11: Sala Escura
ESCRITO POR DANIEL MANNING & MISCHA STANTON
PRODUZIDO POR MISCHA STANTON
TRADUZIDO POR JÚLIA OLIVEIRa
[EN]
[gravador de fita liga]
ANTHONY PARTRIDGE (AP): Alô? Testando, testando… Os níveis parecem OK. Acho que esta coisa consegue me ouvir. Ah, olá, meu nome é Anthony Partridge... Não imagino que você esteja ouvindo isto sem já saber disso. A data de hoje é... Merda, o que isso importa? É 28 de outubro de 1943, o que é, para mim, todo dia. Então, quando quer que for para você.
Quanto a onde estou, é difícil para caramba descrever. Por onde eu começo? Tem um chão. Uma plataforma de metal frio e escuro, do tipo que usam para fazer navios de guerra. Mas, além disso, não tem nada. Uma cortina preta como o breu me separando do resto do mundo e do próprio tempo. Nenhuma parede de verdade, nenhum teto de verdade, e uma força de repulsão quando coloco minha mão na fronteira.
É aqui que moro agora. Onde vou viver, respirar, comer e morrer. Esta sala é minha prisão. Minha cela. E não estou sendo dramático, chama-se CELA mesmo. Campo Extrínseco alguma coisa. Uma pequena bolha no tempo isolada a um único momento, presa ao convés do USS Eldridge no Estaleiro Naval da Filadélfia, na tarde de 28 de outubro de 1943. Este lugar, aqui e agora, é o nexo que torna viagem no tempo possível, e estou aqui para assegurar que o governo dos Estados Unidos aproveite ao máximo este serviço da ADRA, a Agência de Desenvolvimento de Recursos Anômalos.
As instruções que encontrei quando cheguei aqui chamam este lugar de “a Sala Escura”. Assumo o nome venha do lugar em que os subordinados de Napoleão liam as cartas de todo mundo, mas pode ser porque é literalmente uma grande sala escura! Minha missão é facilitar as comunicações entre várias iterações da ADRA através do tempo e do espaço. Mensagens, planos, inteligência, os resultados da liga de beisebol do ano que vem... Sim, um carteiro temporal. Que glamoroso.
Cheguei até a Sala Escura com a ajuda de uma versão da máquina do tempo da ADRA, que nós, não lá muito espertamente, chamamos de Timepiece. Fui mandado junto com todas as ferramentas e equipamento que jamais precisarei, rações de combate o bastante para me alimentar para sempre, e um computador especializado que inventei que se aproveita das propriedades da Timepiece para meio que “trapacear” e resolver problemas arbitrariamente complexos instantaneamente – o que é necessário para coordenar todos os futuros alternativos e linhas do tempo paralelos, e etc. e tal.
Mas não foi só isso que encontrei quando cheguei aqui. Havia uma enormidade de outras caixas e equipamento que foi mandado junto comigo. E é do futuro. Tem tanta coisa aqui que é meio difícil me locomover.
Adicionaram um monte de modificações ao APU, todo tipo de tubo e cabo e aparelho. Tem um grande fio saindo dele, conectado a algum tipo de aparelho de televisão e um teclado de máquina de escrever, provavelmente um terminal para os dados do computador. Tem uma grande estante com livros e jornais e documentos técnicos. Parece que tenho rações melhores também. Fico feliz de não ter que comer ensopado de carne todo dia até morrer.
Achei um ditafone eletrônico entre as caixas. De acordo com as informações no manual, ele tem capacidade de armazenamento de mais de 1000 horas de gravação, apesar de ser menor que a palma da minha mão. Já que o tenho, pensei que deveria gravar meus pensamentos. Não sei se alguém os ouvirá um dia, mas Sally jura que sim. Acho que ajuda ela a ter algo para que falar. Para conversar. Para ajudar a organizar os pensamentos. Talvez ajude a organizar os meus.
Há de ser tudo das versões futuras da ADRA, que tem melhorado o sistema através dos anos! O planejamento do meu trabalho continuou por décadas depois de eu ir embora. Não acredito que Whickman fez mesmo tudo isso.
[rádio sintonizando; quarto de hospital]
CHET WHICKMAN (CW): É difícil vê-la assim… Não sei se aguento perder as duas maiores mentes que já conheci na mesma semana.
HANK CORNISH (HC): Ela vai sobreviver. Esther a colocou em uma rotina incrivelmente rigorosa para se assegurar que ela não acabe uma idiota babona. Mas parece que o quer que aconteceu deu um tremendo choque no sistema dela.
CW: Chegamos a algum lugar na investigação da causa? Ela estava bem alguns dias atrás, e agora... isso?
HC: Não, mas o médico diz que deve ter sido totalmente repentino. Mesmo considerando de onde ela vem, a baixa exposição dela a paradoxos não teria causado sintomas tão ruins, tão rápido. Está estável, mas... ela tem um longo caminho pela frente.
CW: Os resultados iniciais parecem promissores. E Sally é uma lutadora.
HC: Não creio que chamaria os raios-x dela de “promissores”. Se tivessem a socorrido um pouco mais tarde, duvido que teriam sido capazes de ajudá-la.
CW: Ela teve a crise às 6:12, a notícia chegou às 6:13, e já estavam levando-a de maca às 6:14. Esses sujeitos da Timepiece são um milagre. Perdoe o trocadilho, mas parecem reloginhos.
HC: Mas só os usamos para as coisas erradas! Sério, Chet, aquela mulher não tem o menor respeito por este trabalho. Quantas vezes já não a salvamos?
CW: Não se pode colocar um preço em uma mente como a de Sally Grissom. Ela é única.
HC: Nunca entendi por que você e Esther gostam tanto dela. O que ela tem? Por acaso dá um sumiço no seu bom senso fazendo referência a cenas de filmes que nem sequer existem ainda sem parar?
CW: Você não a conhece como nós. Há mais em Sally que apenas ser do futuro. Já lhe contei sobre como ela inventou o PAT?
HC: Conte-me.
CW: Ela assumiu erroneamente que eu a estava acusando de assassinato. Inventou o PAT para provar a inocência dela. Construiu a coisa em apenas três dias, movida a nada além de café e força de vontade. E funcionou perfeitamente! Mal fizemos mudanças no design desde aquele primeiro dia.
HC: Não estou duvidando de que o que ela tem na cabeça é valoroso, mas Grissom é uma subversiva. Será problemático se ela cruzar com algo que não devia e fizer como Anthony Partridge.
CW: O que você sugere, então? Não é como se desse para extrair o conhecimento do cérebro dela. Não podemos simplesmente algemá-la a um radiador e pedir educadamente que pesquise divisão também. E já gastamos a carta de “prender o gênio na Sala Escura”. Precisamos dela, Hank. Gostando ou não, é a melhor candidata para o trabalho. E, se ela pode ser útil para nós, temos que mantê-la por perto.
HC: Como? Quer dizer, a mulher é praticamente uma comunista, pelo amor de Deus!
CW: Ela vai cooperar. Assim que vir o que estamos fazendo, vai entender.
[rádio sintonizando; ECG]
SALLY GRISSOM (SG): [incompreensível]
MÉDICO (M): Bom dia, Senhorita Grissom.
SG: (Doutora.)
M: Você sabe onde está, Senhorita Grissom?
SG: (DOUTORA Grissom.)
M: A-hã. Certo. Você está em um hospital, Senhorita Grissom. Sofreu uma lesão traumática no cérebro, e isso pode estar afetando sua habilidade de falar.
SG: Guhh–
M: Não precisa se exaltar. Na mesa perto de você, tem uma caneta e um papel. Consegue pegá-los?
[Sally derruba a caneta da mesa]
SG: (Merda!)
M: Não precisa se estressar, Senhorita Grissom. Você está em boas mãos. Vamos ajudá-la a superar isso.
[interfone]
M: Podem mandar alguém até o 1-16? Sally Grissom está acordada.
[rádio sintonizando]
M: OK, leia a palavra no cartão.
SG: Mahh.
M: Não, Sally. Isso é um trem. [devagar] Trem.
SG: Mow-mah.
M: Trem.
SG: Turmpeh.
M: Muito bem. Estamos progredindo.
[Médico troca o cartão]
M: O que é este?
SG: (Você é um cuzão.)
M: Novelo.
SG: (Vai se foder.)
[rádio sintonizando]
M: Você está indo bem, agora leia a frase na sua frente.
SG: [gaguejando] O rato... vai roer… a roupa do rei de Roma.
M: De novo.
SG: O rato… roendo… roupa. Rato. Roeu. Roupa.
M: Você consegue.
SG: Rato roía roupa. Rei de Roma.
M: [suspiro] Estamos progredindo.
[rádio sintonizando; muletas]
SG: Eu odeio isso.
M: Estamos treinando seu corpo de novo para fazer uma série de tarefas simples às quais você não dava valor.
SG: Me sinto como uma criança!
M: Você está indo bem. Só precisa cruzar este corredor.
[rádio sintonizando]
M: Certo, quero descobrir a verdadeira origem desses delírios.
SG: Não são… hm… sonhos malucos, sou trouxa! Não era pra eu estar aqui!
M: Sim, você acredita ser do ano 20█. O que lhe levou a essa conclusão?
SG: O que te levou à contrária?
M: Bom, para começar, é 1949. Aqui, dê uma olhada no meu calendário. 20█ simplesmente não faz sentido, entende?
SG: Mas sou de lá! Tinha essa coisa, a caixa do tempo e… Eu ‘tava no Texas, e depois na Filadélfia, e no Novo México, e no Colorado, e aí... Aí... Não consigo lembrar das palavras. Não sei as palavras.
M: Senhorita Grissom, por favor—
SG: Doutora. É doutora. DOUTORA Grissom.
M: Quando se sofre uma lesão cerebral como a sua, é possível que ficar confuso. Irritável. Pode-se recordar de acontecimentos que nunca ocorreram, de tempos que não existem. O futuro, essa máquina do tempo absurda... Nada disso é real, Senhorita Grissom. Você tem que aceitar isso se quer se curar. É perfeitamente natural ficar frustrada quando a realidade não bate com suas fantasias—
SG: Não são fantasias! Se isso fosse verdade, como eu poderia saber o nome de todo... presidente americano, pelos próximos oitenta anos?
M: OK, vá em frente.
SG: Truman, e depois… Hm… O próximo foi… Ok, tudo bem! Péssimo... exemplo! Mas é tudo verdade! Pergunte ao Whickman. Whickman vai te contar!
M: Sally, sinto muito, não posso continuar a incentivar suas ilusões. Quer dizer, que tipo de nome é Whickman? Vamos lá, vamos tentar mais alguns exercícios.
[rádio sintonizando]
AP: Então agora já expliquei o que, como, onde e quando… Eu… eu estive evitando falar sobre o porquê. Ainda é difícil pensar sobre. Minha esposa, Helen… Ela me deixou. Ela era… Pensei que fosse meu mundo, podia jurar que era. Mas acabei perdido no... no trabalho, acho. Perdido na minha própria cabeça. E ela me deixou.
Nunca a culpei. Nenhuma vez a culpei por me deixar. Eu me culpei, pode ter certeza. E então culpei Bill Donovan. Eu tinha prova em fita que ele tinha conspirado para tirar Helen da minha vida, e pensei... pensei que se pudesse só... Não sei. Não sei o que estava pensando. É como se estivesse tudo envolvido por um nevoeiro de raiva. E, quando saí dele, minhas mãos estavam na garganta de Donovan e ele...
Mas é tudo culpa minha. Quer dizer, claro, ele pode ter dado o último empurrão, mas ela não teria estado tão perto da beirada se eu não a tivesse colocado lá. Não a apreciei o bastante. O apoio, a lealdade dela. Os sacrifícios que ela fez por nós. Por mim. Sinceramente, como eu poderia culpá-la? Helen nasceu para o palco, e eu a tirei dele. Roubei anos dela. Arrastei-a nessa busca quixotesca por reconhecimento como “o homem que podia prever o futuro”. E olha onde eu acabei! [ri]
Aqui. Esse era o plano dele desde o começo, não era? Fazer com que eu acabasse aqui. Ele sabia. Não sabia como eu reagiria, mas... conseguiu mesmo me trazer para cá. Excelente trabalho, seu pedaço de lixo conspiratório!
Eu me pergunto o que ela está fazendo agora. Estará fazendo. Depois de ela ir embora. Depois de eu ir embora. Pelo menos ela pode tirar um final feliz de tudo isso. Espero que esteja feliz. Gosto de imaginar que está, estilo fim de filme. Finalmente pode fazer as coisas que sempre quis. Ela merece todo o sucesso no mundo.
Helen, se um dia você ouvir isso: Sinto muito. Sinto muito, muito mesmo. Nada disso devia ter acontecido. O que eu não daria para ouvir a voz dela mais uma vez.
[rádio sintonizando; escutando à fita]
SG: [na gravação] Mas é tudo verdade! Pergunte ao Whickman. Whickman vai te contar!
M: [na gravação] Sally, sinto muito, não posso continuar a incentivar suas ilusões. Quer dizer, que tipo de nome é Whickman? Vamos lá, vamos tentar mais uns outros exercícios.
ESTHER ROBERTS (ER): Que tipo de nome é Whickman, aliás?
[fita pausa]
CW: É inglês. Mas as pessoas sempre escrevem errado. Todo mundo sempre escreve sem o “h”.
ER: Nem me fale. Meu pai só mudou o nosso para Roberts porque ninguém conseguia escrever “Rubashkin.”
CW: Este psicólogo não está funcionando. Não podemos continuar escondendo o passado dela assim.
HC: Pensei que isolá-la do conceito de viagem no tempo era a única coisa que a traria de volta à realidade. Como podemos dizer a ela de onde vem sem expô-la a esse risco?
ER: Como quer que reconstrua a psique dela quando não paramos de mentir para ela? Concordamos que só a isolaríamos da ADRA até chegar o momento em que a mente fraturada dela pudesse lidar com a verdade, e ela está claramente mais que pronta!
HC: E quanto aos técnicos de laboratório? Não estão a estudando ainda? Fora testemunho, pensei que era o melhor jeito de determinar o que houve com ela lá.
ER: Não vamos conseguir respostas enterrando as memórias ainda mais fundo na mente dela.
HC: E o PAT?
ER: Os operadores relataram interferência cercando o evento. Tem atividade taquiônica demais na área para ter uma boa noção.
HC: Táquions?! Estou tão cansado de ouvir sobre táquions. Transformam-se em um oráculo pessoal, mas só se não cegarem você primeiro. Pés-no-saco mais rápidos que a luz.
ER: São fótons taquiônicos…
HC: Não dá para ver nada se não tem o bastante deles. Agora não conseguimos enxergar porque têm demais! Estou começando a achar que você só culpa os táquions por tudo de errado que acontece aqui.
ER: Hank, é desnecessariamente cruel manter Sally nesse estado, e você sabe.
CW: Esther tem razão. Não precisamos brincar com a cabeça dela mais.
HC: Meus garotos desenvolvem um plano infalível para reconciliação, e vocês nem o consideram. Assumo que vão prosseguir com seus planos de realistá-la?
ER: Sim, a menos que você tenha outro especialista em física de partículas quatro-dimensionais na sua agenda! É mais que uma questão de encontrar alguém tão capaz quanto ela, também temos que encontrar uma pessoa talentosa assim que se especialize nos campos esotéricos de estudo de que a Timepiece precisa, que seja forte o bastante para resistir à doença, e que não se importe de desistir de sua vida pessoal. Não é como se fizéssemos publicações, ou pudéssemos colocar um anúncio. Tudo isso fora o fato de que ela sabe mais sobre a Timepiece que qualquer pessoa no mundo, inclusive eu. Encare a verdade, ela é a única pessoa para o serviço.
HC: OK. Tudo bem, mas você sabe que tem outro grupo de pessoas que são tão capazes quanto ela de resistir à “doença”, como você chama. Sempre podemos trazer alguém de volta de 77.
CW: Esses agentes fazem uma confusão danada no nosso ponto de partida. Nunca leu os relatórios? É como importá-los de outro país. Pior, já que também têm que abandonar as famílias, os amigos e as vidas inteiras deles para voltar ao agora. E você já ouviu Sally reclamando sobre sentir falta dos deliveries de pizza e dos telefones portáteis dela. Deus, só o bônus de assinatura...
HC: Então é a Grissom mesmo.
CW: De acordo. Esther, você devia ir visitá-la. Está recuperada o bastante. Melhor tirá-la daquele hospital Potemkin antes tarde do que nunca.
ER: Claro, mas, antes, tem mais um assunto a ser resolvido.
CW: Vá em frente.
ER: O abastecimento da Sala Escura está se mostrando uma tarefa mais substancial que tínhamos antecipado. Mesmo se tratando de apenas uma atualização a cada dez anos, vai requerer uma quantidade de planejamento e pesquisa inacreditável para funcionar.
HC: O quão difícil pode ser mandar um pacote com comida e suprimentos de volta?
ER: Você tem que se dar conta do quão instável a Sala Escura é. Lembre-se, tudo chega lá ao mesmo tempo em que Anthony chega. Do ponto de vista dele, na hora que chega, terá todo pacote que enviamos para ele, de dez, vinte, trinta, cinquenta, quem sabe quantos anos na frente. E, uma vez que mandamos um pacote, não podemos desmandá-lo depois. É cumulativo. O que quer que mandemos daqui a dez anos tem que se encaixar bem na configuração original dele, assim como ser compatível com atualizações futuras. E só achar espaço para tudo isso, levando em conta o tamanho fixo da CELA dele... Você não iria querer teleportar um computador para o meio do peito dele.
CW: Não, obrigado.
HC: Oh, se me dão licença, tenho um voo a pegar.
CW: Recrutamento?
HC: Vou para Seaboard. Estou de olho em um professor da Universidade de Delaware que pode se encaixar nos nossos requisitos. Desejem-me sorte.
[Hank sai]
CW: Esther? Quando você vir Sally, descubra o que aconteceu. E diga a ela…
ER: Sim?
CW: Diga a ela que estou feliz que está bem.
[rádio sintonizando]
AP: Tenho uma confissão a fazer. O único motivo de eu estar aqui é para usar este terminal para mandar mensagens, mas... não tenho feito isso. Nada. Já faz uma semana... ou pelo menos dormi sete vezes desde que cheguei aqui. Do jeito que o sistema funciona, novas mensagens não podem chegar até eu mandar a antiga, então tudo que tenho aqui é a primeira mensagem mandada pela rede. Então pensei “Ei, tenho todo o tempo do mundo, posso começar quando eu quiser!”.
Passei meu tempo examinando as coisas que mandaram de volta para mim. Tem livros, revistas, jornais científicos. Acho que música também, mas não consigo descobrir como essas gravações de vidro funcionam. Fico lendo uns livros de loja de 1,99 de um sujeito chamado Stephen King o tempo todo. O cara sabe exatamente do que está falando. Ele sabe como é ter medo do escuro.
É estranho ver como as coisas mudarão nos próximos trinta anos. Ou, na verdade, o quanto não mudarão. Ainda estamos sofrendo com espólios de guerra. Ainda fazemos a festa ganhando guerras em que provavelmente não devíamos ter nos metido. E a Ameaça Vermelha parece se infiltrar em todos os aspectos da vida em que já estava se enraizando quando eu fui embora. Pulei em um novo mundo de cabeça, e no fim não era tão diferente daquele que eu deixei.
Na verdade… acho que este é meu mundo agora. Uma única sala cheia de tecnologia e estantes de livros. Mas todas as distrações do mundo não se comparam a ter um propósito, uma razão de ser. Acho que posso fazer disto aqui minha aposentaria e mandar meus chefes na ADRA todos tomarem naquele lugar, mas isso parece quebrar o acordo que fiz. Farei. Terei fei– Hmm. Isso é difícil.
E, é claro, se eu nunca fizer o serviço, então o plano de Whickman nunca funcionará em 1947, e não faria sentido que continuassem a adicionar coisas à Sala Escura durante os anos 80. Isso significa que estou destinado a fazê-lo de qualquer jeito? Que não tenho uma escolha?
Sabe, Heidegger diz que a presença é uma função no tempo, que definimos nossa consciência, nós mesmos, como a marcha incessante em direção à morte, ao não-ser. Não podemos ser se não experienciarmos o tempo. E, de certa forma, ainda o faço. Meu cérebro parará de funcionar eventualmente. Mas, por outro lado, o tempo– não acredito que estou prestes a dizer isso– o tempo não me experiencia. Nesse sentido, sequer existo? Minha mente atual sequer importa se só posso experienciar o mundo por meio de um não-lugar que, em si, não tem nenhum conceito de tempo?
Espera aí. Do que estou falando?! Preciso parar de ler essa bobajada filosófica! É depressiva e não faz sentido. Vou me limitar a pulp fiction a partir de agora.
[rádio sintonizando]
ER: Sally?
SG: Esser?
ER: Oh, não queria acordar você.
SG: ‘Pera aí, Esther?
ER: Desculpa, posso voltar depois, se você quis—
SG: Estou sonhando?
ER: Bom… Quer dizer, se você estivesse, em que minha resposta ajudaria?
SG: Ah, graças a Deus, é você! Você... Você tem que me tirar daqui agora. Eles se recusam a acreditar em mim sobre a Timepiece—
ER: Shh, shh, shh, eu sei. Vou fazer o que puder para tirar você aqui. Nós ouvimos sobre o que está acontecendo.
SG: … Quem são “nós”?
ER: Bom, Whickman e eu.
SG: E…
ER: E Hank Cornish.
SG: Cornish? A víbora da CIA? Fico fora por alguns meses e vocês começam a trabalhar com aquele idiota?
ER: Não… Sally, tem seis meses que você acordou. E ficou em coma por um ano, antes disso.
SG: Um ano?!
ER: Você não faz ideia do que aconteceu com você, faz?
SG: Não consigo lembrar, me disseram que eu tive um-um AVC por estresse...
ER: Você sofreu um… um ataque. Uma doença violenta. Está relacionada à Timepiece. Algo relacionado à exposição a estruturas não-causais. Gerou algum tipo de crise cerebral. É o pior caso que vimos até agora.
SG: Borbeleta.
ER: O que foi isso?
SG: Eu… Hm. Não sei. Só me lembro de algo sobre uma borboleta. Você disse que fiquei em coma por um ano?
ER: Bom…
SG: O quê?
ER: Bom, a única forma que conhecemos de tratar sua condição é...
SG: Ficar dentro da CELA.
ER: Sim, isso mesmo.
SG: … Como eu sabia disso?
ER: Para o seu tratamento, você passou dois segundos dentro da CELA para cada segundo que passava fora dela. Até que tivéssemos certeza que era seguro reacordar você.
SG: Hm- Eu perdi três anos?!
ER: Você teve sorte. Da última vez que isso aconteceu com alguém, demorou três décadas para poder sair.
SG: Então… O que eu perdi?
ER: As apostas de Donovan se tornaram realidade. Somos uma parte da CIA plenamente realizada, mesmo que em total sigilo. Jack foi embora. Helen foi realizar o sonho dela, e...
SG: Anthony se foi. E nunca o veremos de novo.
ER: Sim. Ele se foi.
SG: Eu sabia que você ia dizer isso.
ER: Sally, do que você se lembra?
SG: Não sei. ‘Tá tudo só nadando na minha cabeça. Coisas vagas. Borboletas. Nuvens. O som de trovão. Lembro de olhar nos olhos da minha mãe, e aí... ‘tou comendo torta de abóbora na cozinha dela? Memórias da minha infância, acho. Talvez eu tenha ouvido sobre Anthony enquanto dormia.
ER: Tem um lugar pra você, Sally. Na ADRA.
SG: Como assim?
ER: Precisamos desesperadamente de pessoas que entendam a Timepiece. Estou tentando juntar alguns cientistas antigos para liderar equipes.
SG: Então a ADRA é, tipo, uma coisa de verdade de novo?
ER: Ainda mais que antes. É um animal completamente diferente. O que estamos fazendo deixaria você tonta. Hm... Desculpa aí.
SG: Vocês são espiões agora.
ER: Simplificando assim, sim.
SG: Você disse que tem um lugar pra mim?
ER: Tem, mas você tem que melhorar primeiro, Sally. Precisa clarear sua mente... Acho que será melhor se procurar um especialista.
SG: Hã-hã. De jeito nenhum. Não vou voltar naquele cara!
ER: Não, é claro que não. Aquele idiota já fez estrago o bastante. Temos outra pessoa em mente. Ele não vai tentar convencer você que Whickman não é real, eu prometo.
SG: E ele é? Porque nunca tenho certeza. Não tenho certeza de nada mais. Acha que não percebi que aqui não é um hospital de verdade?
ER: … Tem médicos de verdade que tratam de você de verdade...
SG: Não tem mais nenhum paciente. Só tive que descer um corredor pra chegar a qualquer outra parte desse lugar, independentemente de onde seria num hospital de verdade. É um set barato.
ER: É uma área de teste.
SG: Então é um set!
ER: Se mais pessoas ficarem doentes como você, queremos ter algo preparado para elas. E, quer saber? Ter um lugar com a aparência familiar de hospital de cidadezinha ajudou bastante a tratar sua loucura de viagem no tempo ou sei lá o quê. Não é como se houvesse realmente um Hospital Geral de Ponto de Exílio. E, isso já entra um pouco em minúcias, mas temos um orçamento limitado, afinal. Especialmente quando se trata de coisas que não são máquinas do tempo. Portanto, construir um hospital de tamanho real não é realizável.
SG: É disso que eu ‘tou falando! Todas essas mentiras e jogos e... Eu sei que vocês ‘tão no lugar certo, mas não ‘tou pronta pra isso ainda. A Timepiece roubou anos de mim. Preciso me recuperar. Vou tirar um período sabático. Não vou voltar. Isso é demais pra mim. Tudo isso, é demais.
ER: Acho que você está tomando a decisão errada, mas a escolha é sua. Vou lhe deixar o cartão do especialista, de qualquer forma. Avise-me se mudar de ideia.
SG: Eu diria que você vai ser a primeira a saber depois de mim… mas, pra falar a verdade, provavelmente vai saber antes de mim, né?
ER: Provavelmente.
[Esther sai; rádio sintonizando]
AP: Ainda não tentei mexer no computador, mas tenho examinado a documentação deste lugar e... as chances são mínimas, mas acho que dá para contatar o mundo lá fora. Quando os dados são transmitidos para fora da Sala Escura, imitam um sinal de alta frequência, usado por navios ao se comunicar com a terra firme, que coleta as mensagens e as segura até estarem prontas para serem transmitidas. Mas tem um pacote de informações que é enviado com todas as mensagens. É pequeno, mas tem o espaço certinho para enfiar mais alguns bits nele.
Ainda tenho algumas coisas a resolver. Primeiro, equipar o pacote de controle para incluir os dados que quero, o que não deve ser muito difícil. Mais difícil é descobrir como programar um sistema com tão poucas instruções de cada vez. O maior problema de longe é que só posso mandar algo para momentos para que outra mensagem da Sala Escura foi mandada. Então, se quero contatar, digamos, 1952, e todas as mensagens vão para todo ano menos esse, estou sem sorte. Isso também significa que tenho que começar a operar a Sala Escura de verdade, se quiser fazer qualquer contato com o mundo exterior.
E então eu volto ao dilema moral de ser cúmplice de atos que senti que traíam tanto meu senso de humanidade que matei um homem com minhas próprias mãos. Se eu ajudar, então Donovan vence, e eles transformam viagem temporal em uma arma. Mas, se não ajudar, enlouqueço de solidão. Queria poder só perguntar a alguém. Qualquer um que pudesse apenas responder. O que eu não daria.
É a hora da verdade, acho. Tenho a primeira mensagem. Eu devia lê-la de uma vez, acho. Vai me ajudar a decidir.
[Anthony abre um envelope]
Oh. É, isso definitivamente decide a questão. Sally está em apuros. Minhas mãos estão atadas. Tenho que mandar esta mensagem. Alguma coisa aconteceu com ela. Deve ter encontrado com um viajante temporal ou algo relaciono à Timepiece. O que quer que seja, é grande.
[digitando]
Choramingos existenciais são insignificantes quando as pessoas com quem você se importa estão em perigo mortal. Vou iniciar a Sala Escura, e Chet terá o que quer, e Sally não precisará morrer. Que merda, Bill, você ganhou de novo.
[rádio sintonizando]
SG: É só… é como se tivessem seguido em frente sem mim. Na verdade, não é como se tivessem seguido em frente sem mim. Seguiram em frente sem mim. Quer dizer, não sei por que esperava que ficarem, mas... Não sei. Não escolhi ficar em coma por um ano, mas quem escolhe?
Eu só queria saber. Queria saber o que aconteceu comigo, como acabei lá. Mas ‘tou com medo. E se eu não gostar do que encontrar? E se só piorar minha condição?
Sinto falta dos meus amigos. E sinto falta do meu trabalho. Mas esse é o único caminho que posso seguir. Tenho que me recuperar. É tudo que tenho. Estou completamente sozinha aqui, no meio do exílio. Não tenho ninguém, não tenho nada aqui! Sem o trabalho, não tenho rumo. Não só se tratando da minha carreira, tipo... em tudo! Não é como se tivesse uma família pra qual eu pudesse voltar, ou velhos amigos de faculdade pra incomodar. Sou só eu. Podia tentar ir pra fazenda da família, ver se tem algo lá com que eu possa me ocupar. Ainda me lembro de como carregar feno. Poderia limpar celeiros. Viver o sonho pastoral. Esquecer da minha antiga vida. E da minha mais que antiga vida. Vejo o apelo disso.
Talvez essa seja simplesmente minha parada. Talvez isso seja tudo que tenho. Tudo que jamais terei. Só eu, a garota sem nome, vagando pela terra vazia. Há sempre a opção de desaparecer. Wyatt fez isso, de algum jeito. Talvez eu possa encontrar ele. O que você acha?
[sons de uma lanchonete]
Garçonete (G): Hm, sinto muito, mas tenho outras mesas…
SG: Oh, é claro. Você, hm, você é nova, certo?
G: Estou trabalhando aqui tem um ano e meio. Não tão nova.
SG: Deixe-me adivinhar, a última garota que trabalhava aqui fugiu com um cara.
G: Você já esteve aqui antes, ou algo do tipo?
SG: Algo do tipo.
[rádio sintonizando]
AP: Eu vi algo da primeira vez que desliguei as luzes para dormir. Uma luz na escuridão. Tentei fingir que não estava lá, mas estava. Finalmente percebi o que é.
É você, Sally. É você, apenas nanossegundos antes de chegar aqui. Antes de eu lhe conhecer. Antes de tudo acontecer. Ainda era uma parte de 20█. Não tinha a menor ideia do que estava acontecendo. E agora estou no mesmo barco que você. Jogado fora do tempo, isolado de todos que já conheci. Sinto muito por isso ter acontecido com você Sally. Nada disso teria acontecido se sua máquina e o Gerador Arco-íris de Lambert não tivessem funcionado tão perfeitamente juntos, de um jeito tão inesperado. Eu não estaria aqui, Bill estaria vivo, você ainda estaria feliz no futuro.
Você era feliz lá? Acho que nunca perguntei. Você não gosta de falar muito no assunto, isso dá para dizer. Mas tirou o melhor que podia de uma situação terrível nos anos 40. Você não ganha crédito o bastante pelo meu otimismo. Em retrospecto, estou surpreso que você sobreviverá os primeiros dias aqui. Mas, agora, não precisa. Agora, na minha eternidade, você é uma estrela brilhante em um oceano de escuridão.
[rádio sintonizando; Sally abre a porta dela, entra, joga as chaves na mesa; aperta play na Secretáriatron]
SG: [na gravação] Oi, eu, sou eu! A menos que não seja eu, nesse caso NÃO OUÇA ISSO, essas são as minhas mensagens particulares da Secretáriatron. Você tem– SEIS. OITO. – mensagens, e vou tocá-las pra você agora! Te sou depois, eu do futuro!
SG: Ugh. Eu sou terrível.
[bip]
Mensagem de Voz 1: Eu hm… estou tentando entrar em contato com Sally Grissom sobre a assinatura dela da Popular Mechanics. Parece que o pagamento está atrasado seis me–
[Sally deleta a mensagem; bip]
Mensagem de Voz 2: Gente, mas que interessante! Olá, aqui é Carol Ludgate ligando em nome da Primeira Igreja Episcopal–
[deleta; bip]
Mensagem de Voz 3: Olá, aqui é John Beverly, ligando do Serviço de Mensagens Rapidinho, Inc. Tenho uma mensagem para você de um... Anthony Partridge.
SG: Hã?
Mensagem de Voz 3: A mensagem é a seguinte: Trabalhando de DJ na Filadélfia no momento VÍRGULA por favor visite VÍRGULA traga seus melhores relógios VÍRGULA adoraria ouvir sua voz de novo PONTO FINAL. Muito obrigado, tenha um bom dia.
SG: … ‘Pera aí, o quê?!
[gravador de fita para]
ars PARADOXICA é criado por Daniel Manning e Mischa Stanton.
Episódio 11: Sala Escura características -
Kristen DiMercurio (Sally Grissom)
Reyn Beeler (Chet Whickman)
Katie Speed (Esther Roberts)
Robin Gabrielli (Anthony Partridge)
Brock Bivens, Lia Peros, Austin Beach (vozes adicionais)
com agradecimentos especiais a Isabel Atkinson
Música original de Mischa Stanton e Eno Freedman-Brodmann.
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