!

CW: Filho da puta.            

HC: Agente Wells! Wells, chame um médico aqui, agora!

CW: Não! Agente Cornish, isso não vai ajudar.

HC: Como assim “não vai ajudar”?

CW: Sabemos o que precisamos fazer agora. Sempre soubemos.

[rádio sintonizando; uma maca leva Bill embora; Anthony entra]

AP: Oficial Whickman! Aquele era o diretor? O que diabos aconteceu?

CW: O que está fazendo aqui, Doutor?

AP: Bom, eu estava… Acabei de sair do laboratório. Sally deixou um recado sobre a CELA, sobre como as informações decaem junto com o padrão do pulso de táquions quando a Timepiece ou qualquer tecnologia ligada a ela é usada. E isso me deixou pensando— decaimento de informações é exatamente o que aconteceu com Bill! As informações no cérebro dele estão decaindo! Acho, bom, se o puséssemos na CELA, creio ser altamente provável que seja possível deter, se não reverter completamente, os sintomas dele. Essa é a melhor ideia que tivemos até agora!

CW: Vou mandar isso para análise e... programar uma demonstração assim que puder. Com licença, Anthony, tenho que ir.

[Chet sai; Anthony xereta a caixa]

AP: O que é isso? “Donovan: 28 de outubro, 1943”. “Donovan/ Grissom, janeiro de 44.” “Donovan/ Partridge–”… Que diabos?

[gravador de fita desliga]


ars PARADOXICA é criado por Daniel Manning e Mischa Stanton.
Episódio 09: Decaimento
características -

Kristen DiMercurio (Sally Grissom)
Reyn Beeler (Chet Whickman)
Rob Slotnick (Bill Donovan)
Robin Gabrielli (Anthony Partridge)
Susanna Kavee (Helen Partridge)
Katie Speed (Esther Roberts)

Zach Ehrlich (Jack Wyatt)
Dan Anderson (Hank Cornish)
Billy Finn (Agent Nicholas Marsh)

com agradecimentos especiais a Isabel Atkinson

 

Ajuda de produção de Bryan Williams / Ark B. Música original de Mischa Stanton.

12 16 01 01 | 01 26 04 04 | 18 23 08 16 | 12 11 | 19 19 26
WEATHER: showers