16: Estufa
ESCRITO POR Danielle Shemaiah
PRODUZIDO POR MISCHA STANTON
TRADUZIDO POR JÚLIA OLIVEIRA
[EN]
[uma brisa; vento à distância; Sally cavando no jardim dela; seca a testa, dá um suspiro feliz e volta a cavar; rádio sintonizando]
ESTHER ROBERTS (ER): “Relatórios indicam que a Agência de Desenvolvimento de Recursos Anômalos sofreu uma série de mudanças previamente inesperadas na equipe, que resultaram em um considerável declínio na produtividade. Com poucos candidatos qualificados para preencher as vagas disponíveis, seria sábio, na minha humilde opinião, reconsiderar a distribuição de recursos militares, caso o resultado não melhore no próximo trimestre. Faríamos bem em nos atentar às advertências que foram as saídas abruptas de Jack Wyatt, Sally Grissom, e a contratada extrajudicial Maggie Elbourne, para que não acabemos nos vendo no comando de um navio naufragando–”
CHET WHICKMAN (CW): Chega, é o bastante. Pensei que tinha dito que sua última reunião tinha corrido bem?
ER: Eu pensei que tinha. “Inesperadas”? Aquele nojento–
CW: Esther, o que aconteceu?
ER: Ele é um lacaio duas-caras, foi isso que aconteceu–
[Chet bate na mesa]
CW: A esta altura, você devia saber que as paredes têm ouvidos.
ER: Deixe que ouçam! Hank Cornish está tentando tomar as rédeas da ADRA. O que nos lembra de que ele está atrás apenas dos próprios interesses. Sempre esteve, e “faríamos bem em nos atentar” aos nossos. E, francamente, se quer minha opinião? Faríamos bem em lembrar que estamos dividindo detalhes de cada parte essencial dos nossos planos com ele.
[rádio sintonizando; Sally em sua oficina; novela de rádio tocando ao fundo; um grilo cantando]
SALLY GRISSOM (SG): Mas gente, como você veio parar aqui?
[Sally se agacha perto do grilo, derruba algo]
SG: Archie, você não ‘tá ajudando.
[rádio sintonizando]
CW: Então, que parte da sua conversa com Hank–
ER: Nenhuma conversa levou Hank Cornish a pegar um avião para Washington e recomendar que, na “humilde opinião” dele, deveríamos ser desmontados para venderem as peças.
CW: Eu realmente nunca desejei ele por perto, Esther. Ele meio que veio com o serviço.
ER: Mas você está na chefia agora, tome um pouco de controle, merda! Não pode fazer de conta, por um instante, que está tão investido nisto quanto eu?
CW: É claro que estou tão investido quanto você, Esther. E estou intimamente consciente do quanto disso tudo é minha responsabilidade. Mas você insistiu em solucionar o problema sozinha. O que quer que façamos?
ER: Você sabe do que eu preciso. Estamos nos atrasando, e–
CW: Sally Grissom está for a de questão. Por sua veemente recomendação, aliás. Então, o que mais você sugere?
ER: Não sei ainda.
[rádio sintonizando; Sally pega o telefone e disca; som de processamento e um bip]
SG: Ei, Anthony. Então, pelo jeito uma vida simples te dá um tipo estranho de... esperança? Sobre o mundo? Isso soa como últimas palavras famosas. Talvez eu esteja consumindo Vitamina D demais. Mas bom, acho que finalmente estabeleci um ritmo em que posso viver. Parece que sou uma dissidente nessa história de jardinagem. Bom, eu seria. Agora ‘tou batalhando contra o sol ruim e o solo árido do Colorado. Mas acho que ‘tou ganhando.
[barulhos de estufa tecnológica]
Não é pra me gabar, mas ‘tou desenvolvendo meio que um– biodome, poderia-se dizer? Teve um filme? Deixa pra lá. Eu devia ter só plantado um cactozinho e começado uma coleção de selos ou algo do tipo, mas queria um desafio. Bom, a ideia é construir um espaço onde eu possa manipular o clima hiperlocal usando energia solar e... OK, é uma estufa. Você sabe o que é isso. Mas, a longo prazo– e essa é a parte mais legal– acho que se eu conseguir acertar o relacionamento simbiótico certe entre a flora e tipo, conseguir descobrir como fabricar células fotovoltaicas, poderia me tornar completamente autossustentável. Sonhe alto, né? ... É.
Ah, além disso, lembra aquela vez em que falei de desenvolver meu próprio fertilizante? Bom, ‘tou fazendo isso também. Tudo que precisei foi um pouco de leitura básica e algumas viagens ao florista pra amolar ele com perguntas vagas sobre condições ideias pra procriação, comportamento das plantas e informações obscuras sobre o clima Coloradano... Colo... Coloradense? Informações sobre o clima do Colorado, esse tipo de coisa. Mas a parte mais enervante é a espera. Procurar num catálogo físico, encomendar sementes, e daí esperar meses até elas serem enviadas pra você por correio. Tem valor sim em se desenvolver um senso de.. paciência, mas Jesus, onde estão os drones da Amazon Prime quando se precisa deles? Então, dito isso, comprei peras, salsinha, petúnias, tulipas e, sim, um cacto crescendo do lado de fora... e umas sementes de pitaia devem chegar em uns... seis meses. Ugh.
Hoje? O primeiro teste da “Exilir Milagroso da Dra. Grissom”. Prometo que vou inventar um nome melhor pra isso– vou começar assim que tiver testado essa nova leva contra o controle– pelo menos a composição química já passou do ponto em que corroía vagarosamente a cerâmica. Se tiver sorte, o espécime um da Bellis Perennis deve se desenvolver da semeação à maturidade completa em... aproximadamente 3 a 5 dias. Então acho vou te dar notícias de novo por aí. Falo com você em breve.
[rádio sintonizando]
CW: Um explosivo disfarçado de cigarro?
ER: Efetivo, mas não inteiramente prático.
CW: Parece simples o bastante.
ER: Talvez simples demais, na verdade. Parece que há um impulso de acendê-los–
CW: Esther, o que estamos fazendo aqui?
ER: Estamos pegando relatórios da CIA sobre dispositivos de campo e usando a Sala Escura para gerar dados sobre resultados práticos. Fornecendo testes de campo ao resto da história. É notavelmente efetivo.
CW: Parece um notável desperdício de recursos para mim.
ER: Eu resolvi o problema, como sempre faço. É um Band-Aid, mas é o melhor que podemos fazer na hora da necessidade, pelo menos até os juros compostos serem efetivados.
CW: Mas somos melhores do que isto. Esther, fala sério, sabe que somos melhores que... isto.
ER: Na verdade, não, Chet. Não desde–
CW: Não. Não diga o nome dela.
[rádio sintonizando]
SG: Então, mantenho minhas mãos ocupadas. Faço jardinagem. Mas e quando preciso manter minha mente ocupada? Plantar flores é um passatempo divertido, Partridge, mas não apaga meu fogo. Então voltei a construir coisas. Teve o tanque de nitrogênio, o borrifador automático. Daí, comecei esse projeto quixótico do biodome– mas isso não vai ir pra frente até eu descobrir como construir painéis solares decentemente eficientes, então ainda ‘tá na fase “caixa de vidro no meu quintal”.
Mas bom, comecei a procurar peças sobressalentes no armário e... encontrei a mochila com todas as coisas que vieram comigo de 20█. Tomaram todos os meus pertences, mas peguei eles de volta quando nos mudamos pra Ponto de Exílio, porque, né, naquele ponto a ADRA era praticamente seis pessoas e uma van. Tinha meu jaleco– ainda manchado desde que pintei um teste Rorschach com meu almoço no convés do Eldridge– minhas canetas, em toda sua doce, doce glória de tinta gel, um cartão de visitas, um recibo de uma pizza que sinceramente não me lembro de consumir.
E achei meu celular.
[Esther bate à porta de Sally]
SG: Tenho que ir, tchau.
[desliga apressadamente; outra batida; Sally vai até a porta e a abre]
SG: Roberts.
ER: Sally.
SG: Oi.
ER: Oi. Isto é para você.
[sacola de papel sendo passada]
SG: Hm, valeu? Pensei que tinha desistido de abastecer minha despensa.
ER: É uma cidade pequena. Não tenho visto você por aí, então pensei... Estou interrompendo? Ouvi você conversando–
SG: Com meu diário.
ER: Seu diário.
SG: É. Bom… entre.
ER: Você esteve se ocupando, Sally. Isto são...
SG: Abóboras. Pequenas por hora, mas quando chegar outubro? É a Grande Abóbora, Charlie Brown, você vai ver–
ER: Charlie Brown, o cantor de jazz?
SG: Não? Não, o garotinho… com o cachorro? A criança! Esquece.
ER: Uou, Sally, isto é… impressionante. Quanto disto é–
SG: –Não tenho certeza.
[Sally e Esther se interrompem]
SG: Ei, escuta, desculpa se/Oh/Foi mal, eu só ‘tava/hm/talvez se–
ER: Sally, eu só vim aqui dizer que/Oh/ Não, você primeiro/ Bom, eu–
[elas riem]
SG: Vá em frente.
ER: Obrigada. Olha. Só passei para dizer que… sinto muito sobre como tudo aconteceu. Eu sei que isto não é exatamente o que nenhum de nós previu–
SG: A ironia das ironias–
ER: Estou falando sério, Sally. Estou tentando me desculpar aqui.
SG: Não é culpa sua, Roberts. É?
ER: Provavelmente. Parcialmente.
SG: Bom, bom saber. Acho.
[rádio sintonizando]
SG: Costumávamos ser bem melhores nisso.
ER: Costumava ter quatro de nós. Costumávamos ser um time. Costumávamos ser muita coisa.
SG: O que somos agora?
ER: Amigas, pelo menos... eu esperava que sim.
SG: É difícil ser amiga de gente em quem não se pode confiar.
ER: Uma observação bastante astuta essa, de fato.
SG: A ADRA matou meu amigo. O Whickman em pessoa.
ER: Eu sei.
SG: E você ainda trabalha pra ele.
ER: Eu sei. Olha, eu já perdi Jack. Só porque tem esta toda nova série de coisas confidencias que não tenho a liberdade de dividir com você mais, não significa que estou interessada em perder a única outra– a única outra pessoa com quem não tenho que ficar pisando em ovos.
SG: Whickman sabe que você ‘tá aqui?
ER: Não, Sally.
SG: É uma pergunta válida.
ER: É, acho que mereço isso.
[rádio sintonizando]
ER: Então, o que a Dra. Sally Grissom anda fazendo?
SG: Comecei a acompanhar novelas de rádio e, apesar do que pode parecer, as plantas são uma ótima companhia. É meu pequeno “Victory Garden” – apesar de provavelmente ser meio exagerado dizer isso. É bom fazer algo com minhas mãos, mas não sei se gosto da razão por que todo mundo pensa que eu faço isso– mais de uma pessoa já me perguntou quando meu marido vai voltar da guerra. E tem um gato de rua que aparece de vez em quando– Nunca fui muito boa com animais, mas ele se apegou a mim na hora– ‘Tou começando a pensar que tem erva de gato em algum lugar no jardim. Mas ele é um completo... mimado? Ou pelo menos um pouco sobressalente na carência. Não sei se é de alguém, mas tenho chamado ele de Archimedes. Archie, pra simplificar. ‘Tou vivendo igual em A Vida em Preto e Branco mesmo... Mas bom, o jardim.
ER: O jardim.
SG: É… tranquilo. Pela primeira vez em muito tempo, sinto que tenho algo que posso chamar de meu. Tenho controle sobre algo que acontece na minha vida. Um lugar em que posso descansar e, bom, ‘tou desenvolvendo essa tecnologia–
[rádio sintonizando; cartas]
ER:[rindo] Sinceramente, não acho que o pobre garoto acreditou quando o contratamos. De repente, ele fica com medo de cada luz piscando e porta fechando no prédio inteiro. Ele é um doce, só não é... a pessoa mais brilhante do mundo.
SG: Como você ‘tá… fazendo isso?
[miado, derruba cartas da mesa]
SG: Que merda, Archie!
[rádio sintonizando]
SG: Ter Roberts por perto tem sido… bom. Mas agora fico com ciência na cabeça e ficar mexendo com terra e chuva falsa não ‘tá sendo mais o suficiente.
DR. FITZGERALD (DR.F): Hm. E o que está?
SG: Decidi ligar meu celular de novo. Não sei nem se ainda funciona. Espero que só precise da fonte de energia certa. Comecei a desmontar ele. Construí minhas próprias chaves de fenda especiais também. A bateria ‘tá... acho que o termo técnico é “ferrada”, mas a alimentação em si parece OK. Talvez um pouco empoeirada. Quebrei a tela no dia que voltei no tempo, na verdade. Não no Eldridge, como seria de se imaginar… Ele escorregou da minha mão quando eu ‘tava pegando um café.
DR.F: [ri] Um telefone portátil? Isso parece um passatempo digno. Você já me disse que ele é importante para você.
SG: O problema é que eu só tenho uma chance. Se errar, frito ele. Quer dizer, a coisa não aguentou nem ficar uns minutinhos no sol do lado de fora, no concreto... e não tenho exatamente condições de construir uma placa-mãe aqui, mas preciso replicar a energia da bateria de algum jeito...
[rádio sintonizando; cartas]
ER: Você está pegando o jeito... mas vai ter que pensar mais rápido se quer ganhar.
SG: Hm... Sete!
ER: Merda! A meio caminho de El Dorado. Vamos lá, pode mostrar.
SG: Espia e chora, Roberts.
[rádio sintonizando]
SG: E tenho meus projetos, é claro. Você pode tirar a Grissom do laboratório de ciência, mas não pode tirar o laborá– a ciência... da... Você me entendeu.
ER: Você poderia ter seu laboratório de volta se quisesse, sabe.
SG: Não. Já conversamos sobre isso–
ER: Eu só tinha que fazer minha diligência prévia... É por minha causa?
SG: Não, Esther, não é por sua causa. É...
ER: É tudo em que eu me jogo, o quão longe estou disposta a ir. Estão sou sim a causa, de certa forma. Porque é tudo minha escolha.
SG: … Bom, é, acho que sim. Mas não é só você, eu juro. Fora a coisa toda da ADRA, gosto muito de te ver. E adoraria ter você de volta comigo num laboratório, só... não um da ADRA. Então, enquanto as coisas forem assim, vou ter que recusar, por hora.
ER: Um ex me disse a mesma coisa recentemente.
SG: Ai, sério? Quando?
ER: Quando estávamos em Nova York, nos encontramos para tomar uns drinks, e uma coisa levou a outra… mas, quando acabou, ela me disse que é por isso que não continuamos juntas. Tenho pensado muito no assunto, e não tenho vergonha de querer coisas para mim. E, se isso significa que perderei amigos... Bom, é triste. É lamentável. Espero... Espero que possamos nos manter em contato assim.
SG: Ela, hein?
ER: … O quê?
SG: Você disse “ela”.
ER: Não– não disse não!
SG: Disse.
ER: Eu disse “ele”, eu–
SG: Isso explica… um monte de coisas.
ER: Você não pode contar para ninguém, Sally. Por favor, POR FAVOR, não conte a ninguém.
SG: Relaxa! Não precisa se preocupar sobre isso comigo. Eu sou assexual, eu entendo.
ER: Você é o quê?
SG: OK. Sabe como a maioria das mulheres gostam pra caramba de homem? Mas você, obviamente, gosta de mulher. Eu não gosto de ninguém.
ER: … Sério? Então, sexo–
SG: Nunca teve muito efeito pra mim. Tipo, é agradável, ou sei lá, mas... tenho coisas mais importantes no que pensar, sabe? Mas isso significa que também ‘tou na margem. Fora do sistema tradicional. Então entendo como é. O que também significa que não ligo com quem você...bate a bolacha? Como se diz atualmente? Dar um tapa na periquita? Fazer... nheco-nheco?
ER: Por favor, chega. Meu Deus.
SG: [ri] Tudo bem, eu paro. Mas feito.
ER: Feito.
[cartas]
ER: … A resposta é “bingo no banco de trás”, aliás.
SG: Uou.
[rádio sintonizando; cartas]
SG: Cinco a quatro. Mais uma antes de ir?
ER: Tenho que ir. Estou… feliz por você, Sally. Eu– … O que é isso?
SG: O que, o rádio?
[desliga o rádio]
ER: Não, a placa preta na sua mesa. Isso é algum tipo de... gravador? Parece... Não sei o que parece, para falar a verdade. Algo saído de um livro do Huxley.
SG: Meu telefone.
ER: Telefone?!
SG: É, você– bom, se funcionasse, você apertaria esse botão aqui, e apareceria uma... uma tela de TV, acho? Ela aparece e os números ficam aqui...
ER: Como você os discaria se– deixa para lá, não importa. Sharma lhe deu isso?
SG: Eu trouxe comigo. Pode… me devolver?
ER: Oh, claro. É só que… Desculpa. Eu não quis–
SG: Tudo bem, Roberts.
ER: Quer… falar sobre isso?
SG: Pensei que você tinha que ir.
ER: Quer dizer, eu devia, mas… mais uma partida?
SG: Claro.
[rádio sintonizando]
ER: Amelia disse que você queria falar comigo?
CW: Você a levou em uma viagem à trabalho, contou todos os nossos segredos para ela. E, agora, depois de informar a todos que o melhor curso de ação era deixá-la viver uma vida sem nós– citando suas exatas palavras– você vai visitá-la? Esther, o que diabos pensa que está fazendo?
ER: Dá um tempo, Chet. Ela já sabe de todos os nossos segredos. Já é metade deles, para começar.
CW: Não acredito que sequer estou tendo esta discussão com você.
ER: Por quê? Porque Hank Cornish não está aqui para apoiar sua lógica militar ridícula e paranoica?
CW: Isto não é uma competição de chilique. Não tenho a intenção de me envolver em um debate caloroso com você sobre cada uma das minhas decisões. Não sou Jack Wyatt. Sally Grissom escolheu deixar a ADRA. Quando eu lhe disse que entendia e simpatizava com ela– sobre não pertencer a este lugar e não conseguir voltar, sobre o que quer que tenha acontecido com ela quando ninguém estava olhando– fui sincero. Só não achei que ficaríamos mais dois anos bancando as babás dela.
ER: Ela passou um deles em coma!
CW: Estou tão cansado de ela não ter culpa de nada! A Timepiece é propriedade do governo dos Estados Unidos–
ER: Ela a inventou!
CW: E o Tio Sam pagou por ela. E então, Sally trouxe um estrangeiro, um agente desconhecido para esta base, munida de falsa autoridade e perseguida a tiros por combatentes inimigos. Não sou eu quem não refletiu sobre a situação.
ER: Chet, o mínimo que você pode fazer–
CW: Ela traiu nossa confiança! Repetidamente! Pensei que era uma aliada à nossa causa, mas nos atrasou por anos por razões mesquinhas e egoístas. Confiou em um homem que conhecia por minutos mais do que em nós, Esther. E ela nos conhece mais do que ninguém! Quero tomar as decisões certas e... se ela tivesse simplesmente vindo até mim, talvez eu tivesse a ouvido, talvez...
ER: Sally tem uma coisa que podemos usar. É... um telefone. Mas é mais que isso. Ela diz que é um gravador de voz compacto, uma câmera, um... árbitro de transmissão sem fio automática– telegrafia sem fio digital. Telecomunicação instantânea. De unidade para unidade, de qualquer lugar no mundo, usando satélites artificias. É um sonho de ficção científica. Você tem ideia do que poderíamos conquistar com uma tecnologia como essa? Isso poderia nos salvar.
CW: Se funcionasse. O que não é o caso. Já o vi antes.
ER: Ela vai consertá-lo. Você sabe que vai. Está determinada e não tem nada além de tempo nas mãos...
CW: E se, dadas as circunstâncias, Sally não estiver disposta a nos entregar essa “tecnologia revolucionária”?
ER: Então encontraremos um jeito.
CW: Isso não muda minha opinião sobre o seu envolvimento.
ER: Está sugerindo que sou incapaz de fazer isso?
CW: Estou dizendo que você sempre teve um carinho especial por ela. Considerou-a uma amiga. Achou adequado mentir para os seus superiores por ela quando teve que escolher.
ER: Isso foi antes.
CW: Estou lhe informando que, apesar do quão capaz é de realizar quaisquer tarefas que lhe passamos aqui, fico desconfortável com a ideia de se envolver pessoalmente. Nenhum comandante digno deixa os homens dele se jogarem em missões que exporiam as vulnerabilidades deles. Se não pode se confiar em você para conhecer os seus, então devia ficar agradecida que eu conheço.
ER: Você está sendo irracional.
CW: Essa é minha decisão final, Esther. Chega. É uma questão de segurança.
ER: Não, Chet, isso não é uma questão de segurança. É uma questão de sobrevivência. E sobreviver é algo que não faremos se ela não fizer. Não como uma organização, e não individualmente. Se tem uma ideia melhor, estou disposta a ouvi-la. Caso contrário, isso mais que cabe na jurisdição do departamento do qual você me colocou no comando. Não preciso da sua permissão. Preciso que não entre no meu caminho.
[rádio sintonizando]
SG: Diário de Sally Grissom. 8 de agosto de 1950. É real. ‘Tou carregando meu celular com a bateria do meu carro, e cruzando os dedos pra não fritar o carro ou o único smartphone em toda a existência. Queria muito fazer uma bateria de batata, mas fiz as contas e precisaria de batatas o bastante pra sobreviver a um inverno em Marte, então não.
Você não acreditaria no trabalho que tive pra fazer a entrada de USB… [suspira] Senti saudade dessa coisa. Esqueci como é o peso na minha mão, a luz da tela. Uma extensão do meu corpo. Enfim, meu braço direito está completo de novo.
Parte de mim sente que eu devia ter ido com Sharma quando tive a chance. Fiquei indecisa, e isso custou a vida dele– e agora parte de mim sente que perdi a minha também. ‘Tou presa aqui. Desperdicei minha chance.
O grande motivo de eu ter querido ficar aqui foi porque não queria me sentir tão sozinha e... olha só onde ‘tou agora. Cercada por um bando de plantas exóticas, um celular que não funciona direito, um ótimo hobby e uma vida General Mills perfeitamente genérica– em uma cidade com pessoas amigáveis, “bom dias”, e um café da manhã que leva quinze minutos pra percolar no fogão, e nunca me senti tão entediada na minha vida inteira.
“Viva o sonho pastoral”, eu disse a mim mesma. “Esqueça tudo sobre viagem no tempo”, eu insisti. Valeu mesmo, eu passada. ‘Tá funcionando super bem.
Tenho uma vizinha que traz café da manhã pra mim às vezes. Ela não faz perguntas. Dividimos uma cerca. Dá pra ver a cozinha dela da janela da minha. Só aparece com a cabeça na porta de trás de vez em quando e pergunta se eu ‘tou com fome– igual a um animal perdido.
Tem um velhinho que fica sentado na parada de ônibus na minha esquina. Todo dia, na mesma hora. Ele ajeita a gravata, lê o jornal. Se passo por ele, tira o chapéu, coloca ele de lado. Lê as piadas das tirinhas pra mim, como se fossem a coisa mais engraçada do mundo. Ele é... gentil. Ri demais, e as piadas são estúpidas. Mas é gentil.
Sempre olha pra mim pra ver se ‘tou rindo, também. E penso muito sobre isso, qual seria o equivalente disso no meu tempo– e daí me lembro que nunca vou descobrir.
[celular liga]
Ai meu Deus. ‘Tá ligado. O único verdadeiro remanescente de 20█, a única prova do mundo de onde eu vim. ‘Tá do jeitinho que deixei ele! Menu entulhado, mensagens de pessoas com quem eu já não falava há uma década ANTES de voltar no tempo. Oh, olha essas fotos! Teve uma festa da casa da Beth, a fantasia de Dia das Bruxas que o Jamie ‘tava fazendo, não... acredito que ‘tá tudo aqui. [sobressalto] Minhas mensagens de voz. Minhas mensagens de voz de verdade...
[rádio sintonizando]
MV1: Ei, Doutora Grissom. É a Kayla. Hm, Rogers. Do pessoal? Você disse pra eu ligar se um dia– bom, liguei pra dizer que ‘tou parada na 35. O GPS diz que teve uma batida e que devo ficar aqui por uns 21 minutos, então vou chegar no trabalho um pouco atrasada. Ah! E, hm, sei que você normalmente não vai a essas coisas, mas Jamie, eu e alguns outros vamos sair pra beber na sexta. Você devia ir, se quiser. Sair com a gente. Tenho que ir. Te vejo em breve!
[rádio sintonizando]
MV2: Olá, olá, Cabeção! Não sei por que esperei que você atendesse o telefone. Escuta aqui, ‘tou na cidade! Indo pro sul. Me manda uma mensagem. Podemos nos encontrar e botar a conversa em dia. Saudades da sua cara. Pode me contar o que anda te isolando do mundo ultimamente.
[rádio sintonizando]
MV3: Boa tarde, SALLY GRISSOM. Estamos lingando sobre sua assinatura da Popular Mechanics. Estamos ligando para perguntar se está desfrutando de sua assinatura digital–
[rádio sintonizando]
Grupo de Pessoas: FELIZ ANIVERSÁRIO, SALLY!
Mãe de Sally: Ei, amor, é sua mãe. Sei que não conversamos tanto quanto gostaríamos, mas–Sally, quero que saiba que amo você, e que acho que seu futuro será brilhante. Estou tão orgulhosa de você, querida. Me ligue quando puder. Sentimos saudade.
[rádio sintonizando]
SG: Diário de Sally Grissom. Mesmo dia de antes. Consegui o que queria, mas vou–vou me livrar do telefone. Definitivamente não quero ele, e Roberts nunca vai parar de pedir, porque, puta merda, taí uma coisa útil pra ADRA ter.
[Sally esmaga o celular]
‘Tá feito. Agora ninguém fica com ele. É parte do passado. Ou seria, se não fosse literalmente parte do futuro. Parte do meu passado. E ‘tou colocando ele pra trás. E já até sei o que vou plantar em cima dele: crisântemos chineses. As sementes chegaram hoje. Vai ser ótimo. Vai ser ótimo.
[rádio sintonizando]
CW: Então, conseguiu o aparelho?
ER: Mandei meu pessoal revistar a casa dela quando saiu. Nenhum sinal dele.
CW: Mande um agente para pegá-lo de lá enquanto ela estiver em coma. Agora que sabemos onde está. Coloque de volta se um dia ela procurar.
[interfone tocando]
ER: Sim?
AMELIA: Senhorita Roberts, você está sendo requisitada no átrio. As crianças estão aqui.
CW: … Crianças?
ER: Também não sei.
[campainha]
ER: Já estou indo.
[gravador de fita desliga]
ars PARADOXICA é criado por Daniel Manning e Mischa Stanton.
Episódio 16: Estufa características -
Kristen DiMercurio (Sally Grissom)
Reyn Beeler (Chet Whickman)
Katie Speed (Esther Roberts)
Richard Penner (Dr. Fitzgerald)
Fionna Thraille, Heather Auden, Thea Rodgers, Austin Beach (vozes adicionais)
Jean DiMercurio (Mãe de Sally)
com agradecimentos especiais a Isabel Atkinson
Música original de Mischa Stanton e Eno Freedman-Brodmann.
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WEATHER: stormy