08: Cela

ESCRITO POR DANIEL MANNING
PRODUZIDO POR MISCHA STANTON
TRADUZIDO POR JÚLIA OLIVEIRA
[EN]

[gravador de fita liga; Jack e Esther jogando cartas na copa]

 [Jack e Esther estão sentados a uma mesa jogando cartas, Anthony os assiste. Não se ouve nada além de os dois jogando por alguns segundos. Jack dá um tapa na mesa.]

ESTHER ROBERTS (ER): Hmm...

[cartas]

ER: Isso!

JACK WYATT (JW): Merda.

ANTHONY PARTRIDGE (AP): Isso foi bom, ou…?

[cartas]

JW: Tem certeza de que quer fazer isso?

ER: Certeza absoluta.

JW: OK…

[cartas]

ER: Hm. Interessante.

[Sally entra correndo na copa]

SALLY GRISSOM (SG): Ai meu Deus, ai meu Deus, ai meu Deus…

AP: Sally?/JW: O que houve?/ER: Meu Deus, Sally, o que foi?

SG: Tinha uma bolha temporal, que eu... hm...

[Sally desmaia]

ER: Dra. Grissom!

[gravador de fita pausa; música-tema; gravador de fita liga]

JW: Sally, o que houve?

SG: Tinha… ‘Tava tão escuro… Eu ‘tava gritando. Vocês não me ouviram?

AP: Do que você está falando? Não ouvimos nada.

ER: Vou pegar um copo d’água para ela.

[Esther levanta, pega água da pia]

SG: Alguma coisa deu errado… Alguma coisa deu errado com a Timepiece… espera, em que ano estamos?

JW: Oh não.

AP: Sally, é 1946. Dois de agosto de 1946.

SG: Isso é bom. Ainda é hoje.

ER: Aqui, bebe isso. Tome.

[Sally bebe]

ER: Cheque o relógio dela.

JW: Ela está na nossa frente cerca de, não sei, uma hora e meia?

ER: Acabamos de ver você, um minuto atrás.

[rádio sintonizando; um circuito solto faísca]

SG: Podem ir na frente. Só vou acabar de instalar um novo focador e alcanço vocês depois.

JW: Não demore demais. Estou com o pressentimento de que nossa próxima partida de Dilema será digna de ser assistida.

[Jack e Esther saem]

SG: [sussurrando] Com certeza, se alguém conseguisse entender.

[Sally mexe na Timepiece; o circuito completa; CELA acelera]

SG: Uou, não, não, não, que mer–

[CELA apaga por um segundo]

SG: [gritando, torturada] Socorro! Socorro!... Ai meu Deus…

[rádio sintonizando]

SG: Não sei o que aconteceu. Ela ativou do nada e, de repente, a sala ficou escura, tão escura...

ER: Você sabe o que isso significa?

SG: Nunca vi nada tão escuro…

AP: Ela ficou presa em tempo nulo por uma hora e meia e ficou completamente bem.

SG: Bem?!

ER: Talvez não nos trinques. Mas a máquina parou os fótons externos, exatamente como prevíamos!

JW: E ela não ficou pedacinhos com os micropulos!

SG: Fala sério! Pessoal, eu… eu aprecio suas tentativas de teorizar, mas, hm... vou tirar o resto do dia de folga.

ER: Totalmente compreensível. Melhoras, Sally.

JW: Tem certeza de que não quer deixar um médico dar uma olhada em você? Ainda não estamos completamente certos do que o campo nulo sequer faz com uma pessoa–

SG: Vou pra casa.

JW: OK, mas…

AP: Jack, só a deixe ir. Além disso, se algo de ruim acontecer com ela, ficará com ela. Viagem no tempo não é contagiosa.

JW: Mas faz mal?

AP: Eu… nunca disse isso…

[rádio sintonizando]

SG: Diário de Sally Grissom, três de agosto de 1946. Ontem teve quase 26 horas pra mim. O quão estranho é isso? A equipe está trabalhando em usar a Timepiece pra gerar um campo de tempo nulo. Não estávamos nem perto de prontos pra entrar nele, mas houve um incidente... Acho que devo ter ligado algo, ou cruzado algum fio, e a coisa ligou. Fiquei presa da bolha temporal por, tipo, uma hora e meia. Foi terrível. Você não sabe o que é escuridão de verdade até que fica presa num lugar em que a luz não pode nem sequer entrar.

Só escapei depois que o gerador descarregou; tentei cortar a energia, mas alguma sobre ficar presa em um único momento torna o aproveitamento de energia da Timepiece incrivelmente eficiente. Converte 99% de eletricidade em 100% de terror psicológico. Haha.

Donovan vai ficar feliz de saber disso… exceto que ele não tem inspecionado nossos relatórios mais? Pra um cara que lutou com unhas e dentes pra nos manter trabalhando, Donovan com certeza ‘tá adotando uma abordagem de não interferência. Mas aprendi a não perguntar o que ele ‘tá fazendo.  

Apesar de tudo que tive que aguentar, o campo de tempo nulo funcionou melhor do que poderíamos esperar. Claro, agora temos que aprender, testar e melhorar. Precisamos descobrir mais sobre como o campo de tempo nulo funciona—

[rádio sintonizando]

SG: —de Sally Grissom, 8 de setembro de 1946. Então, depois do meu consideravelmente bem-sucedido acidente com o gerador de campo nulo da Timepiece mês passado, temos tentado desenvolver ainda mais a tecnologia, e acho que ‘tamos prontos. Ah, lembra semana passada, quando eu disse que ‘tava pensando em um nome pra ele? Acho que me decidi em “CELA”. Campo Extrínseco Limítrofe Assíncrono. Sacou? Eu trabalhei nisso por… tipo, horas, provavelmente. Você pode achar frívolo, mas acredito firmemente na eficiência de siglas descritivas.

Desde que comecei a trabalhar pro Donovan, temos problemas em demonstrar um uso prático pra tecnologia da Timepiece. Tentamos uma dúzia de jeitos de mostrar as utilidades da viagem temporal, mas, sem uma perspectiva que siga uma linha do tempo diferente, o observador nunca poderia perceber a mudança. Acho que a CELA é o que tenho procurado. Depois de três anos trabalhando na Timepiece e um ano e tanto trabalhando na Matriz Inibidora de Higgs original, no século XXI, finalmente me deparei com algo realmente demonstrável! Admito que é um pouco tarde demais pra salvar o resto da ODAR, mas, pra ser completamente sincera, não sei se conseguiria ajudá-los mesmo se não fosse. Tem um motivo por que ninguém no meu tempo se lembra de Polvo, Novo México. O Projeto Manhattan derrotou eles. Uma grande bala dentro de grande arma pra dar fim a uma grande guerra. Uma bolha temporal, por outro lado? Isso tem fineza, tem estilo… e mil diferentes usos. Não tenho certeza do que vamos fazer primeiro, mas a equipe encheu dois quadros negros com ideias.  

[rádio sintonizando; Sally escrevendo ideias em um quadro negro]

SG: Vamos lá, pessoal, não tem resposta errada. Sei que fabricação é a ideia mais óbvia aqui, mas tem mais.

JW: OK, você poderia… plantar um pomar em um instante?

SG: Precisaria de um armazém bem grande ou algo do tipo, mas gosto do seu estilo! O que mais?

AP: Um computador poderia lhe dar uma resposta com a rapidez que precisasse.

SG: Gostei. Você tem perspicácia, Partridge.

AP: Esse é literalmente meu departamento. Mas obrigado.

ER: E se pudesse… envelhecer vinho mais rápido?

JW: Sério, Esther? Sua ideia é “deixar barris descasarem por bastante tempo”?

ER: Oh, bom, desculpa se—

SG: Ei, Wyatt! Não tem resposta errada quando se está brainstorming.

ER: … O que é brainstorming?

SG: Sabe, funciona pra uísque também. Um uso perfeitamente razoável pra CELA.

AP: Sally, não acho que todos nós concordamos com esse nome.

SG: É minha máquina, eu escolho o nome.

JW: [ao lado] Eu disse.

ER: Cale a boca.

SG: Ooh! Tive uma ideia! Tire cochilos por quanto tempo quiser! Por dias! Quem não gosta de cochilos?

JW: Ei, que tal cinemas instantâneos?

SG: Adorei!

AP: Grandes salas de leitura privadas. Demore o quanto quiser para ler qualquer livro.

SG: Tempo suficiente, enfim! O que mais?

ER: Que tal o forno mais rápido do mundo?

JW: Essa é só minha ideia das frutas de novo!

ER: Cozinhas não são fazendas, Jack.

SG: Gostei dessa. Sabiam que dá pra usar sinais de radar pra cozinhar?

[rádio sintonizando]

SG: —mas a maioria das ideias vão precisar de gente dentro da CELA. E, apesar de eu ter passado tempo lá, não foi a) de propósito b) por muito tempo, relativamente falando (e objetivamente também não) e c) coletar dados era a última coisa na minha mente. Então, amanhã, ninguém menos que nossa Esther Roberts vai passar voluntariamente 24 horas lá dentro. Nós tiramos nos palitinhos, bom, eles tiraram. Eu me isentei, e Partridge ia ser o sortudo a entrar, mas Roberts confessou que na verdade ‘tava interessada em ir. Ela disse que queria ser uma “pioneira na ciência emergente” — o que, sabe, bom pra ela— e Partridge ficou mais que feliz de ceder o lugar. Ele diz que a ideia da CELA já é assombradora o bastante, nem se fala em entrar lá dentro. Então, amanhã vai ser a grande chance da Roberts, e estamos todos empolgados pra ver o que vai acontecer. Ela vai ficar bem! Heh... Ela vai ficar bem… É.

[rádio sintonizando; computador processando cálculos]

SG: –cador está sintonizado pra detectar as frequências que estamos procurando.

JW: Então, está pronta, Esther?

ER: Você já me vez essa pergunta doze vezes. Talvez minha resposta mude na décima terceira.

JW: Então, está pro– ai!

[Esther dá um tapa em Jack]

AP: Sem briguinhas, pessoal. Isso é sério.

ER: Dra. Grissom, como é lá dentro de verdade?

SG: Bom, fora a escuridão infinita, é bem chato. Espero que tenha trazido livros.

ER: Tenho uma lanterna e algumas coisas na minha mochila para não me entediar.

AP: E têm comida, água e baterias extras nesta caixa. Então, desde que tudo corra como planejado, você não vai morrer de fome.

ER: Desde que tudo corra como planejado…

AP: Planos são o melhor que temos.

ER: … Não se pode fazer omelete sem quebrar alguns ovos, certo?

SG: Só espero que nenhum dos ovos em questão sejam seu cérebro. Eu odiaria perder a única outra mulher nessa maldita equipe.

JW: OK. Tudo pronto, com a última série de cálculos, calibrei os controles da Timepiece para gerar o efeito de tempo nulo em um raio de três metros pelas próximas 24 horas.

[Chet entra]

SG: Whickman, chegou bem na hora.

AP: OK, Esther, vou ligar as bobinas de condensação. Estaremos bem aqui, o tempo todo. Literalmente.

ER: Vocês são sortudos. Só vão ter que lidar com isso por, no máximo, trinta segundos.

 [CELA acelera]

CHET WHICKMAN (CW): Então, Doutora, o que é que você queria que eu visse?

SG: Programamos a Timepiece pra gerar uma bolha temporal. Roberts vai passar um dia lá enquanto apenas um momento passa aqui. Bem legal, né?

CW: Espera aí, ela vai entrar na máquina?

SG: Não, só vai ficar dentro daquele círculo de fita ali no chão.

CW: Não, ela não pode! Você precisa parar isso!

AP: Não é hora para isso, Chet. A máquina já está ligada. Se cortássemos a energia, não daria para saber o que aconteceria–

CW: Esther! Você precisa sair daí, Esther!

ER: [gritando por cima do barulho] O quê?

[Chet corre em direção a Esther]

CW: Esther! É perigoso!

JW: ES[THER!]

SG: WHI[CKMAN!]

AP: PARE-[O, AGORA!]

CW: ESPERA!

[a CELA se abre em torno deles; as vozes de Sally, Jack e Anthony esvanecem]

ER: Ótimo, você conseguiu, estragou tudo.

CW: Estraguei tudo! Você vai se matar.

ER: Uou, está escuro para caramba aqui. Espera aí.

[Esther mexe na mochila dela; liga lanterna]

ER: Bem melhor. Não precisava daquilo. Estávamos processando cálculos há dias, sabíamos o que estávamos fazendo.

CW: Senhorita Roberts, normalmente não sou do tipo de homem que fala palavrões em frente de uma dama, mas você não tem a menor ideia da merda que está falando.

ER: Oh! Que palavras rudes! O que será dos meus delicados ouvidos agora que foram atingidos pelas suas terríveis profanidades!

CW: Por quanto tempo vamos ficar presos aqui?

ER: Quando estávamos pensando que seria só eu, a viagem estava planejada para durar 24 horas, relativamente–

CW: 24 horas?!

ER: –mas agora que você se meteu e estamos presos aqui, não sei.

CW: Eu estava tentando puxar você para fora. Este lugar é perigoso!

ER: Tínhamos o calibrado para apenas uma pessoa e suprimentos. Você acabou de torná-lo mais perigoso. Bom trabalho. Independentemente de qualquer coisa, estamos presos aqui pelo próximo dia. Espero que goste de ler, tenho um pacote cheio de Astonishing Tales, Detective Comics, um baralho... e algumas palavras cruzadas, mas elas são só para mim.

CW: Não devíamos ter um protocolo vigente em que, se seu oficial de segurança começa a gritar “Pare! Pare!”, você para? Isso foi uma péssima ideia.

ER: Vamos ficar bem. Temos rações para quatro dias para nossa estada de 24 horas. Bom, rações para dois dias, com você, não vou lhe deixar morrendo de fome. Mas temos livros e luz e... tudo que preciso para esta expedição. Só tem um saco de dormir, mas acho que tenho um cobertor ali dentro que pode usar.

[Esther procura entre os suprimentos]

ER: Não, não tem. Espero que não fique com frio demais no chão.

CW: É a Timepiece. Ela não é segura.

ER: É tão segura quanto podemos fazê-la. Para que acha que está nos pagando? A menos... que saiba algo que não sabemos.

CW: Tudo que posso dizer para você é que é... venenosa, de algum jeito?

ER: Venenosa como em “ferrão de abelha” ou como em “grande dose de cianeto”?

CW: Nenhum dos dois. Usar a Timepiece… envenena a mente, mas não o físico. É como se saber na sua cabeça que a cadeia de causa e consequência é uma bagunça começasse a comer você por dentro.

ER: Como sabe de tudo isso?

CW: Não posso dizer.  

ER: Porque, espera, não me diga, é confidencial.

CW: –Confidencial, é.

ER: Vai persistir com isso até aqui? Olhe em volta, para quem eu vou contar? Ei, pessoal! Viagem no tempo faz mal!

CW: Não estou preocupado com você contando para alguém enquanto estamos aqui. É quando sairmos... se sairmos...

ER: E para quem eu contaria isso lá fora?

CW: Sua equipe, claro. Sally, Jack.

ER: O que, não posso guardar um segredo? Além disso, por que eles não podem saber?... Na verdade, espera aí, por que não sabiam?

CW: Eu posso explicar–

ER: Só vai afirmar do nada que é perigoso para mim e pronto? Estamos trabalhando nessa coisa há três anos! Há quanto tempo vocês sabem disso? Se não ficasse sabendo do nosso experimento hoje, nunca teria dito nada, teria?

CW: Não é isso!

ER: Então o que é?

CW: Saber torna os efeitos piores.

ER: [ri] Como assim?

CW: Pelo que podemos dizer, descobrir o que a Timepiece faz só piora sua condição. Eu nem devia estar lhe contando sobre isso.

ER: Em que está se baseando? Por que sabe disso? Dê-me um pingo de evidência do que está dizendo.

[Chet fica em silêncio]

ER: OK, tudo bem. Se quer agir como uma criança, fique à vontade. Tenho o dia todo. Tenho livros e palavras cruzadas. Ficarei bem.

[fita acelera; Esther lendo]

ER: Quer me contar o que sabe?

CW: Não.

ER: OK.

[fita acelera; Esther resolvendo palavras cruzadas]

ER: E agora?

CW: Estou confortável aqui.

[fita acelera; Esther embaralhando um baralho]

ER: Pronto para falar?

CW: Sim.

ER: Sério?

CW: Não.

[fita acelera]

ER: Ei, Oficial Whickman?

CW: Ainda não vou falar–

ER: Não, não é… Posso lhe perguntar uma coisa?

CW: [suspiro] Claro.

ER: Acha que vamos sair daqui?

CW: … Por que está me perguntando? Você é a cientista. Não é para sairmos?

ER: É, mas… e se não sairmos? E se você invadir aqui estragou alguma coisa e agora estamos presos? E se Sally ter saído foi sorte? E se morrermos aqui e, depois de um segundo, tudo que nossos amigos encontrarem sejam duas pilhas de poeira em forma de gente?

CW: É possível, mas não acho que vá acontecer.

ER: Por quê? Você não faz a menor ideia de como esta coisa funciona. Nossa equipe poderia escrever livros e livros sobre a Timepiece e nunca passar do superficial. O que lhe dá tanta certeza?

CW: Tenho fé em você. E em Sally, Anthony e Jack. São as pessoas mais inteligentes que conheço.

ER: Mas falhamos com tanta frequência no passado. E se acabarmos como Quentin Barlowe?

CW: Vocês falharam antes por causa de mau planejamento e esposas vingativas, nunca por não serem inteligentes. Nesse aspecto, posso confiar em vocês.

ER: … Obrigada.

[fita acelera]

CW: É Bill Donovan.

ER: Finalmente vai falar?

CW: Quer ouvir sobre isso ou não?

ER: Desculpa, continue.

CW: Bill está doente. Ele tem… Ele desenvolveu esta enfermidade. Chame-a do que quiser. Doença da Timepiece? Tanto faz. Ele… Não sabemos quanto tempo ele tem.

ER: OK, como ele contraiu essa doença?

CW: Ele tem usado a Timepiece. Para voltar no tempo. Algumas vezes... Um monte de vezes.

ER: Ninguém nunca usou a Timepiece. Ela só funciona para mandar coisas de volta no tempo, ninguém nunca a usou por si mesmo–

CW: Você pode ter… perdido algumas coisas. Enquanto estávamos no Novo México, o Diretor Donovan, ele... ele mandou construir uma para uso próprio.

ER: … Está falando sério? Ele sabe o mal que poderia ter causado? Para nós? Para o espaço-tempo? Para–

CW: Tenho certeza de que ele está completamente ciente do mal que causou agora.

ER: Porque agora ele tem, o que, o shell shock da viagem no tempo?

CW: Essa é teoria em que nós estamos trabalhando.

ER: OK, quem são “nós”?

CW: Estou com alguns contatos de Donovan na comunidade de inteligência trabalhando nisso, apesar de não saberem que ele é o paciente. E o Dr. Partridge está revistando tudo que foi documentado sobre a Timepiece para descobrir o que exatamente está causando isso.

ER: Por que não contar para Sally? Por que não Jack, ou eu?

CW: Vocês poderiam contar para a Doutora.

ER: E não podemos contar para Sally porque, o que, ela foi mais exposta à Timepiece que nós? Jack e eu passamos o mesmo tanto de horas em volta daquela coisa nos últimos três anos.

CW: Sally é um… caso especial.

ER: Que diabos isso sequer significa?

CW: Ela contou alguma coisa para vocês sobre o que fez antes de começar a trabalhar conosco?

ER: Como assim… Não sei, algo sobre um laboratório em Connecticut, onde ela desenvolveu a Timepiece por acidente, e então foi contatada por Donovan e se mudou para Polvo?

CW: Isso é oitenta por cento da história.

ER: E o resto?

CW: Ela estava trabalhando em um laboratório █ anos no futuro. Algo deu errado, e agora está aqui. Ela foi a razão de as coisas acabarem não dando certo na Filadélfia.

ER: Huh… Sinto que devia estar mais chocada.

CW: [ri] Com certeza explica um pouco da estranheza dela, não é?

ER: … Agora tenho este monte de perguntas para ela, mas não sei se posso perguntar, se posso saber... Sinto que preciso conhecê-la do zero agora.

CW: Bom, então está com sorte. Como você sabe, não é difícil fazer Sally dizer o que pensa.

ER: Mas o que ainda não entendo é... o que o Diretor fez com a Timepiece?

CW: O que você faria?

ER: Nada. Eu não a usaria.

CW: Mas não é uma santa? Finja que tem intenções menos nobres.

ER: Hm… consertar meus erros do passado e me assegurar de que eu alcance sucesso no futuro? ... Sally disse que algo assim aconteceria quando viemos para cá!

CW: Naquele ponto ela já estava atrasada pelo menos seis meses. Talvez mais.

ER: Por que está me contando tudo isso? O que aconteceu com sua rede de segredos?

CW: Bom, é como você disse: não é como se desse para contar a ninguém nas sei lá quantas horas que ainda ficaremos aqui.

ER: E quando sairmos?

CW: Quando sairmos… você não vai dizer nada.

ER: Ou o quê?

[Chet fica em silêncio]

ER: Oh… Quer dizer, sei que você poderia me matar, mas... sempre que considerei a possibilidade, nunca pensei que o faria... a nenhum de nós, digo.

CW: Eu o faria. Se precisasse.

ER: Entendo.

CW: Mas, sinceramente, Esther? O que preciso agora é de alguém para me apoiar.

ER: Você me ameaça e logo em seguida me pede para ser sua amiga… Sabe mesmo como conquistar uma garota, hein.

CW: Escuta, com Donovan fora de ação por pelo menos o futuro próximo, estou no comando da nossa pequena operação. Já tem algum tempo que estou. E preciso de alguém com quem eu possa contar que não esteja gerando ainda mais caos. Alguém como você. Esther. Esta é uma oportunidade. Para fazer o bem. Para Bill Donovan, para… para todo mundo.

ER: Para fazer o quê? Manter segredos dos meus amigos e ajudar a curar o estranho caso de arrogância aguda do meu chefe?

CW: Bill não é o único que apresentou sintomas.

ER: ...Sally?

CW: Nem toda aquela estranheza vem do futuro.

ER: Chet, você podia só dizer sim. Precisa mesmo aprender a ser mais direito.

CW: [ri] Desculpa… Força do hábito. Vem com a carreira, suponho. Então, Senhorita Roberts, o que vai ser? Posso contar com você?

ER: Não devo não não-discordar, suponho.

CW: Muito engraçado! Está pegando o jeito rapidinho. Nunca use uma só palavra definitiva quando quatro ambíguas servem.

[Esther ri]

CW: Estou falando sério. Você consegue. Acho que de todos nós aqui, só você conseguiria fazer isso. Ajude-me a usar o que temos para ajudar as pessoas. Não é isso que quer? Ser uma pioneira? Não foi por isso que se voluntariou para viver um dia inteiro em um piscar de olhos? Para ousar? Para fazer algo que nunca foi feito?

[gravador de fita acelera; Esther e Chet jogando cartas; CELA começa a colapsar]

ER: OK, depois de fazer isso, você constrói o rio com uma sequência de cartas–

[CELA dissipa]

JW/AP/SG: [juntos] Vocês estão bem?/ Graças a Deus/ O que aconteceu?

ER: Acabou. Estamos de volta.

SG: Os dois entraram no campo nulo e estão são e salvos! Isso é um bom sinal.

ER: Ooou voltamos para assombrar voooocês como faaantasmas tempooorais—

JW: Bom, tão sãos quanto antes de entrar!

AP: Chet, o que diabos foi aquilo?

CW: Eu, hm, hm–

ER: –Houve um mal-entendido sobre os parâmetros do experimento. Esclareci a confusão enquanto estávamos lá. Enquanto... espera, lá?

SG: Lá dentro?

JW: No quando?

ER: É, enquanto estávamos lá.

AP: E o que o cronômetro diz?

ER: Parou em vinte e quatro horas, trinta e oito minutos e zero ponto quatrocentos e nove segundos.

SG: Então a massa extra não alterou o efeito significantemente! Ótimo!

JW: Então agora somos todos só sorrisos? Ninguém liga para o que acabou de acontecer? Esther, o que houve lá dentro?

ER: Nada demais. Conversamos, falamos de livros, do tempo–

CW: Da falta de tempo–

ER: E o ensinei a jogar Dilema–

CW: Começou a ensinar–

ER: Tudo bem mundano.

[fita rebobina]

CW: — que se voluntariou para viver um dia inteiro em um piscar de olhos? Para ousar? Para fazer algo que nunca foi feito?... Quer saber um segredo?

ER: Você deve estar quase estourando deles.

CW: Eu o matei. Eu matei Quentin.

ER: Pensei que a esposa dele tinha o matado!

CW: Em grande parte, sim. Ela atirou a bala que o mata na nossa próxima linha do tempo e, de lá, a coisa toda se torna este... ciclo de tragédia. Mas a primeira bala que o atingiu veio de outro lugar... de outro tempo. Quando o Diretor ainda estava usando a Timepiece, ele achou uma gravação. E me deu. Ela vinha de outra linha do tempo. De que não nos lembramos.

ER: Porque é assim que linhas do tempo funcionam.

CW: Sim. Mas acabou que fui eu a matar Quentin da primeira vez. A outra versão de mim atirou a bala que acertou a nossa versão dele.

ER: E em que você estava mirando?

CW: Essa é a parte estranha… Eu estava tentando atirar no Quentin. Veja bem, quando ele morreu, eu estava fazendo uma inspeção interna da nossa equipe. Depois do que aconteceu, só pulei o nome dele. Mas, em uma linha do tempo em que ele não tinha morrido, acho que descobri que era algum tipo de agente duplo? O arquivo inteiro dele era falso.

ER: Está de brincadeira…

CW: A parte mais estranha foi quando perguntei a Donovan sobre o assunto. No final, Quentin nunca foi Quentin. E não trabalhava para a Axis, nem para os russos, nem nada do tipo; ele trabalhava para nós. Estava nos espionando para uma versão futura do Diretor. O então-atual... uou, isso é complicado, espera aí... o então-atual Diretor não fazia ideia, até começar a usar a Timepiece para manipular as coisas, mas a outra versão de mim não sabia disso. Ele só tinha ordens para eliminar quaisquer espiões que aparecessem. Então, uma das balas que ele-eu atirou atingiu a Timepiece enquanto ligava, voltou no tempo, e acertou o Quentin que conhecíamos.

ER: Isso… ele é louco. Por que Donovan mandaria alguém para espionar ele mesmo?

CW: Ele gosta de ter controle sobre os inimigos. E o Diretor é seu próprio pior inimigo. 

ER: Então, todo o luto de June foi culpa dele?

CW: Pode-se dizer que sim.

ER: Por quê?

CW: É só a paranoia—

ER: Por que me contar isso. Tudo isso é… é demais.

CW: Porque estou no comando agora. E, com sua ajuda... vou me assegurar de que nada do tipo nunca mais volte a acontecer. Você me disse que não usaria a Timepiece. Vou lhe dizer uma coisa: ela será usada. Eu a usarei. E é por isso que preciso de uma santa como você. Para me ajudar a usá-la do jeito certo.

ER: … OK.

CW: OK?

ER: OK.

[gravador de fita desliga]


01: Hipótese

ESCRITO POR DANIEL MANNING & MISCHA STANTON
PRODUZIDO POR MISCHA STANTON
TRADUZIDO POR JÚLIA OLIVEIRA
[EN]

01: Hipótese

Lançado em 01 de junho de 2015

 

[gravador de fita liga]

SALLY GRISSOM (SG): Alô? Testando, um, dois… OK! Este é o diário em áudio de Sally Grissom. A data de hoje é… Merda, que diferença faz? É dia 29 de outubro de 1943, acho. Pra mim, esse é dia seguinte a 14 de Agosto de 20██ . O quer que isso signifique.

Esse gravador é… [ri] enorme! Quando estavam preparando meu quarto aqui, perguntaram se eu queria um diário “pros meus pensamentos”. Não gosto muito de diários escritos, então falei que em vez disso queria gravar minha voz — Prefiro ouvir meus pensamentos em alto e bom som. Acho que estava imaginando uma coisa mais portátil, não essa monstruosidade na minha mesa. Mas estou grata por terem trazido ela. Preciso manter um registro do que passa pela minha cabeça. Está mais confusa do que nunca.

Mas, bom, deixe-me começar do princípio: Eu estava no meu laboratório no SSC. Sou uma física residente lá, a líder no comando de uma pequena equipe de pesquisadores trabalhando pra construir uma matriz de geradores que cancela o mecanismo de Higgs. A coisa era o nosso bebê. Tínhamos gastado incontáveis horas, noites insones e aproximadamente nove dígitos com ela. Depois de um sólido ano de trabalho, estávamos finalmente prontos pra testá-la. E lá estamos nós, no dia do teste, minhas mãos tremendo enquanto coloco a massa experimental— um quilo de platina — no pedestal no centro da matriz.

[máquina do tempo liga]

Quando a matriz começou a aumentar a velocidade de rotação, o interior vibrou tanto que derrubou o cilindro. Saí da sala de observação pra colocar ele de volta no pedestal. Me lembro de um dos meus assistentes perguntando se eu queria que parassem o teste; eu disse pra não perder tempo fazendo os geradores desaceleraram e acelerarem de novo. Na verdade, cheguei até a dizer que “não vai acontecer nada”. É, claro, não vai acontecer nada…

Os geradores atingiram a potência máxima antes do que deveriam. Assim que coloquei a massa teste no interior da matriz, ouvi um zumbido alto e uma crepitação de eletricidade—

[eletricidade crepita]

Me lembro de um cheiro parecido com ozônio e do gosto de ferro no fundo da minha garganta. Lancei um olhar pra onde meus assistentes estavam, mas as silhuetas deles tinham ficado borradas. Uma luz ofuscante preencheu a sala inteira; por um instante, o mundo inteiro ficou preto e branco e vermelho.

[máquina do tempo aumenta a intensidade]

E então, a luz foi ficando mais brilhante, mais quente e cada vez mais branca, até se tornar tudo o que eu via…

[máquina do tempo ativa]

Quando dei por mim, estava deitada na proa de um barco enorme. Minha mente estava cheia de ruído branco, e eu estava tonta e tremendo de frio. O conteúdo do meu café da manhã estava espalhado na minha frente. Não foi o meu melhor momento.

Devo ter ficado uns bons cinco, seis minutos semiconsciente no chão de metal frio antes de alguém me encontrar. Me lembro de um par de mãos checando meu pulso, se assegurando de que eu estava respirando. Aquele primeiro par de mãos chamou um segundo, e logo logo eu estava cercada por um… Como você chama um monte de caras da marinha, uma tripulação? Uma equipe? Uma… corveta? Uma porrada? É, é isso — estava cercada por uma porrada de marinheiros. A maioria estava sussurrando entre si. Um deles, autoridade soando em sua voz, veio e mandou os outros me levarem até o interior do navio. Ou pelo menos é o que acho que ele disse. Foi algo do tipo. Não me lembro das palavras exatas, meus pensamentos estavam pra lá de indistintos, mas esse era definitivamente o tom dele. O primeiro marinheiro, o que tinha checado se eu estava viva, se recusou, disse que devia ser levada à enfermaria. Um deles perguntou se eu conseguia andar. “Andar?” eu quis dizer “Eu mal consigo ficar de pé! Aliás, quem são vocês?! Exijo falar com a pessoa no comando!”. Eu quis dizer tudo isso. Mas, do jeito que ‘tava, só cambaleei um pouco, balbuciei e vomitei em cima do marinheiro mais próximo inteiro. Alguns deles me ergueram e me carregaram até os níveis inferiores do navio.

Ah, a propósito, quando era mais nova, meus pais me levaram pra ver o USS Intrepid em Nova York. Era um cargueiro de aviões da Segunda Guerra que tinha sido aposentado e transformado num museu marítimo, aéreo e espacial. O módulo lunar estava lá, e meus pais queriam que eu visse a cápsula em que meu avô aterrissou na Lua.

[interferência estática]

Quando minha visão clareou um pouco, finalmente pude ver onde estava. Me lembro de pensar que o navio tinha era quase idêntico ao da minha memória da visita, exceto que os controles não estavam selados atrás de barreiras de acrílico. A única coisa de que eu não me lembrava era a cela. Era só uma jaula, um armário com barras com não mais de um metro e meio de comprimento enfiado no canto de uma sala. Os marinheiros me desceram o mais gentilmente possível, trancaram a porta e saíram.

Fiquei lá por um tempo, me movendo o mínimo que podia, segurando minha cabeça latejante, tentando fazer a sala parar de girar. Talvez até tentando acordar daquele sonho terrível. Finalmente, depois do que pareceu uma hora (mas que foi provavelmente uns dez minutos), ouvi uma voz de dentro da sala. Evidentemente, um dos tripulantes tinha ficado pra trás: aquele primeiro, o que se importava se eu estava viva ou não. Ele estava calmo e silencioso como o mar depois de uma tempestade. Ele me disse…

[rádio sintonizando]

CHET WHICKMAN (CW): Senhora? Com licença, senhora, consegue me ouvir?

SG: Eu, uh—

[SG vomita]

CW: Vá com calma, pode ir com calma. Não se preocupe, senhora, vai ficar tudo bem. O Diretor está vindo pra cá agora, e ele vai conversar com você. Descanse, poupe as suas forças.

SG: [atordoada]… Onde eu estou?

CW: Você está na Filadélfia, senhora. Ou melhor, ao largo da costa da Filadélfia.

SG: Num… barco?

CW: Sim, senhora. Você está a bordo de uma corveta contratorpedeira classe canhão. Na maior parte do tempo, levamos tropas e materiais às frontes aliadas. Hoje nós estamos… bom, estamos fazendo algo diferente.

SG: Dife… rente?

CW: Bom, senhora, não posso dizer muito. É tudo confidencial, bem acima do meu cargo. Mas suponho que você deva saber, alguns cientistas do exército assumiram as operações esta semana, tomaram conta do navio como formigas em um piquenique.

SG: Deva… saber?

CW: Bom, claro, não é isso que você está fazendo aqui?

SG: Não… Uh. Não tenho certeza do que estou fazendo aqui.

CW: Bom, você teve que passar por uma série de problemas para burlar nossa segurança. Como você conseguiu, aliás?

SG: Não, não, eu estava… eu estava no meu laboratório… Minha máquina… começou a brilhar e…

CW: Você devia guardar sua historinha para quando o Diretor chegar aqui.

SG: Não é historinha, é verdade! Sou uma cientista, uma física. Eu estava trabalhando no meu laboratório, e o gerador… ele deve ter—

[SG cai, bate nas barras]

CW: Shhh, shh, relaxe, por favor. Poupe suas forças. Aqui, tome um pouco de água.

SG: Obrigada.

CW: Como você se chama?

SG: Sally.

CW: Sargento-ajudante Chet Whickman. Prazer em conhecê-la.

[SG bebe a água]

CW: Agora ouça, senhora—

SG: Doutora.

CW: … Certo. OK, Doutora, escuta: qualquer que seja sua explicação, acredito em você. Vi o que aconteceu. Eu estava lá na proa quando ligamos nossa máquina. Teve aquele flash branco enorme; ela fez o trabalho dela. E aí a luz sumiu, e você estava lá deitada. Eu vi você aparecer do nada! Não tenho conhecimento o bastante sobre o projeto para saber o que estavam fazendo, só navego o barco, mas sei que era alguma coisa estranha. Por mim, você é só uma moça normal, cuidando da própria vida. Diabos, talvez esteja trabalhando conosco, em algum outro projeto científico governamental—

SG: Não estou com o exército, já te disse—

CW: Mas não importa. Porque o Diretor, ele precisa agir como se você fosse uma espiã que se infiltrou no navio para roubar o projeto dele. Você acabou se metendo em confusão em uma base ultrassecreta, senhora. E não vai sair do Eldridge até ele conversar com você e descobrir tudo que sabe. Vá com calma. Sinto muito, mas tenho a impressão de que seu dia será bastante longo.

[rádio sintonizando]

SG: Me mantiveram naquela cela por cinco horas. Eu não conseguia nem esticar meus braços, minha visão ainda estava girando e a cabeça latejando da viagem pra lá. Pedi um Dramin e tudo que consegui foi um olhar confuso do Whickman. Aparentemente não tem isso por aqui.

Me levaram até a sala de interrogatório e, bem quando minha visão parou de girar, entrou o Diretor. Ele era a imagem exata do estereótipo de agente secreto. Ombros largos, mandíbula quadrada, cabelo lambido bem rente ao couro cabeludo. Terno preto gasto, camisa branca, gravata preta. Como alguém saído de um filme. O sorriso nunca vacilava, e as rugas no rosto dele me diziam que tinha praticado aquele sorriso um milhão de vezes antes…

[rádio sintonizando. Porta se abre e fecha. Som de passos. Cadeira raspando vagarosamente contra o assoalho. Papéis sendo organizados.]

BILL DONOVAN (BD): Qual é o seu nome, garotinha?

SG: Vai se foder, esse é o meu nome.

BD: [suspira] E aqui estava eu, perfeitamente preparado para assumir sua cooperação. Eu ia me sentar aqui, sorrir educadamente, fazer algumas perguntas e estaríamos resolvidos. Você estaria livre pra seguir seu caminho. Mas decidiu ser hostil. E agora tenho que lhe tratar como uma prisioneira hostil. E prisioneiros hostis não são bem tratados no meu navio. São pendurados como carcaças em um açougue. São interrogados a ferro quente e abandonados gritando em agonia ou choramingando silenciosamente, confusos e desamparados. Agora, isso soa divertido pra você?… Não, para mim também não. Então, vamos tentar de novo? Qual é o seu nome?

SG: Sally.

BD: Prazer em conhecê-la, Sally. Meu nome é William Donovan. Meus amigos me chamam de Bill.

SG: … Belo navio o que você tem aqui, Bill.

BD: Viu? Já somos amigos. Obrigado. É uma corveta bem pequena e modesta, mas estava disponível para realizar o trabalho de que precisávamos. De onde você é, Sally?

SG: Dos Estados Unidos.

BD: Pode ser um pouco mais específica, querida?

SG: Não.

BD: Agora, eu lhe disse o que acontece se não cooperar…

SG: Não se você vai continuar me chamando de “querida” e “garotinha”. É “Dra. Grissom”. Não vou só ficar sentada aqui e te assistir me rebaixar só porque sou mulher e você me prendeu.

BD: Sinto… Sinto muito, Doutora. Você está absolutamente certa. Agora, por favor, pode me dizer de onde é?

SG: Sou do país inteiro. Cresci numa fazenda em Iowa, estudei numa escola no nordeste. Estive trabalhando no Texas nos últimos anos.

BD: Onde no Texas?

SG: Waxahachie.

BD: Uoqui-a-o quê? [ri]

SG: [devagar] Uoqui-sa-ra-chie. Perto de Dallas.

BD: E o que você faz lá em Waxahachie, Texas?

SG: Sou física. Estou trabalhando no SSC.

BD: E o que é isso?

SG: O… O Supercondutor Super Colisor? O grande acelerador de partículas? O maior do mundo, pertinho de Dallas? Essa não é uma divisão científica do exército?

BD: Quem lhe disse isso?

SG: Aquele marinheiro, o que me trouxe pra cá. Whickman.

BD: Bom garoto. Esperto. Bem falante, sem dúvida. Onde você estudou, Dra. Grissom?

SG: MIT.

BD: MIT, como em “Instituto de Tecnologia de Massachusetts”?

SG: Não tenho certeza de quantos MITs além desse existem, mas, é, o MIT. Por quê?

BD: Só estou impressionado. Nunca conheci uma mulher com um doutorado do MIT antes. Muito impressionante.

SG: Hm… Obrigada.

BD: Então, Doutora, na sua opinião de especialista, como acha que veio parar no meu navio?

SG: Não tenho certeza. Eu estava testando uma máquina no meu laboratório… Era pra ela cancelar o campo de Higgs localizado em u—

BD: Em inglês, por favor, Doutora. Nem todos temos diplomas do MIT.

SG: Ela cancelava uma das forças fundamentais do universo. E eu meio que… entrei no meio. Então entendo por que alguma coisa aconteceu comigo. Mas por que vim parar no seu navio… Não faço ideia. Pode me dizer mais sobre o que vocês estão desenvolvendo aqui? Talvez algo entre as duas —

BD: Boa tentativa.

SG: Bill, eu—

BD: Escuta, Dra. Sally Grissom, do Iowa. Ou quem quer que você seja. Cansei dos seus joguinhos. Pra quem você está trabalhando?

SG: Eu te disse, trabalho no SSC—

BD: O SS… C. Entendo. E quanto teriam lhe pagado, se tivesse levado nossos planos de volta para a Alemanha?

SG: Alemanha? Do que você ‘tá falando?

BD: Doutora, tenho certeza absoluta de que o que estamos fazendo aqui está ultrapassando os próprios limites do desenvolvimento humano. As coisas que estamos fazendo soam como algo saído direto das AstonishingTales. É incrível, é poderoso… é perigoso. E vou queimar no inferno antes de deixar o Adolf e seus Krauts colocaram as mãos nessa tecnologia.

SG: [ri] Adolf? Krauts? O que é isso, a Segunda Guerra?

BD: A Revolução é que não é, querida. E nós avançamos muito desde então. Temos várias novas formas de manter alguém preso… manter alguém em agonia… até descobrirmos cada segredo nazista que você tem dentro dessa sua linda cabecinha—

SG: Que dia é hoje?

BD: O quê?

SG: A data. A data de hoje. Por favor. Antes que você me prenda e jogue fora a chave, antes que me torture até que tudo que restar de mim for um toco ensanguentado apodrecendo numa cela pro resto da minha vida. Só me diz. Que dia é hoje?

BD: Que último desejo estranho.

SG: Por favor, Bill… Por favor.

BD: Dia 28 de outubro de 1943.

SG: … Oh não.

[rádio sintonizando]

SG: O nome oficial é “Projeto Arco-Íris”, mas só ouvir falar dele como “Experimento Filadélfia”. Uma lenda urbana, ou pelo menos eu achava que era. Segundo a história, o exército estava testando algum tipo de mecanismo de invisibilidade pra defender os navios de radares inimigos. Dizem que usaram algumas das fórmulas de Einstein. Mas, quando ligaram a máquina, teve um brilho ofuscante… e o navio desapareceu. Alguns dizem que ficou invisível, outros que desapareceu completamente. De qualquer forma, claramente estava rolando alguma ciência estranha. Então, a ciência estranha deles e a minha ciência estranha, juntas, dão em viagem no tempo? Não sei. Ainda estou trabalhando nisso.

Depois de convencer o Diretor de que eu não era uma espiã, me levaram de volta pra terra firme e me colocaram no próximo voo pro oeste. O avião era tão barulhento que eu mal conseguia ouvir meus pensamentos, quem diga fazer quaisquer perguntas sobre aonde estávamos indo. Quando saí dele, foi como se tivesse sido estapeada na cara por uma parede de ar quente. O sol brilhava sobre as nossas cabeças de um céu sem nuvens, e o reflexo dele no deserto quase me cegou. Comecei a cozinhar.

Fui enfiada num Jeep, e dirigimos por cerca de duas horas. Não importou o quanto eu perguntasse, não consegui arrancar uma palavra do Diretor ou do motorista no caminho inteiro. Só dirigimos. Em silêncio. Por duas horas. Quilômetros e quilômetros deserto adentro, cada vez mais longe da civilização. Por talvez um ou dois minutos, me perguntei se não tinham decidido me arrastar até o meio do nada e me matar, afinal de contas. Finalmente, uns dez minutos antes de chegar—

[rádio sintonizando; SG roncando]

BD: Aqui, leia isto.

SG: [acorda de sobressalto] Ohshi— você quase me matou de susto.

BD: Caiu no sono?

SG: S-sim…

BD: Nada de muito interessante para ver, eu sei. Só vazio, por quilômetros e quilômetros, dá sono. Não é nenhuma vergonha. Não falta muito agora. Aqui, leia isso.

SG: O que é isso? [passando as páginas]

BD: É um perfil militar altamente confidencial da sua nova casa.

SG: Minha nova… Como assim?

BD: Estamos quase chegando à cidade de Polvo, Novo México. População de aproximadamente ██ , ██ quilômetros quadrados. Não é uma cidade que você encontraria em um mapa. E isso porque o governo estadunidense a construiu dois anos atrás. O propósito dessa cidadezinha é criar uma base para cientistas de destaque. Tudo gerido pela Agência de Desenvolvimento de Recursos Anômalos, a ADRA. Aqui, removidos do convívio com o resto da população americana, eles ficam livres para desenvolver novas ideias para o esforço de guerra. Ideias como a máquina que testamos hoje.

SG: Então você quer que eu me junte ao seu grupo de cientistas?

BD: Bom, não é tão simples. Veja bem, esta cidade, o trabalho aqui realizado, as pessoas que vivem aqui, até os bebês que nascem aqui… é tudo confidencial em um nível tão profundo que o grupo de homens no país que sabem de sua existência mal dá uma mão-cheia.

SG: E isso me inclui.

BD: Bingo.

SG: … Então sou uma refém.

BD: Uma casa para si, três fartas refeições por dia. Uma cidade cheia de gente tão inteligente quanto você, e toda a nova aparelhagem que o exército dos Estados Unidos pode oferecer. Se isso é uma prisão, até eu gostaria de estar preso.

SG: Mas não posso recusar.

BD: Não. Não pode.

SG: E por quanto tempo vou ser mantida lá?

BD: Ganhe a guerra pra nós, e aí conversamos.

[rádio sintonizando]

SG: E foi isso. Agora estou presa aqui, enjaulada como um animal de zoológico. Ou um daqueles miquinhos de rua, sabe? “Dance, macaquinho, dance…”

Tem uma cidade inteira aqui no meio do deserto. Parece um pouco com que li sobre o Projeto Manhattan, só que pra outras descobertas além da Bomba. Não sei no que o resto das pessoas está trabalhando, mas o Donovan disse que está particularmente esperançoso com o meu trabalho. O que é ótimo, mas super medonho do jeito que ele fala. Ele diz que vai me colocar no comando do meu próprio projeto, e até designar um pessoal de outros projetos pra ele. Não vou negar, isso me deixa nervosa. Tipo, já li livros sobre voltar pro passado, fazer pequenas mudanças… Só não quero tirar ninguém de um caminho que teria impacto na minha vida.

[rádio sintonizando]

ANTHONY PARTRIDGE (AP): É um prazer vê-lo de novo, Diretor Donovan. Não sabia que estava na cidade. Como foi o teste do Projeto Arco-Íris?

BD: Perdoe-me se for breve, estou bastante ocupado hoje.

AP: Hm, certo. O que posso fazer por você, senhor?

BD: Você está fazendo um ótimo trabalho aqui, mas—

AP: Obrigado, estamos ficando mais precisos a cada dia.

BD: E eu não quero atrapalhar seu progresso—

AP: Bom, foi por isso que nos trouxeram para cá, porque somos os melhores no que fazemos.

BD: Exatamente, mas—

AP: E eu realmente aprecio as liberdades que vocês nos concederam aqui. Sei que algumas coisas precisam permanecer confidenciais e compartimentalizadas, mas aprecio a chance de colaborar com especialistas em áreas que mal compreendo; praticamente a cidade inteira tem um dedo no projeto—

BD: Anthony, posso acabar?

AP: Sim, senhor. Sinto muito, é só que… sei que não vou gostar do que você tem a me dizer. Não teria me chamado aqui assim se não fossem más notícias.

BD: Estamos cortando fundos do projeto de Algoritmos de Previsão.

AP: Em quanto?

BD: Está sendo redefinido como um projeto Nível 3.

AP: Nível 3?! Diretor Donovan, senhor, sei que estamos levando um pouco mais de tempo do que nossas estimativas iniciais, mas… somos um projeto Nível 1. Maldição, somos um projeto Nível 1! Somos a fronte das operações da ADRA!

BD: Sinto muito. Estamos transferindo a prioridade para algo novo.

AP: Algo novo? Algo novo desde a semana passada?

BD: Temo que sim. Precisarei de uma lista do pessoal não essencial na minha mesa até quarta-feira.

AP: “Não essencial”? Vocês não vão só cortar nossos fundos, vão despedir pessoas também.

BD: Na verdade, você vai despedi-los.

AP: Você não pode fazer isso! Essas pessoas assinaram um contrato com o governo dos Estados Unidos garantindo que estariam empregados aqui até o fim da guerra. Já tem um ano inteiro que estamos trabalhando nisso!

BD: Os termos do acordo mudaram. Contratos podem ser cancelados. Pense nisso como mandar as tropas para casa mais cedo.

AP: Eles terão que se mudar de novo, encontrar novos empregos… O que você espera que coloquem em seus currículos? “Trabalhei de 1941 a 1943 na Organização Secreta Demais para Você Conhecer, não conte a ninguém”?

BD: Asseguraremos que eles consigam quaisquer empregos que desejarem. Para ser sincero, Anthony, provavelmente nem precisam de ajuda. Seus garotos são os melhores dos melhores. E eles aguentarão o tranco. Mas nós os acusaremos de traição, espionagem e conspiração para matar águias carecas se contarem qualquer coisa a alguém. Exatamente como faríamos agora, se acontecesse.

AP: O que, em nome de Deus, você encontrou na Filadélfia que justifique tudo isso?

BD: Um novo nome nos apresentou um projeto.

AP: Oh, e ele vai me substituir?

BD: Ela vai.

AP: Estou sendo trocado por uma mulher? Você está de brincadeira comigo?!

BD: Ela nos deu a resposta.

AP: Do que você está falando?

BD: O que ela fez… vai dar um fim a guerra. E vai acabar com todas as outras guerras antes mesmo de acontecerem.

AP: Você disse exatamente isso sobre os Algoritmos de Previsão!

BD: Eu estava errado! Anthony, o que você tem é uma ideia. O que eu tenho agora é um fato. É real. Algo que posso segurar em minhas mãos, algo para que posso apontar e dizer: “esta é resposta para todos os problemas, todas as ameaças que nosso país jamais sofrerá.” Tudo que você pode me oferecer são possibilidades.

AP: … Mas você não está fechando o projeto completamente.

BD: Nunca planeje algo sem ter um plano B. Prepare-se para todas as possibilidades. Não é isso que você está tentando nos ajudar a fazer?

[rádio sintonizando]

SG: —seja de todo mal. E eu realmente quero descobrir como vim parar aqui, mais que qualquer coisa. Talvez descobrir um jeito de voltar pra casa. Só queria ter algum tipo de escolha. Enquanto este projeto for secreto, ele vai me manter em segredo a qualquer custo. O que quer dizer que preciso manter minha identidade em segredo também.

O que acho que tudo bem? No fim, sou eu quem sempre vou fazer o trabalho, e os recursos do Donovan parecem ser a melhor forma de fazer ele. Tem só tanto no universo que nunca entendi antes. E mal posso esperar pra compreender tudo. Então, enquanto este experimento está em execução, vamos tratar ele como um.

[limpa a garganta] Sujeito um, Sally Virginia Grissom, 27 anos, nascida em 19 de fevereiro de 19██ em Adams. Doutora em Física Teórica pelo MIT, em 20██. Física residente no SSC por dois anos.

█ anos depois da realização desta gravação, uma irregularidade desconhecida no espaço tempo ocorre, envolvendo uma matriz de geradores inibidora do campo de Higgs e um dispositivo de invisibilidade conhecido como “Projeto Arco-Íris”. Consequentemente, o sujeito aparece na proa do USS Eldridge, na tarde de 28 de outubro de 1943 com nada além da própria máquina, uma carteira, um celular (frito na viagem), e um tubo de um quilo de platina.

… Não, isso soa melodramático demais. Além disso, não tenho certeza de que posso chamar mais nada de “primeiro” de novo.

Deixe-me recomeçar, então.

Meu nome é Sally Grissom, e acho que acidentalmente inventei a viagem no tempo.

… Isso é estúpido. Uou. ‘Pera aí. Isso é ridículo. Aah, que ódio. Não quero estar aqui, não quero viver em uma cidade supersecreta no meio do deserto. Não quero viver nos anos quarenta. Só quero ir pra casa. Quero ter me preocupar se deixei o forno ligado. Quero ficar presa no trânsito. Quero ficar parada num corredor de supermercado sem saber dizer a diferença entre Cheerios e uma marca genérica. Quero minha vida de volta. E QUERO CARREGAR MEU MALDITO CELULAR.

… Mas a questão é… não estou certa nem de que dá pra voltar pra casa. A não ser que pelo caminho mais longo.

Caso alguém no meu tempo ache isso, se você está se perguntando aonde fui parar… Foi aqui. Se está me procurando, não estou dizendo pra não tentar me encontrar, mas posso afirmar que as circunstâncias estão contra você. E espero que não se importe que eu faça minha própria tentativa de voltar.

Sou uma garota esperta, vou dar meu jeito.

[gravador de fita desliga]


ars PARADOXICA é criado por Daniel Manning e Mischa Stanton.
Episódio 08: Cela
características -

Kristen DiMercurio (Sally Grissom)
Reyn Beeler (Chet Whickman)
Robin Gabrielli (Anthony Partridge)
Katie Speed (Esther Roberts)
Zach Ehrlich (Jack Wyatt)
com agradecimentos especiais a Isabel Atkinson

Música original de Mischa Stanton.

17 11 23 15 11 05 16 | 26 06 | 19 23 18 | 07 20 16 07 04 02 | 07 21 21 05
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