14: Âncora

ESCRITO POR Tau Zaman
PRODUZIDO POR MISCHA STANTON
TRADUZIDO POR JÚLIA OLIVEIRA
[en]

[gravador de fita liga; gravador cai na água; Sally arrasta Nikhil até a margem]

SALLY GRISSOM (SG): Mas o quê?!

NIKHIL SHARMA (NS): Sally Grissom? Você é Sally Grissom!

SG: Que merda é essa? Como você sabe quem eu sou?

NS: Meu Deus… não vai nem me perguntar se estou bem?

SG: Acabei de te ver aparecer do nada. Se sabe quem eu sou, então sabe que tenho todo o direito de estar tão paranoica quanto quiser. O que você ‘tá fazendo aqui?

NS: Que rude… Eu sou da… Um momento–

[Nikhil vomita em Sally]

SG: Pelo menos… vira a cabeça pro outro lado!

NS: Desculpa, vou tentar–

[Nikhil vomita em Sally de novo]

SG: Ugh…

NS: OK, pronto. Heh. Sinto muito pelo–

[mais vômito]

SG: AI MEU DEUS. Não é possível que ainda tenha algo dentro de você, a essa altura! ‘Pera aí...

[Sally pega o gravador de Nikhil]

NS: Ei, isso é meu!

SG: Que merda é essa?

NS: É meu gravador!

SG: Isso eu sei, mas é bom demais... novo demais.

NS: Sim, bom, eu estava tentando explicar–

SG: De onde você é? Ou melhor, de quando você é?

NS: OK, se você pudesse se ver agora, estaria encarando os olhos mais loucos que já viu. Pode ficar quieta e me deixar explicar, fazendo o favor?

SG: Certo. Desculpa. Eu só… Eu só sempre quis dizer isso. Quando vim parar aqui pela primeira vez, também fiquei vomitando pra todo lado, e Whickman foi bem mais legal comigo.

NS: Whickman?

SG: OK, vou precisar de algumas respostas agora, a menos que você queira voltar pra debaixo d’água.

NS: Dr. Nikhil Sharma, a sua disposição. E a sua mercê também. Obrigado por não me deixar me afogar. E hm, estou aqui porque... Desculpa, me deu um branco de repente...

SG: Viagem no tempo é uma merda. Doutor, esse gravador, suas roupas... você é de 20█?!

NS: Sim!

SG: E veio parar aqui… Ninguém nunca veio de tão longe no futuro…

NS: E você é… Sally Grissom. Lembro das fotos.

SG: Hm, por favor, dá pra não tocar meu rosto?

NS: Aqui é Ponto de Exílio?

SG: Estamos na Filadélfia. Por que você ‘tá aqui? Como sabe quem eu sou?

NS: Escuta, ficarei feliz em responder todas essas perguntas na hora certa, mas, primeiro, pode me arrumar–

[Nikhil vomita mais uma vez, e então desmaia]

SG: Doutor? Dr. Sharma? … Acontece com todo mundo na primeira vez.

[rádio sintonizando]

SG: Partridge! Partridge, você não vai acreditar, mas encontrei alguém agora! Ele acabou de chegar aqui do futuro. Como eu. ‘Tava carregando um gravador. Acho que a água estragou ele, não dá pra saber se ainda ‘tá gravando. Talvez você possa tentar ver como fazer ele funcionar de novo? Quero ver o que tem gravado. Preciso saber o que esse cara quer antes dele acordar de novo. Te ligo de volta quando souber mais.

[Sally desliga, põe mais dinheiro no telefone e disca]

Concierge: Obrigado por ligar para o Âncora de Ouro, aqui é–

SG: Oi, quarto 222, por favor.

Concierge: … Um “olá” igualmente agradável para você também, senhorita. Por favor, aguarde só... um...  momento...

SG: [suspira]

[telefone toca]

ER: Esther Roberts falando.

SG: Roberts! Que bom que consegui falar com você!

ER: Sally? Onde você está?

SG: É, essa é a questão, Roberts. Sinto muito. Fico grata que me trouxe pra cá com você e tudo, mas, hm... Não posso voltar ainda. Hm, bom, veja bem, é só que, hm, quero passar mais uns dias em Nova York!

ER: Hã?

SG: É, sabe. Assistir a umas peças. Ir ver a Times Square antes de ficar coberta de–

ER: Você já não fez isso? Sally, por onde esteve andando?

SG: Não importa, escuta, por favor, só vá. Logo, logo estou de volta no Colorado.

ER: OK, Sally.

SG: … Roberts? Você parece… ‘cê ‘tá bem? Aconteceu alguma coisa?

ER: [suspira] Está tudo bem. Não é nada. Não posso lhe obrigar a fazer nada que não queira. Tchau, Sally.

[Esther desliga; Sally também; Nikhil se aproxima]

SG: OK, isso foi estranho…

NS: Então, você está livre!

SG: Você se recupera rápido, hein.

[Nikhil tira um panfleto do bolso]

NS: Sally, olha isso! Bobby Castellini no Library Bar, no Tittenhouse Hotel. Você gosta de jazz?

SG: Escuta, não temos muito tempo–

NS: Olha, vou te dizer tudo que precisa saber, mas vou desmaiar– de novo– se não comer algo. Além do mais, estamos em 1949! Podemos ouvir os maiores músicos da história ao vivo! Podíamos até ir atrás do jovem Sinatra!

SG: Não, não acho que ele é famoso ainda. Mas precisamos de um lugar pra ficar, e eu gostaria de limpar tudo... isso... de mim.

NS: Desculpa.

SG: Todo mundo passa por isso na primeira vez... mas acho que você bateu o recorde. Um hotel pode não ser má ideia.

[rádio sintonizando; bar do hotel]

NS: Pelo que parece, o alvo geoespacial falhou, então o sistema recorreu ao destino padrão e me mandou pras coordenadas espaciais do ponto âncora.

SG: Que elaborado. Você teve sorte de que não ser mandado pra atmosfera superior. Ou pior, pro meio do espaço.

NS: Oh, isso não acontece mais. A Timepiece se beneficiou das sete décadas extras de trabalho.  

SG: Então você é um agente da ADRA. Hm, pelo jeito vieram pra ficar mesmo. Por que te mandaram de volta?

NS: Essa parte… é um pouco mais difícil de lembrar. Sabe, tentar me lembrar é como tentar segurar névoa. A gente é treinado pra esse tipo de coisa, mas uou! Não faço ideia de como conseguem se lembrar! Tenho certeza que uma hora vai voltar.

SG: ... Não se lembra mesmo?

NS: Posso te contar do cereal que comi hoje de manhã. Além disso... nada.

SG: Sei como é. A Timepiece é como um liquidificador mental. Mas você vai estar morrendo de saudade do futuro já, já.

NS: Não vou sentir saudade. Não deixei muito pra trás em 20█.

SG: Foi o que eu pensei também. Mas vai. Confie em mim.

NS: Você está aqui há, o que, seis anos? Não parece tão mal. Ainda.

SG: Você se acostuma com o dia a dia, mas, sei lá, às vezes só, se lembra das coisas, das pequenas coisas. Trabalhando na Timepiece, eu procurava um bloquinho de notas pra escrever algo... e é claro que não temos isso ainda. Não dá pra simplesmente colocar pra tocar a música que quiser, quando quiser. Sinto falta de poder fazer isso. E é tão silencioso...

NS: Não sei. Se este bar aqui em 1949 pode servir de base, a música é bem melhor. Além disso, não fazem os drinks nem perto de tão fortes no nosso tempo. Escolho o aqui e agora.

SG: Ao aqui e agora.

[fita acelera]

SG: –Calculadoras portáteis! Quem imaginaria que eu sentiria tanta falta delas. Não dava pra ter trazido umas com você?

NS: Tenho umas pastilhas de limão, se quiser doce... [ri]

SG: [ri] … Qual é o problema com aquela garçonete?

NS: Como assim?

SG: Ela não para de torcer o nariz pra você.

NS: Oh. Muitas pessoas olham pra mim assim. Acho que sou o único por aqui que, bom…

SG: Se parece com você?

NS: Esse é um modo de dizê-lo.

SG: Então. Dr. Nikhil Sharma. De onde é esse sotaque? Meio britânico, meio indiano?

NS: Nasci em Lahore, estudei em Oxford. Mas o sotaque? É meio que uma grande mistura de todos os lugares em que já morei, sabe?

SG: A ADRA vira internacional, huh?

NS: Você não para de falar de trabalho, para?

 [fita acelera]

NS: [bêbado] –Sinceramente? Sinceramente, se o único legado da minha viagem no tempo fosse apagar quem quer que decidiu inventar a sessão de comentários na internet, eu poderia viver com isso!

SG: [ri]

[Nikhil cai]

NS: … ‘Cê ‘tá bebendo todas!

SG: … Dá licença, ‘cê ‘tá bem pior que eu!

[fita acelera]

SG: [imitando] Oh, minha querida, você nunca foi a Chichen Itza? Querida, você simplesmente precisa ir a Chichen Itza!

NS: Ela estava tentando tanto soar [imitando] europeia. Estudei retrosaria com Deveraux em Milão! [ri]

SG: [ri] Bom, hm… Esse é o meu quarto.

NS: Oh, e este aqui é o meu.

SG: Olha só! Devíamos dormir um pouco, temos que voltar de carro amanhã.

NS: De carro? Por que não voar?

SG: Você tem ideia do quão caras passagens de avião são hoje em dia? Dinheiro não cresce em árvore, e não acho que você trouxe um almanaque de esportes.

NS: Haha, boa. Sabe, pensando melhor, acho que ir de carro pode ser preferível a de avião, no final das contas. Uma viagenzinha pela estrada me daria um tempo pra recuperar minha memória antes de encontrar os chefes. 

SG: Você ‘tá é inventando desculpas!

NS: Não, mas você está certa. Não vai levar mais que dois dias. Vamos ter a oportunidade de ver o grande Centro-oeste americano! E, além do mais, estamos nos divertindo, não é?

SG: Que saber? ‘Cê ‘tá certo. Não me lembro de relaxar assim desde… Vegas!

NS: Mais um motivo ainda.

SG: É!

NS: Por que você não sai mais?

SG: Não sei, as pessoas só... Não acredito que ‘tou te contando isso, definitivamente é a bebida falando, mas... Não sei, às vezes sinto que todo mundo sempre lida comigo como se... se eu tivesse que ser cuidadosamente vigiada. Não consigo distinguir se alguém ‘tá sendo legal comigo só porque é legal, ou se ‘tá tentando extrair o que quer que eu tenha na cabeça pra usar na Timepiece. Me tratam como se eu tivesse... pontas cortantes.

NS: Sério? Não acredito! Bom, acontece que eu, se minha opinião conta, gosto bastante das suas pontas.

SG: Isso foi… estranhamente gentil.

NS: Aliás, talvez precisem de ser um pouco lixadas?

SG: Idiota.

NS: Ei! Eu vou viajar com você!

SG: Porque não tem escolha!

NS: Vai ser igualzinho àqueles filmes de viagem!

SG: Ugh, odeio esse gênero. Música brega, histórias clichê...

NS: Eu adoro filmes de viagem! Os personagens sempre acabam em casa, onde começaram, mas, como pessoas, estão mudados pra sempre! Pra mim nunca basta deles. Gostei até de “Crossroads- Amigas para sempre”.

SG: Com a Britney Spears?

NS: Uh–Crossroads foi com a Mandy Moore.

SG: Não na minha linha do tempo… Quem quer que tenha sido! Goste deles o quanto quiser, só ‘tou dizendo que fazer uma viagem pode acabar sendo agradável, apesar de ser a nossa única escolha.

NS: Ei, o que é isso?

SG: Oh. Meu gravador. Não é tão chique quanto o seu.

NS: Parece que ainda ‘tá ligado.

SG: É. Ops, devo ter apertado algum botão sem querer ou algo do tipo. Acho–

NS: Talvez pudéssemos, hm… talvez pudéssemos dar uma folguinha pra esse gravador.

[Nikhil se aproxima de Sally]

SG: Hm. Não, por que eu faria isso?

NS: Oh. Desculpa, eu–

SG: Oh, hm… Não. Valeu, mas… Não. Eu vou… Eu vou só dar uma olhada no mapa e começar a traçar nossa rota!

NS: Claro. Vou te deixar trabalhar nisso. Te vejo no café da manhã?

SG: Sim, até. Durma um pouco.

NS: Vou dormir. Você devia fazer o mesmo, quando acabar o hm, mapeamento todo. E obrigado de novo por salvar a minha vida, aliás. Então. Bons sonhos, Sally Grissom.

SG: Boa noite, Doutor Sharma.

[rádio sintonizando; rádio do carro toca “Will the Circle be Unbroken”]

SG: Hoje é dia 30 de outubro de 1949. O Dr. Nikhil Sharma e eu estamos no segundo dia da nossa viagem da Filadélfia a Ponto de Exílio, no Colorado. Tenho que admitir, essa não foi uma ideia nada má. ‘Tou tendo a oportunidade de ver todo esse lado dos Estados Unidos que nunca conheci antes. Desde que fui parar no Eldridge, fiquei meio que só sendo mandada de uma prisão pra outra. É mes’ um mundo completamente diferente aqui, sô.

A estrada fica bem vazia. Na maior parte do tempo somos só nós, nenhum outro motorista à vista. E árvores, colinas e planícies por quilômetros e quilômetros. É... lindo, de verdade. É estranho dizer isso, mas é o único modo que dá pra descrever.

Mas isso não quer dizer que tem sido tudo às mil maravilhas. Choveu bem forte ontem e, francamente, meu parceiro de viagem não é o melhor dos navegadores.

NS: Ei!

SG: Acabamos fazendo a curva errada e, em vez de atravessarmos o grande estado da Indiana, nos vimos acidentalmente atravessando o... adequado estado do Kentucky.

NS: Se não tivéssemos feito isso, não teríamos tido a oportunidade de experimentar o velho frango frito do Kentucky! O de verdade! Antes de adicionarem todos aqueles hormônios.

SG: Pessoalmente, ‘tou suspeitando que o Doutor Sharma aqui ‘tá é tentando desviar nosso caminho pra pararmos em cada armadilha pra turista que ele vê anunciada em um outdoor.

NS: Dá licença, não são armadilhas pra turistas; o termo correto é “atrações de beira de estrada”

SG: Até agora, tem sido muita visitação a pontos turísticos e refeições rápidas em paradas pra caminhoneiros e lanchonetes bregas.

NS: [ri] A última…

SG: OK, aquela foi definitivamente a pior!

NS: –Minha favorita!

SG: ‘Pera, ‘pera, faz a voz de novo!

NS: Qual, a do garoto que nos abordou ou a da mãe dele?

SG: Do garoto!

NS: [imitando] Nussa senhora, moço. Sei dos homem branco e dos homem preto, mas um marrom? Agora vi de tudo mes’! [ri]

SG: [ri] Você foi tão tranquilo sobre a coisa toda! Eu não teria ideia de como responder àquilo.

NS: Eu não tinha ideia de como responder à mãe dele!

SG: Oh, ‘tá falando de quando ela te viu? [imitando] Mas não é que ‘ocê é um prato quente de curry mes’!

[algo bate no para-brisas; Sally vira o carro abruptamente]

SG: Mas o que–

NS: O que diabos foi isso?

SG: Alguma coisa acertou o para-brisas. Não consegui ver a tempo.

NS: Conseguiu ver de onde veio?

SG: Deve ter sido uma coisa bem grande, olha essa rachadura.

NS: ‘Pera aí, acho que ‘tá vindo do carro na nossa frente. Cuidado!

[outro impacto; Sally vira o carro]

SG: Uma garrafa de cerveja? ‘Tão tentando nos matar ou o quê?

NS: … Essa é uma possibilidade a ser considerada.

SG: … Ah, FALA SÉRIO, Sharma.

NS: Então, essa não é a melhor hora pra te contar isso, mas talvez eu não venha sendo lá muito franco com você, Sally?

SG: Foi literalmente a primeira coisa que eu te perguntei! Fala sério, cara!

NS: Lembra como eu não conseguia me lembrar da minha missão da ADRA? Bom, minha missão era te matar.

SG: Você ‘tá aqui pra me matar?

[Sally freia, soca Nikhil]

NS: Ei! Ei! Calma! Não vou te matar!

SG: Como espera que eu acredite em você?

NS: Não sei! Eles me querem morto também! Não deixei 20█ em termos muito bons, pra te falar da verdade.

SG: Do que você ‘tá falando?

NS: Escuta. Vou explicar tudo, mas agora não é hora pra exposição!

SG: Você tem alguma coisa que podemos usar?

NS: Hm, só uns pacotes de batata e uma grande abundância de pastilhas de limão!

SG: Sharma! De todas as coisas de que você podia encher seus bolsos antes de voltar no tempo—

NS: Desculpa, eu não esperava me envolver em uma batalha automobilística!

[Sally passa a marcha; acelera]

NS: Sally, o que você ‘tá fazendo?! Vira!

SG: Se querem me matar, melhor não errarem!

NS: Você ‘tá querendo morrer ou algo do tipo?!

SG: Não sei, vamos descobrir!

[Sally acelera em direção ao carro vindo na direção deles, o outro carro sai da estrada; Sally continua dirigindo]

SG: É isso aí! Chupa, ADRA! Eu te fiz! Você não estaria aqui se não fosse por mim! Literalmente! Por causa da física! Ufa! Que loucura. Mas e aí, e essa história de tentar me matar?

NS: Uhhh.... uhh...

[fita acelera]

SG: Como assim, não mais?

NS: Bom. Não sei agora, mas no meu tempo, a ADRA não é mais ética das agências governamentais.

SG: Hah! Deixa eu adivinhar. É como se a NSA e o FBI tivessem se fundido e se espalhado pelo tempo como manteiga em uma torrada?

NS: O que é NSA? Não temos isso.

SG: É, faz sentido.

NS: Descobri algumas coisas que estavam fazendo, e por que, e só... não podia continuar mais.

SG: É a ADRA. Com o que que você achava que ‘tava se metendo?

NS: Proteção! Achei que era uma questão de correção de curso, de consertar desastres. Um último recurso. Não...

SG: Melhor nem me contar. Pensei que era pra Roberts consertar isso!

NS: Quem?

SG: Esther Roberts, ela ‘tá no comando da Pesquisa e Desenvolvimento agora? Assessora-chefe do Diretor Whickman?

NS: Chet Whickman está morto.

SG: Oh… É, acho ele que estaria.

NS: Eu ‘tava planejando sair cerca de um ano antes da partida, mas… fui abordado por um grupo. Escuta, Sally... a ADRA me mandou de volta pra te matar, mas... estou aqui pra te levar de volta comigo.

SG: Não. Bobagem. Completamente impossível, na verdade. Não tente me vir com–

NS: Escuta, só escuta. Só precisamos de um segundo ponto âncora como o Eldridge. Acredite em mim, isso pode mesmo dar certo!

SG: … Desculpa, não dá pra simplesmente acreditar na sua palavra. Vai ter que me explicar a física por trás disso se quer a minha ajuda.

[rádio sintonizando]

NS: Aqui é o Dr. Nikhil Sharma. Hoje é dia 2 de novembro de 1949. Estamos aqui. Bem no fim da estrada. E esta pode ser minha última gravação, se eu acabar morrendo. Contanto que o nosso plano funcione, posso viver com isso. Quer que eu repita o plano?

SG: Não, já entendi. A parte mais difícil vão ser os guardas na entrada. Assim que chegarmos nos Geradores Arco-íris, posso nos trancar lá dentro.

NS: Ok, só dirija rapidamente até lá, saia do carro e fale com confiança.

SG: Relaxa, eu consigo.

NS: Tudo bem, tudo bem! É só que...

SG: Só que o quê?

NS: Você não é uma boa mentirosa, só isso.

SG: Você não sabe! Nunca me viu mentir!

NS: Não mesmo?

[Sally estaciona]

SG: … Estamos quase lá.

NS: Sally, você está aqui há seis anos. O fato de que conseguiu durar tanto tempo sem enlouquecer totalmente é uma prova da sua resiliência. Não posso dizer que vai ser fácil, mas de uma coisa eu tenho certeza: quando voltar a 20█, você vai se adaptar. Vai fazer amizades de novo. Imagina só! Amigos que entendem suas piadas! E suas referências! E podem se equiparar de verdade ao tamanho do seu conhecimento científico!

SG: Às vezes, quando penso na minha vida antes, trabalhando na minha pesquisa no MIT… tudo parece só um sonho. Como se esse fosse o mundo real agora.

NS: Este é o sonho. Nosso mundo está esperando você. Quando chegar a hora, só esteja pronta pra deixar pra trás o que quer que tiver aqui.

SG: Não consigo acreditar. Vou voltar de verdade. Se eu quiser voltar pra 1949, por que não podemos fazer um ponto âncora aqui pra voltarmos sempre que quisermos?

NS: Foi comprovado que viagens no tempo matam, se realizadas vezes demais. Só estamos fazendo este ponto âncora pra que agentes do futuro possam usar ele, um de cada vez, pra fazer novos.  

SG: OK… Pronto?

NS: Sim. Não quero te apressar, mas de jeito nenhum aqueles agentes não saberiam que estamos vindo pra cá. Podem estar vindo atrás da gente neste exato momento.

SG: Tudo bem. Eu consigo. Lá vamos nós!

[Sally dirige até a estação, freia com força; sai do carro e vai até os guardas]

SG: Não tenho tempo pra explicar. O gerador vai explodir a qualquer momento. Traga Chet Whickman aqui, agora! ... AGORA! Que parte de “explodir a qualquer momento” vocês não entenderam, seus grandalhões imbecis?! Doutor! Comigo!

[Nikhil sai do carro enquanto os guardas passam correndo]

NS: Você foi muito bem!

SG: Espero que a ADRA nunca fique mais esperta que isso.

NS: Ela fica. Bem mais.

SG: Ali, na janela.

NS: Uou, olha só essa velharia. Ei, encrenqueiro!

[Sally começa a arrombar a fechadura]

SG: Deixa eu só abrir essa porta… Acha mesmo que consegue fazer isso funcionar?

NS: Tive anos de prática, Sally. Não se preocupe.

[tiros à distância]

SG: Não é possível. Já ‘tão aqui?! Ainda ‘tou trabalhando nessa porta! Merda.

NS: Estão felizes em fazer o que for preciso com Ponto de Exílio pra nos pegar.

SG: Pensei que não queriam matar ninguém além de mim?

NS: Estão claramente dispostos a matar muita gente agora! O plano mudou. Não estive exatamente recebendo relatórios de atualização!

[Sally arromba a porta]

SG: OK, pronto! Entra, entra, rápido!

NS: Corre, aquela mesa ali. Bloqueie a porta.

[Sally e Nikhil empurram a mesa até a porta]

SG: O gerador! Vai!

NS: ‘Tou indo!

[Nikhil começa a trabalhar; batidas na porta; tiros]

SG: Dr. Sharma, eles chegaram. Precisa acabar em dez segundos porque vão–

NS: Vai ‘tar pronto em cinco…

[Nikhil liga um interruptor; gerador solta faíscas]

NS: Pronto! OK, Sally, preciso que você feche este circuito do outro lado.

SG: Não posso, ‘tou tentando manter a porta fechada!

NS: Só vai levar um segundo. Só corra até aqui, você consegue!

CHET WHICKMAN (CW): [atrás da porta] Sally? É o Chet. O que, por Deus, Maria e José, está acontecendo? Abra essa porta!

NS: Sally. AGORA!

SG: OK, OK, OK!

NS: Aquele cabo ali!

SG: OK.

NS: Sally, feche o circuito.

[Chet bate forte na porta]

NS: Sally!

SG: Não consigo! Não posso ir embora. Ainda não ‘tou pronta.

NS: Sally, agora não é a hora para hesitação! Feche o circuito! Agora!

SG: Desculpa! Mas ainda tem trabalho a ser feito no passado. Essa é minha casa agora! Roberts e Whickman... o que que quer a ADRA se torne, tenho que me assegurar de que não deixem ela se transformar naquilo!

NS: Sally, este é o jeito! Você faz um ponto âncora e bam: a ADRA perde o controle sobre a história. Não vão vai mais ter um único ponto na história pra visitar toda vez que quiserem fazer uma mudança! Outras pessoas vão poder mudá-la, de qualquer lugar na linha do tempo onde há uma âncora! Vamos libertar o mundo das garras da ADRA! Por favor, Sally, feche o circuito. Volte pra casa.

[Chet arromba a porta; atira em Nikhil]

SG: [grita]

CW: Sally, você me deve algumas explicações!

SG: Sharma!

NS: Me chame de… Nikhil.

CW: Sai de perto dele agora.

NS: Que… belo tiro…

SG: Desculpa, desculpa, desculpa, eu só... a culpa é minha e eu...

NS: A-A âncora….

SG: Por favor, podemos fechar essa ferida, podemos tentar de novo.

NS: … Não ‘tá pronta.

SG: Você tem razão. Ainda posso fechar o cir–

[Chet dá três tiros no gerador, que para de funcionar]

SG: Que merda foi essa, Whickman?!

CW: Sally, você precisa se afastar agora.

NS: Encontre…

CW: Sally, eu disse: afaste-se!

SG: Dá pra calar a boca, Whickman?! Não consigo escutar ele. Você venceu. Plano estragado! Só quero escutar ele. Nikhil, encontrar o quê?

NS: [gorgoleja]... Barlowe...

SG: O quê?

NS: [gorgoleja]... Barlowe...

CW: Barlowe? Quentin Barlowe está para lá de morto.

NS: Vejo os faróis… pontilhando o arco do tempo… iluminando o caminho para o amanhecer.

SG: Faróis, arco do tempo, caminho pro amanhecer. Entendi. E você pode me dizer o que isso significa amanhã. Vamos lá, Nikhil, vamos lá, não morra...

NS: Sally...?

SG: Nikhil, só aguenta firme, OK?

NS: … Quando eu cai na água…

SG: S-sim?

NS: … Eu sabia… que tinha que te matar….

SG: Polpe seu fôlego.

NS: … Mas quando você me salvou… e lá estava você...

SG: Whickman, chame um médico aqui!

NS: … toda sol, e sal, e areia…

SG: Nikhil, só para de falar, por favor.

NS: … que sorte. [lutando parar respirar] Sally?

SG: Whickman, por favor!

NS: Foi uma… bela viagem, hein…?

SG: Nikhil…? Nikhil! Fica comigo. Não adormeça...

NS: Pelo menos... você está em casa.

SG: Whickman, por que você ‘tá parado aí? Se mexe! Vamos! Nikhil, Nikhil, fica comigo, não cai no sono. Fica comigo. Nikhil! Vamos!

[rádio sintonizado]

SG: [no telefone] … Te ligo quando souber mais.

ANTHONY PARTRIDGE (AP):  Você encontrou alguém? Que é do futuro? Qual é o nome dele? Posso procurá-lo aqui.

[fita acelera]

AP: Ei, Sally. Só ligando para checar, você deve receber isso no dia seguinte ao que nos falamos. Oh! Feliz “reversário” atrasado, suponho. Se puder me falar o nome do cara que tinha uma Timepiece, tenho quase certeza de que posso lhe dar alguma informação relevante. Fora isso, só vou ficar sentado aqui. Pelo resto da minha vida. Tipo... para sempre. Mas bom, ligue-me de volta quando puder.  

[fita acelera]

AP: Então, você não morreu ou desapareceu, senão eu saberia, mas não faço ideia de onde você deve estar nos próximos dias. Bom, estou aqui. Só lembrando.

[Anthony digita]

AP: O que está a atrasando?

[bip de alerta]

SG: [no telefone] [funga] Hm, ei. Voltei pro Colorado. ‘Tá tudo... ‘tá tudo terrível. ‘Tou muito mal. Acho que vou falar com a Roberts sobre aquele psicólogo. Te ligo depois.

AP: … É, merda. Agora preciso saber sobre nosso homem misterioso de 20█. De onde ele veio. Além de 20█, quer dizer.

[fita acelera]

AP: Então, vasculhei toda a correspondência, todo pedaço de tecnologia aqui, toda anotação e rótulo presos na mobília. Sabe o que encontrei? Nada, nem um único item de 20█. Achei um dossiê datado de 96... mas...

Por que ninguém da ADRA se comunica comigo depois dos anos noventa? É como se o tempo de Sally fosse o mais longe que eu pudesse ver, mesmo com minhas melhores previsões e palpites. Nenhum pio de ninguém de lá. É um pouco assustador.

O que acontece nos anos 2000 que bloqueia até mesmo minha visão deles? Algo grande. Algo tem que ter acontecido na ADRA para calá-la completamente assim. Não sei o que foi.

Adicione mais isso à pilha de mistérios.

[gravador de fita desliga]


ars PARADOXICA é criado por Daniel Manning e Mischa Stanton.
Episódio 14: Âncora
características -

Kristen DiMercurio (Sally Grissom)
Reyn Beeler (Chet Whickman)
Katie Speed (Esther Roberts)
Robin Gabrielli (Anthony Partridge)
Arjun Gupta (Nikhil Sharma)

Conrad Miszuk (vozes adicionais)
com agradecimentos especiais a Isabel Atkinson

Música original de Mischa Stanton e Eno Freedman-Brodmann.

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WEATHER: rainy