12: Recurso

ESCRITO POR Julian Mundy
PRODUZIDO POR MISCHA STANTON
TRADUZIDO POR JÚLIA OLIVEIRA
[EN]

[gravador de fita liga; um parque; Lou e David jogando xadrez]

LOU GAINES (LG): Xeque! Sabe, dizem que estratégia é sua própria vontade projetada no mundo real e, de onde estou, está parecendo que sua estratégia é me deixar ganhar.

DAVID MARIAN (DM): Parece que sim.

LG: O que está lhe incomodando hoje? Você aparece com cara de quem comeu e não gostou, não fala nada sobre e, de repente, seu jogo cai aos pedaços.  

DM: Só não estou no clima para jogar hoje, Lou, OK?

LG: No clima ou não, filho, você precisa de todo o treinamento que puder se não quer se envergonhar no torneio. Não falta nem uma semana, e você ainda tem aulas, a concessionária... Se essa cara sua é porque alguma mocinha lhe deu um fora, eu digo “bom”. Você não precisa de mais distrações.

DM: Não é– Não vou participar do torneio.

LG: O quê? David, por que diabos estou aqui senão para ajudar você a ficar bom o bastante para jogar?

DM: Fui até o centro comunitário hoje de manhã para fazer minha inscrição. Entro e vou para a mesa, sem problema. O bobo alegre com a prancheta dá uma olhada para mim, e vejo o sorriso escorregar para fora da cara dele como um pedaço de gema mole. Eu digo que quero me inscrever, ele me fala que não tem mais vagas. As pessoas já estão começando a fazer fila atrás de mim, então sei exatamente o que ele está fazendo, e sei que eu não devia me incomodar, mas não. Não, eu sigo em frente, insisto que deve ter algum erro e que não tinha nenhuma placa dizendo que alguém como eu não era bem-vindo. Ele insiste de volta que não, não tem nenhum erro, e que eu devia parar de segurar a fila. Consigo enxergar nos olhinhos de porco dele o que quer dizer, mas não vai se rebaixar o bastante para fazê-lo. E fico com aquela sensação de leveza que sei que significa que tenho que sair dali antes de dar uma surra nele e ter que ligar para você depois, pedindo dinheiro para a fiança. Então aqui estou.

LG: Bom, fico feliz que nenhum sangue foi derramado desta vez. Não iríamos querer um bis daquele garoto branco no Monte Cassino.

DM: É, estão tão orgulhoso de mim mesmo.

[David derruba o rei dele]

DM: Então podemos só adiar isto por um tempo? Não tem nem sentido mais, de qualquer forma.

LG: O sentido é pegar o que sei que você tem e polir até brilhar. Se você quer vencer, é melhor ser consistente. Além disso, tenho o período sabático inteiro para passar encarando a parede, então prefiro não começar tão cedo.

DM: O que você– Espera, foi isso que aconteceu naquela reunião de que você estava falando?

LG: Bom… Bom, o Diretor Meadows tinha que fazer algo quando os pais começaram a bombardear o escritório dele com ligações sobre os “filhos e filhas sendo submetidos a influências soviéticas”.

DM: E isso é linguagem acadêmica para o quê?

LG: Parece que alguns dos meus estudantes se incomodaram com o conceito de investigar as diferenças entre a imprensa soviética e a nossa. Alguns estudantes entregaram trabalhos muito bem escritos e pesquisados, e o resto deu um ataque agudo de “patriotismo” e ligaram para casa para contar para a mamãe e para o papai. “Período sabático compulsório” é do que estão chamando, por hora. Assim que conseguirem reunir o bastante para levantar uma dúvida verdadeira sobre minha ideologia política, pode apostar que encontrão uma solução mais permanente.

DM: Mas você é um herói! E tenho certeza absoluta de que você não é um maldito comuna!

LG: David, vamos só jogar de novo, não quero envolver você nisso.

DM: Alguém sequer mencionou sua dispensa honrosa? Sabem o que isso vai parecer para as pessoas?

LG: O ponto do comunismo é que ele se espalha, certo? Como um germe teimoso. Quem sabe o que trouxemos de volta conosco da guerra? E todo mundo– incluindo você, meu amigo– está perdendo a cabeça agora que os comunas estão testando as próprias ogivas. Somos o único país na história a usar A Bomba como uma arma ofensiva, então talvez os soviéticos tenham o direito de estarem um pouco assustados.

DM: Você está falando sério? Lou, você sabe o que Joe Stalin faz com o povo dele! Nós dois ficamos sabendo de soldados que estavam no meio daquela confusão toda. E os pobres bobos ainda veneram o sujeito como se nada tivesse acontecido!

LG: Você se preocupa com o que não pode controlar, filho, e esse é seu problema. Concentre-se na sua melhor linha de ação e verá as coisas se acertando. Agora, arrume o tabuleiro de novo, quero ver se está prestando atenção. 

[rádio sintonizando; Lou acende um cigarro]

LG: Misericórdia, Senhor, esse garoto…

HANK CORNISH (HC): Um dia eles aprendem, não é mesmo?

LG: [tosse, surpreso] Uh, com licença, senhor?

HC: Asseguro-lhe que isso não é necessário, senhor. Só queria uma palavrinha, se tem um instante. Espero que estar certo: você é mesmo o Capitão Louis Abbot Gaines?

LG: Isso mesmo, Senhor…?

HC: Beck, senhor, Francis Beck. Estou aqui em Dover em um serviço para um dos meus chefes no Departamento de Estado, como costuma acontecer, e queria me assegurar de que lhe fazer uma visita.

LG: Com que objetivo?

HC: Posso sentar no banco de passageiro? Preferiria que fizéssemos isso discretamente.

[Hank contorna o carro, entra]

HC: Assumo que deve estar ciente de pelo menos parte da ameaça que nosso país está sofrendo atualmente, Capitão.

LG: Veja bem, Senhor Beck, fui dispensado. “Professor Gaines” serve, por hora.

HC: Professor, nós na comunidade de inteligência temos motivos para acreditar que– e espero que mantenha a boca fechada sobre isso– há espiões soviéticos alocados aqui já faz alguns anos. Temos todas as razões para acreditar que os comunas tentarão enviar mais, e é por isso que nosso mais novo programa se foca nas raízes das iniciativas de defesa: contraespionagem plantada em casa para preservar a paz, por se dizer. Acreditados que homens como você– militares veteranos, homens de muitas habilidades– são candidatos ideias para nosso programa e, pelo que entendi, parece que você estará disponível no mercado em breve.

LG: Não está facilitando confiar em você, Senhor Beck. Se eu fosse outra pessoa, poderia considerar vasculhar meus negócios para me preparar para essa reunião um pouco rude.

HC: Temos nosso processo de recrutamento, assim como todo mundo. Nosso alcance apenas é maior.

LG: Certo, vou ouvir sua proposta, mas tenho uma condição. Tenho um amigo que pode merecer isso mais que eu.

[rádio sintonizando]

ANTHONY PARTRIDGE (AP): Relatório 22 da Sala Escura: as inspeções rotineiras em todos os sistemas não revelaram problemas mecânicos ou defeitos em nenhum lugar. Sinceramente, dada a natureza questionável de tudo isso, tenho uma chance decente de nunca me deparar com um único probleminha no sistema. Talvez a partes móveis nem estejam se movendo, e a coisa toda tenha se fundido em um grande diapasão para radiação taquiônica. E se for uma máquina de movimento perpétuo? A menos que alguém me tire aqui, provavelmente nunca terei certeza, e essa é quase a pior parte. Quase. A pior parte ainda é ficar preso em uma sala escura como o breu por um período interminável e difícil de definir. Mas é libertador, de certa forma, não ter que me preocupar com compras, contas, parecer apresentável para o trabalho, nada do tipo. Whickman provavelmente poderia tirar um tempo em um lugar como este, com todas as responsabilidades que tem. Um teste nuclear soviético em 1969 e ele começa a contratar a torto e a direito. Qualquer um, até. Nunca vi Whickman entrar em pânico, mas essa parece ser a versão dele de não aceitar bem as notícias. No fim, a ADRA agora tem uma razão para fazer o que sempre quis: espalhar-se como cogumelos no escuro. BT50, HM48, LG49, DM50, KS49... Estou começando a soar como um anunciador de bingo.

[rádio sintonizando]

HC: Seu nome completo para a gravação, por favor?

LG: Louis Abbot Gaines.

[rádio sintonizando]

DM: David Marian.

[rádio sintonizando]

HC: Senhor Gaines, segundo o meu entendimento, você e o Senhor Marian serviram na mesma unidade.

LG: Isso mesmo. Infantaria Móvel Três-Oitenta-Oitava.

HC: Enviados para a Alemanha?

LG: Itália. 130 quilômetros a sudeste de Roma, no Monte Cassino.

HC: Ouvi dizer que as tropas terrestres passaram por um inferno lá.

LG: Nunca vi nada parecido, antes ou desde então.

[rádio sintonizando]

DM: Eu era o engenheiro da unidade, então não fui exatamente recrutado para combate. Mas ajudei a assegurar que cada jipe e tanque com que cruzássemos fosse parar na guarnição fora do Cassino.

HC: Mas você atirava. Lutava, também. Fez sua parte dos dois, pelo que ouvi.

DM: Eu preferiria não entrar em detalhes sobre isso, se não se importa, senhor.

HC: Se você vai trabalhar para mim, tenho que saber. Já passou, só preciso ouvir os detalhes.

DM: OK. Então, estávamos no Monte Cassino há um bom mês, ouvindo granadas destruírem o maravilhoso campo italiano, e Lou me manda uma mensagem dizendo que temos que ir à cidade para ajudar uma pobre e covarde unidade que foi isolada. Então lutávamos com unhas e dentes contra aqueles Krauts filhos da puta e, quando chegamos até onde precisávamos ir, a divisão está derrotada, sem membros em condições de lutar. Estou tão agitado do caminho até esses garotos que mal me lembro de pular os destroços ou derrubar mais soldados alemães. Pode checar os relatórios pós-combate para conferir. Tudo de que me lembro é uma confusão de barulho, movimento e retirada, até voltarmos para o topo colina com vista para cidade. De repente, ouço um garoto de Oklahoma berrando sobre como Jimmy ainda estaria vivo se os macacos não tivessem demorado tanto. Eu ainda devia estar meio louco com a adrenalina... Não me lembro de estar batendo nele até alguém me puxar para trás com um full-nelson. E esse alguém era o Capitão Gaines.

HC: E ele assumiu a culpa por tudo, fiquei sabendo. Defendeu você quando todo o resto teria deixado lhe levarem para a corte marcial.

DM: Sim. Ele meio que me tomou como protegido, pode-se dizer. Ficou de olho em mim o bastante para me impedir de desacordar mais dos nossos garotos, pelo menos. Foi ele quem sugeriu que eu entrasse para a Delaware State.

HC: Onde o Senhor Gaines era professor até recentemente, pelo que entendi.

[rádio sintonizando]

LG: Isso mesmo.

HC: Então o seu período sabático não foi, na verdade, voluntário? O diretor da faculdade mencionou algo sobre mandar os alunos pesquisarem a boa e velha indústria de publicidade do Uncle Joe ou algo do tipo.

LG: A tarefa era analisar os efeitos do controle extremamente rígido sobre a imprensa que Stalin impôs, e dar uma opinião crítica sobre os efeitos dessa mesma tendência aqui. Um trabalho assustador demais para alguns, vejo agora.

HC: Então lhe despedirem por, o quê, fazer proselitismo para os russos? Levamos acusações como essa muito a sério, Senhor Gaines. Os tempos demandam que tomemos certas medidas, então as tomamos. Você adere à ideologia comunista, “todos os homens são iguais perante o Estado”, e coisas do tipo?

LG: Não, senhor, adiro à ideologia de “conhece o teu inimigo”.

HC: Ah, você soa como um homem que leu “A Arte da Guerra”.

LG: Correndo risco de soar melodramático, Sr. Beck, estar vivo em si é uma batalha para homens como eu. Matei homens. Não homens muito bons, mas homens. Eles tinham cor de pele diferente, linguagem diferente, motivações diferentes, até mesmo repulsivas, mas ainda eram homens. Às vezes você ouve pessoas perguntarem umas às outras do que elas abririam mão para manter seu país seguro. Nunca pensam no que temos que tomar para isso.

[rádio sintonizando]

HC: Você faria tudo pelo seu país, David?

DM: Sim, senhor, eu faria. Lou deixou difícil de superar nesse sentido, quando estávamos na Itália. Eu daria o meu máximo. Sr. Beck, amo o meu país.

HC: Obrigado, David. Nós–

[rádio sintonizando]

HC: Obrigado, Sr. Gaines. Nós entraremos em contato.

[rádio sintonizando; jogando xadrez no parque]

DM: Recebi a resposta de Beck hoje, exatamente como ele disse. Estou dentro. Querem que eu vá até um lugar no Colorado para treinamento.

LG: Você vai entrar, então? Combater o bom combate, como ele disse?

DM: Bom, faz sentido, não é? Eu ganho o bastante para me sustentar na Calvin’s, mas não dá para viver tranquilamente com aquele salário, e ainda tem meu débito estudantil... Além disso, ficaria bem ter trabalho para o governo no currículo, não é?

LG: Depende a quem você pergunta, imagino.

DM: Você acha que é a decisão errada?

LG: Bom, eles nunca contam mais do que acham que você deva saber, não é? Caso contrário, não teriam tantos voluntários. É uma questão de a coisa certa a se fazer, não de decisão errada. Xeque.

DM: Lou… Sei que nos tratavam como vermes lá, não importa o que fizéssemos. Mas pude ver o mundo, e tive que encarar o que um homem pode fazer a outro homem. Fizemos a coisa certa lá, independente de se nos agradeceram ou não. Se tenho que colocar minha vida em espera para salvar algumas outras, acho que poderia dormir tranquilo à noite, sabe?

LG: Heh. Sabe, você está começando a fazer sentido.

DM: Não...

LG: É, parece mesmo um xeque-mate, não é? Vamos, acho que acabei de ver Pete entregando a correspondência.

[rádio sintonizando; Lou abre a caixa de correio]

DM: Está aí? Espera, acho que é isso!

LG: Creio que sim.

DM: Então abre!

LG: Quer abrir? E saia de cima de mim, preciso encontrar minhas chaves.

DM: Haha! Ele é um bom companheiro…

[rádio sintonizando; em um ônibus]

LG: David. David, acorda, estamos aqui.

DM: [acordando] Hmm? Oh, OK, ótimo, isso é ótimo, eu... Meus Deus, é ainda pior que o folheto fez parecer.

LG: Mas eu estava certo sobre as montanhas.

DM: Dá para parar, por favor?

LG: O jantar parece bem gostoso.

DM: Acho que mudei de ideia sobre tudo isso, Capitão.

LG: Não funcionou antes, filho, não vai funcionar agora. E não tem nenhum Kraut tentando explodir você até o Reino do Amanhã desta vez, e tem uma vista melhor.

DM: Vou dar essa dica de graça: seus discursos motivacionais não melhoraram desde aquela época.

[rádio sintonizando; recrutas murmurando]

RAY VICO (RV): Como é bom vê-los, cavalheiros. Meu nome é Raymond Vico. Estarei encarregado de transformá-los em agentes de valor da ADRA, de livrá-los da gordura, de corpo e alma. Não tomem isso como uma crítica ao Senhor. O que fazemos, fazemos fora de vista de nossos concidadãos, para que possam prosseguir com suas vidas sem medo. Se cumprirem seu dever da maneira correta, nossas melhores esperanças são de que ninguém nunca fique sabendo, nem mesmo os outros agentes. Se sentirem que uma vida sob os holofotes faz mais o seu estilo, estão livres para sair a qualquer momento e perseguir a vida de showgirl, para mim dá no mesmo. Tagarele para qualquer em seu camarim sobre este lugar, sobre nós, e veja se acreditam em uma palavra. Isso é porque fazemos as coisas como fazemos, e este país é mais seguro por isso. A natureza da nossa existência é a prova do nosso poder e, se alguém fala de nós, fala de sombras que não pode tocar. Digam adeus a suas antigas vidas, cavalheiros, e boas-vindas a talvez a maior tarefa já exercida por homens livres. Comecemos.

[rádio sintonizando; recrutas lutando]

RV: Pés no chão, Hollis. Isso! Vamos lá, Sugimura, Gaines é manco e tem mais flexibilidade! Swift, fique debaixo do ombro dele e ele lhe fará pagar por isso, pode apostar. Marian, venha aqui. Todos, observem, essa postura depende de força nas pernas. Colocando-se atrás de seu oponente, você tem meios simples de incapacitá-lo, mesmo se ele tiver a sua altura. Preparado? Vai.

[Ray derruba David]

RV: Ótimo! Da próxima vez, troque de pé para o direito.

DM: Nunca vi ninguém se mover assim, senhor.

RV: Aprendi com um dos meus comandantes em Laos, só que ele me apagou de verdade.

DM: Enviamos tropas para Laos?

RV: Cale a boca e treine.

[rádio sintonizando]

RV: Este aparelho é conhecido como Kit de Campo da Timepiece. Vocês receberam explicações sobre a teoria por trás dela, uma vez que é o que nos permite operar como fazemos. É nossa ferramenta mais poderosa, e o uso dela é uma questão da mais severa necessidade. Programando-a para a data desejada– vejam aqui– e ativando-a, vocês viajarão até a mesma posição geográfica, na data inserida. E, como deveriam ter martelado em suas cabeças como uma oração de antes de dormir, qual é a data limite para as viagens? Sugimura?

KENZO SUGIMURA (KS): 29 de outubro, 1943.

RV: Bom garoto. E o motivo é, Gaines?

LG: Uma anomalia no tempo e espaço causada por um experimento do exército dos EUA. A Timepiece usa as energias focadas naquele lugar como um ponto âncora.

RV: Correto, e isso é precisamente tudo que estão autorizados a saber sobreo assunto.

[rádio sintonizando]

DM: –não conseguiria jogar uma pedra no chão sem errar! Ele joga todo arremesso que vem na direção dele para fora, como se estivesse rebatendo pela lei das médias.

KS: Acho que ele ainda está– Hm, bom dia, Agente Vico!

RV: Sim?

KS: Eu estava só, hm, desejando-lhe um bom dia, senhor.

RV: Para você também, Sugimura. Espero que estejam bem descansados, hoje começa o treino de privação de sono de vocês bobos alegres. E quem sabe? Talvez encontremos um jeito de deixar as coisas mais empolgantes.

KS: Ah. Mal posso esperar, senhor.

RV: Saboreiem sua aveia, cavalheiros.

DM: Boa tentativa. E, à propósito, os Cubs ainda não tem a menor chance sem o Cavaretta.

KS: Vá para o inferno.

[rádio sintonizando]

RV: Bom, senhor Sugimura, como se sente? Faz três dias que você não dorme, descreva-me seus sintomas físicos.

KS: [privado de sono; embolando as palavras] É como se... minha cabeça fosse de algodão. As coisas tão meio embaçadas nos cantos. Meio… meio enjoado. 

RV: Agora quero testar sua memória. Três dias atrás, você me desejou um bom dia e, antes de sair, eu disse quatro palavras. Pode me dizer que palavras eram essas?

KS: Ai meu Deus… “Tenha um…” Não. “Mal posso esperar, senhor”?

RV: Não, isso foi o que você disse. Quais foram as quatro palavras que eu–

KS: Não sei, merda, não sei! Não consigo me lembrar, não consigo pensar...

[Ken cai; os recrutas riem]

RV: Vocês podem ter que ficar ativos por longos períodos, cavalheiros. Cumprir um objetivo em uma pequena janela de tempo que não permitirá descansos. Lembrem-se do nosso amigo Sugimura quando atingirem o terceiro dia e vão com calma. Tomem cuidado em seus movimentos. Controlem suas emoções. Agora, alguém pode pegar uma cadeira para ele para que eu possa continuar?

[rádio sintonizando]

RV: Cavalheiros, hoje é o dia. Neste momento, vocês seis se tornam membros do nosso pequeno círculo. Sua bravura e serviço a este país pode nunca ser reconhecido pelo mundo exterior, mas será por nós. Nós, que entendemos a importância do nosso dever saberemos, e lhes consideraremos acima de todos. Como deve ser. Quando eu ler nome de vocês, por favor deem um passo à frente para receber as últimas identificações verdadeiras que jamais terão. Verão que foram impressas com a data de hoje, 30 de outubro de 1949 e, com esses documentos, a ADRA de qualquer era lhe reconhecerá. Quando viajarem para o passado para cumprirem seu dever, sei que o mundo ao qual retornarão será melhor por sua causa. Deus abençoe a América e todos vocês. Agente Ethan Avery.

[aplauso]

RV: Agente Brian Edmonds. Agente Louis Gaines. Agente Frank Hollis. Agente David Marian. Agente Kenzo Sugimura. Bem-vindos, todos. Se me acompanharem, encontraremos suas companheiras agentes do sexo frágil para uma pequena recepção. Eu diria que todos vocês têm direito a um drink depois de seis semanas vivendo como monges.

[comemorações; rádio sintonizando]

AP: –parecendo um anunciador de bingo.

[bip de alerta; digitando]

AP: OK, OK, aqui vamos nós. Oh. Oh. Oh não. Ai meu Jesus Cristinho. Isso não pode estar certo. De jeito nenhum o Cornish estragaria tudo tão completamente. E, ainda assim... esse é o ponto, certo? Direto da fonte, despojado de quaisquer dúvidas ou perguntas quanto à credibilidade. Sentar em silêncio, no escuro, para receber e transmitir revelações, como um anacoreta com um rádio amador. Oh, e caso esteja se perguntando, um dos nossos agentes, um tal de Louis Abbot Gaines, traiu a agência, obteve e forneceu fotografias do Kit de Campo da Timepiece aos soviéticos, porque aparentemente nosso processo de alistamento é feito pelos estagiários. Agora tenho que salvar o traje em forma de agente secreto que contém o traseiro incompetente de Cornish. Precisamos de uma agência rival tanto quanto eu preciso de um chute nas bolas. 

[rádio sintonizando; uma festa]

DM: Sabe, na verdade estou meio surpreso que você continuou até agora.

LG: Como assim?

DM: Só pensei que você sentiria falta de, sei lá, toda a coisa acadêmica.

KS: Você era professor?

LG: Professor de jornalismo, por todo bem que isso me fez. A escola não tinha fibra para um currículo mais... desafiador.

KS: É, bom, a verdade pode ser uma coisa assustadora.

HC: Você trabalha na inteligência agora, filho, melhor deixar toda essa conversa de “verdade” de lado. É indecente e não vou aceitá-la na minha casa.

LG: Boa tarde, Senhor Beck. Não estava esperando você por aqui.

KS: Aceita um copo, senhor?

DM: Devia aceitar, Senhor Beck, apesar de eu ainda não ter certeza do que é shochu.

HC: Não estou tão ocupado que não posso tirar um momento para parabenizar nossos mais novos agentes, mas vou ter que recusar a bebida. Na verdade, estava querendo uma palavrinha com o Agente Marian por um instante.

DM: Huh– Claro, senhor. Mostre o caminho.

HC: Não vou segurá-lo por muito tempo, garotos, eu prometo.

[rádio sintonizando]

HC: Sinto muito lhe roubar assim, David, mas isso não pode esperar. O tempo é, digamos, um fator decisivo.

DM: O que está havendo, Senhor Beck?

HC: David, temo que recebi inteligência de um dos nossos agentes dizendo que Louis Gaines passará documentos delicados e confidenciais para os nossos “estimados colegas” em Moscou. David, eu–

DM: Não, senhor. Não acredito que ele seria capaz de algo assim. E o que você quer dizer com “passará”? Como poderia ter tanta certeza do que ele está pensando...

HC: Porque eu sei, David. Nós. Sabemos. A pergunta que fazemos não é “por que” um homem faz algo, David, apenas “como”.

DM: Senhor Beck, por que estou aqui? Por que está me contando isso?

HC: Porque você vai impedi-lo, filho. Essa será sua primeira missão.

DM: Eu me graduei há uma hora, senhor! Por que você me escolheria para isso?

HC: É o único que sabe os movimentos e localizações de vocês dois no dia em questão.

DM: Que dia?

HC: O dia em que vocês dois foram admitidos à ADRA.

[rádio sintonizando; Lou e David jogando xadrez]

LG: Você está terrivelmente quieto.

DM: Bom, gosto de pensar que estou aprendendo. Ouvir quando os outros falam é um sinal de inteligência, não é?

LG: Aqueles jogadores de xadrez estão conversando com você? Xeque.

DM: Mais do que antes, pelo menos.

LC: Você melhorou.

DM: Ou isso, ou você está piorando.

LG: Bom, acho que nunca saberemos. Você é o único com quem eu jogo. Isso é um xeque-mate. Mais uma?

DM: Não posso. Já está na hora.

LG: Não se esqueça de me avisar quando cansar de contar aquelas piadas.

DM: Pode deixar. Adeus, Lou.

LG: Boa sorte, David. Sabe, você me deixa muito orgulhoso.

[rádio sintonizando; terminal de ônibus]

HC: Até a próxima, Senhor Marian. Vá com cuidado e as coisas acabarão bem, você verá.

DM: Eu não poderia pedir instruções de missão mais simples, senhor.

HC: Nunca houve nada simples sobre esta vida, filho. Você irá bem.

DM: Só uma coisa antes de eu ir, Senhor Beck.

HC: Pode falar.

DM: É bom você estar certo sobre isso mesmo.

[rádio sintonizando; Timepiece ativa; distorção estática]

DM: Ai… Ai meu Deus–

 [David vomita; rádio sintonizando; David assiste o carteiro sair; chega perto da caixa de correio; pega uma carta; rádio sintonizando; uma fogueira; David amassa a carta e a joga no fogo]

DM: Adeus, Lou.

[rádio sintonizando]

AP: Precisamos de uma agência rival tanto quanto eu preciso de um chute nas bolas. 

[alerta]

AP: Oh. “DM49 reporta que a missão Gaines fui cumprida, nenhuma irregularidade, nenhuma tangente adicional designada para regulação. DM49 voltou ao grupo para reciclagem. Missão Gaines cumprida, repetindo, nenhum ajuste adicional necessário. ” O sistema funciona. Mãe de Deus, ele funciona! Ele funciona.  

[rádio sintonizando]

HC: Bom, senhor Marian, o que eu posso dizer? Você foi muito bem, um trabalho muito limpo, ouvi dizer. O Agente Vico pareceu muito satisfeito... mas eu nunca fui muito bom em lê-lo.

DM: Eu não poderia ter pedido instruções de missão mais simples. Quem quer que seja o escavador que organizou toda essa sequência de eventos, com certeza sabe o que está fazendo.

HC: Passarei seus elogios à Sala Escura. Agora, se não precisa de mais nada, eu não devia deixar a Senhorita Roberts esperando–

DM: Senhor Beck, tenho algo a adicionar, se puder.

HC: Certamente, filho, pode falar.

DM: Eu recomendo uma reunião com o comitê do Sr. McCarthy sobre Atividades Antiamericanas o mais rápido possível.

HC: Mesmo? Por quê?

DM: … Para apontar a eles a direção de Louis Abbot Gaines.

HC: Não estou acompanhado. Os eventos que geraram a missão Gaines já foram reconciliados, e não posso deixar de ficar surpreso com você jogando seu pai emprestado para os lobos que McCarthy tem no canil dele.

DM: Não conheço o seu Louis Gaines, senhor. Nunca conheci. Reconciliei um possível futuro para ele, mas você sabe tão bem quanto eu que este não é o fim. Eu aconselharia ficar de olho nele por hora, só por precaução.

HC: Muito bem, Agente Marian, muito bem. Bem-vindo a sua nova vida.

[gravador de fita desliga]


ars PARADOXICA é criado por Daniel Manning e Mischa Stanton.
Episódio 12: Recurso
características -

L. Jeffrey Moore (Lou Gaines)
Alexander Cole (David Marian)

Dan Anderson (Hank Cornish)
Rabin Gabrielli (Anthony Partridge)

Richard Malmos (Ray Vico)
AC Slamet (Kenzo Sugimura)

com agradecimentos especiais a Isabel Atkinson

Música original de Mischa Stanton e Eno Freedman-Brodmann.

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